Belém, 12 de novembro de 2009.
O morador de rua senta ao meu lado, já meio trôpego, cabelos desgrenhados e sujos, a pele escura cheia de tatuagens, bermuda velha e sem cor que mal lhe cobre as partes. Quando se aproxima carregando uma trouxa, inevitável não sentir medo, Praça da República no meio da noite onde tudo é suspeito e perigoso, incerteza se do fardo vai sair arma ou troço qualquer. Mas ele senta e fica quieto: o ensaio começando, atores se aquecendo e ele atento aos preparativos. Tranqüilizo! Os palhaços começam o show e ele ri, vez ou outra bebendo da garrafa de cachaça saída não sei de onde. Resolvo analisar suas reações e noto quando ele, no meio do ensaio, passa a olhar vidrado para o movimento dos atores, parece que olhando sem enxergar, o ver por ver de viagem triste e solitária por lembranças. Tive vontade de perguntar no que pensava, se lembrava de alguém ou de tempo bom, mas antes que pudesse fazer isso ele levantou e partiu, mais trôpego do que antes, a pequena garrafa de aguardente quase no fim. Num momento pensei que ele desabaria pelas escadas, mas seguiu partindo, rumo zonzo à escuridão! Não sei se esteve conosco pelo teatro, curiosidade pelos palhaços que surgiam no meio da praça, ou se queria apenas ficar perto de gente, vontade única de não ficar só em alguma toca arranjada pelos jardins da República. Só sei que ele foi breve tal qual este texto, marcando-me pela tristeza do olhar e pelo abandono que me revelou, casa velha largada por todos que não lhe vêem como útil!
Fotos: Wagner Mello.
6 comentários:
Engraçado, eu pensei a mesma coisa no dia ... A vontade inicial foi de sair de perto. Receio por algum rompante violento dele, o mal cheiro tb, enfim ... controlei isso e fiquei.
Me sensibilizei cara , mesmo na sua ' viagem etílica', como tu muito bem narrou no post ele foi lá e sentou, assistindo de boa o ensaio, .
Essa foto de rosto que tu postou foi um malabarismo pra tirar. Coloquei a máquina no meu colo e fingi observar o ensaio. Levantei o visor e olhava rapido tentando enquadra-lo direito. Mas esqueci de desligar o lance da camera q joga luz vermelha e qdo ví, pelo visor, o rosto dele iluminado pela camera, eu pensei " pronto, deu-se a desgraça, o cara vai pular agora em cima de mim e fazer merda " kkkk Mas já tava feito e eu continuei olhando o ensaio, apertei o botão ( sem o flash )e tirei algumas.
Valeu o convite amigo, vou colocar as fotos num CD e te entregar, daí tu passa a teu amigo diretor.
W
O Bicho
Manuel Bandeira
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa;
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Rio, 27 de dezembro de 1947
De uma expressividade sem igual, o morador de rua. É uma pena ele ser assim! Dá vontade de ajudar, de conversar, sei lá...mas também dá um receio enorme de chegar perto!
Acho que ele deve se sentir muito só! Que dó!
Alcoolismo é uma doença...
Sim... Uma doença. Por isso mesmo me causa estranheza que tal pessoa esteja na rua, perdida, e não em um centro médico especializado recebendo tratamento devido.
Verdade, é uma doença . A cura, mesmo com possibilidade de um tratamento especializado, só se dá qdo o doente quer. Quer somente não, busca de fato ajuda. Esse é o gargalo.
Boa semana.
W
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