sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Amargor na boca e um soco no estômago

Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu...
Pedaço de mim
Chico Buarque

Instintivamente liguei para minha filha. A voz dela dizendo oi me deu o conforto que precisava naquele momento. Ela não conheceu Catarina e resolvi não contar que ela havia morrido, nem deixar que percebesse minha voz de choro. Só queria ouvir a voz da minha menina e perguntar o que ela estava fazendo, se estava bem e se estava feliz. Ela disse que estava andando de bicicleta com as amigas, exatamente o que uma menina como a Cacá deveria estar fazendo nessa tarde chuvosa de 31 de dezembro de 2010.
...
Morrer é algo natural. Nada é mais normal e certo do que a morte, que pela sua idéia de vida vivida é algo que 'combina' mais com adultos ou idosos, a pessoa que viveu e fez suas coisas, teve seus filhos e viajou, teve todas as suas chances e, num belo dia, partiu. Definitivamente, morte não combina com criança, com nenhuma criança...
...
Eu não conheço a Cláudia e nem conheci a Catarina. Falo de conhecer assim, na vida real. Mas eu as conheci em um mundo novo e tão real quanto, o mundo da internet, justamente onde soube da doença e de toda a luta enfrentada.
Sendo bem sincero, eu não me doei o quanto desejei, nem ajudei o quanto quis... Mas eu torci mais do que pude e achava que tudo ficaria bem.
No final não ficou tudo bem. Ficar tudo bem significaria a Catarina não morrer e ela se foi. Mas muita coisa restou. Por exemplo, aprendemos a confiar uns nos outros; também aprendemos a nos mobilizar para ajudar (e percebemos que é possível); aprendemos a respeitar diferenças e conflitos por um bem maior; aprendemos o que realmente significa amor e dedicação; aprendemos sobre dor e perda; aprendemos sobre frustração.
E se eu fiz menos do que gostaria, muitos fizeram mais do que poderiam e demonstraram seu valor (e não vou citá-los pois eles sabem quem são, o que fizeram e não fizeram por glórias pessoais).
Para Cláudia, mesmo que eu fique sem palavras (como disse a Zinda Nunes), tenho algumas coisas a dizer: não sei se teria a mesma força que você, nem a mesma garra para lutar tal luta. Espero que sua força ajude nessa situação completamente inimaginável para mim, a perda de um filho que é, certamente, o pior dos pesadelos.
...
Comecei a escrever isso sentindo que tinha levado um soco no estômago, sentindo um amargor que teimava em reinar na boca e com uma vontade inesperada de chorar e vomitar dor.
Mas as palavras foram saindo e, com elas, também saiu muito do ruim que sentia. Começaram a vir algumas coisas boas...
Agora, já no finalzinho desta brevidade, começo a imaginar as paragens bonitas por onde a Catarina deve estar passeando, em uma bicicleta novinha, novinha, que ela acabou de ganhar de um anjo igualzinho a ela, anjo que vai proteger, cuidar e ensinar, e eles vão brincar muito neste lugar todo novo ao qual ela agora pertence.

Anjos. Simplesmente, anjos.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Palavras do ano + etimologices = Retrospectiva

Janeiro: Terremoto, do latim Terrae Motus, movimento da terra - liberação súbita de energia que provoca movimentos na superfície terrestre - No dia 12 de janeiro de 2010, um terremoto de 7,0 na escala Richter atinge o Haiti, país mais pobre da America Latina. Os mortos chegam a 270 mil, ultrapassando em número de vítimas o tsunami na Ásia em 2004, sem contar os milhares de desabrigados e mais de 4 mil amputados. Dentre os mortos estão 21 brasileiros que prestavam serviço no país, inclusive Zilda Arns, médica e fundadora da Pastoral da Criança. Depois o país sofreu com saques, violência, doenças e falta de estrutura - e ainda sofre.
Fevereiro: Exército, do latim exercitus, -us, exercício, multidão - Conjunto de todas as forças militares terrestres de uma nação; conjunto de forças de cada beligerante em campanha. No dia 3 de fevereiro de 2010, durante uma audiência na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, indicado para ocupar uma vaga de ministro do Superior Tribunal Militar (STM), disse que soldados não obedecem a comandantes homossexuais. Segundo Cerqueira Filho, "talvez tenho outro ramo de atividade que ele [o militar homossexual] possa desempenhar". Ele continuou: “Não é que eu seja contra o homossexual, cada um tem que viver sua vida. Entretanto, a vida militar se reveste de determinadas características que, em meu entender, tipos de atividades que, inclusive em combate, pode não se ajustar ao comportamento desse tipo de indivíduo”.
Março: Guerra, do germânico Werra - Inimizade declarada e luta armada entre nações ou partidos; inimizades e atos de hostilidade entre famílias e pessoas; arte militar. No dia 7 de março de 2010 o longa-metragem "Guerra ao terror", de Kathryn Bigelow, foi o grande vencedor do Oscar 2011, derrotando a superprodução "Avatar", de James Cameron. Bigelow é ex-mulher de Cameron e foi a primeira vitória de uma mulher na categoria de melhor direção. Os outros prêmios foram em melhor filme, roteiro original, montagem, edição de som e mixagem de som.
Abril: Tortura - do latim Torquere, torcer, dobrar, deformar - A procuradora aposentada Vera Lúcia Gomes, de 67 anos, é acusada de agredir de forma sistemática a filha adotiva, de dois anos de idade. Após laudos, investigação e processo judicial, a procuradora foi condenada a oito anos de prisão pelo crime de tortura. A criança, abandonada pela mãe em um abrigo do Rio de Janeiro, passou pouco mais de um mês na casa nova. Quando foi recolhida por uma equipe da Vara da Infância, em 15 de abril de 2010, estava dormindo no chão da sacada do amplo apartamento de luxo da mãe adotiva, no bairro de Ipanema, onde ficava o cachorro da procuradora aposentada.
Maio: Vulcão - do latim Vulcanus, -i, Vulcano, deus do fogo - montanha de onde, por uma abertura chamada cratera, saem matérias candentes, fogo ou somente fumaça. Um vulcão com nome impronunciável, Eyjafjallajokul, na distante Islândia, entra em erupção em 21 de março de 2010 e se faz conhecido no mundo todo. Acima do vulcão havia uma camada muito grossa de gelo. Quando a magma tocou esse gelo fez surgir uma quantidade enorme de vapor que, juntamente com a poeira do vulcão, fechou o tráfego aéreo europeu por seis dias, causando transtornos em todo o mundo. O Eyjafjallajokul entrou em erupção pela última vez em 1918, e sua recente movimentação pode ter despertado um vulcão ainda maior, o Katla.
Junho: Chuva, do latim pluvia - água que cai das núvens. Com imagens geralmente relacionados à seca e ao sol inclemente, os estados de Alagoas e Pernambuco sofrem, na noite do dia 23 de junho de 2010, com chuvas arrasadoras e inesperadas. Nos dois Estados foram 45 mortos, 54 municípios afetados e outros 30 em situação de emergência. Muitas comunidades ficaram isoladas e mais de 180 mil pessoas foram afetadas pelo aguaceiro. E como se não bastasse, a população ainda sofreu com desvio de doações e remédios que serviriam para aliviar o problema.
Julho: Goleiro, do brasileiro, Golo + eiro; mesmo que português Guarda-redes. Atleta cuja função é evitar o gol da equipe adversária. No dia 7 de julho é decretada a prisão do goleiro do Flamengo, Bruno, assim como de macarrão, Dayabbe e mais quatro envolvidos no desaparecimento de Elízia Samúdio, de 25 anos, com que o goleiro manteve relacionamento extraconjugal e teve um filho. Elízia está desaparecida desde 4 de julho e seu cadáver nunca foi descoberto. Uma das possibilidades para a ocultação mencionava que partes do corpo teriam sido oferecidas a cachorros da raça rottweiler.
Agosto: Mina - do celta, mwny, metal bruto, pelo francês mine, jazida de metais (influência do gaulês meina e do irlandês méin) - jazigo de minérios, trabalhos realizados para extração de minérios. Em 5 de agosto, um acidente em uma mina de cobre e ouro no Deserto do Atacama, no norte do Chile, deixou 33 mineiros presos a uma profundidade de 700 metros. Somente no dia 22 de agosto, por meio de um bilhete de letras vermelhas enviado por uma sonda, chegou a primeira notícia: "estamos bien en el refugio los 33". Eles seriam resgatados somente no dia 13 de outubro, dois meses depois, e sobreviveram com uma dieta rigorosa: duas colheres de atum enlatado, um gole de leite e meio biscoito a cada 48 horas.
Setembro: Petróleo, do latim petroleu (petra + oleum) oléo de pedra - Óleo mineral natural, combustível, de cor muito escura, dotado de um cheiro característico mais ou menos pronunciado. Somente no dia 19 de setembro de 2010, a British Petroleum conseguiu interromper um vazamento de petróleo que havia começado em 20 de abril, no Golfo do Méximo, EUA, após uma explosão que matou 11 pessoas. Foram 87 dias de vazamento que arruinou a costa de quatro estados americanos e se configura como o pior derramamento de petróleo na história dos EUA. No final, foram 4 milhões de barris derramados nas águas do Golfo e uma redução de 70 bilhões de dólares do valor de mercado da BP.
Outubro: Presidenta - do latim Praesidens, -entis, que é particípio presente de praesideo, -ere, comandar, governar, feminino de Presidente, mulher que preside, esposa de um presidente. No dia 31 de outubro de 2010, Dilma Vana Rousseff (PT), com 62 anos, é eleita a primeira mulher Presidenta do Brasil com 56% dos votos válidos (mais de 55 milhões de votos). O segundo colocado, José Serra (PSDB), obteve 44% dos votos. O índice de abstenção foi o mais alto da história: 21% dos eleitores deixaram de votar.
Novembro: Fraude - do latim Fraus, fraudis - engano, má-fé, logro. A divulgação de uma fraude bilionário no banco Panamericano choca os brasileiros e derruba o mito de invencibilidade de seu dono, Sílvio Santos. Segundo o diretor de Fiscalização do Banco Central, Alvir Hoffmann, tanto os credores quanto os clientes não serão afetados pelo rombo nas contas do Panamericano. Já seu dono sofreu duro golpe: em rara demonstração de responsabilidade, ofereceu suas 44 empresas e marcas, SBT e Jequiti inclusas, além de bens pessoais, como garantia da dívida.
Dezembro: Luta - do latim luctor, -ari, lutar, combater, esforçar-se por. O Vice-Presidente da República, José Alencar, continua a lutar contra um câncer. Internando desde 23 de novembro de 2010, recebe alta no dia 17 de dezembro e volta a ser internado poucos dias depois. Em 22 de dezembro ele passa por mais uma cirurgia, a décima sétima dele, para tentar conter uma hemorragia no abdômen. No dia 23 de dezembro, quase véspera do Natal, a prova definitiva de luta contínua: apesar de estar passando por seu pior momento, o Vice-Presidente acredita que estará presente na posse da Presidente eleita, Dilma Rousseff, que acontecerá no início de janeiro. Tomara que sim.

Há um ano era assim.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Como surgem os mitos

Tudo começou com uma singela reclamação feita pelo ator Marcius Melhem no seu twitter: "Alo hotel Golden Beach de Recife! Vamos treinar melhor o recepcionista Fabio, q foi de extremo mau humor e falta de profissionalismo comigo!" e "Alo hotel Golden Beach de Recife! O recepcionista Fabio ainda ficou mal humoradinho quando eu disse que o atendimento tava péssimo!". Começaram a chover comentários de pessoas que já tinham sofrido nas mãos do recepcionista Fábio, tudo devidamente retuitado pelo Marcius Malhen, que ainda deu o golpe de misericórdia: "Todo mundo que quer um mundo melhor e com mais educação, envie uma mensagem com #recepcionistafabio, por favor!! :)".
Foi suficiente para começar mais um dos inúmeros (e efêmeros) movimentos no Twitter brasileiro, com atores e perfis de sites inventando as mais diversas frases com a tag #recepcionistafabio.
Recolhi algumas das melhores, todas do Kibe Loco: O #recepcionistafabio criou a WikiLeaks, O #recepcionistafabio matou Odete Roitman, O #recepcionistafabio já pegou Geisy Arruda (@jpissini), O #recepcionistafabio atirou em John Lennon (@alexpimenta), O #recepcionistafabio te acorda às 6 da manhã para saber se houve consumo no frigobar, O #recepcionistafabio escalou Felipe Melo (@_thaymartins).
E assim surgem os mitos neste mundo da internet. De uma hora para a outra, sem razões aparentes, sem muitas justificativas.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Resultado do Concurso Gata Molhada

Foi um sucesso o Concurso Gata Molhada 2010, realizado neste mês de novembro na pérgola de importante clube social de Belém. Muitas famílias do jet set paraense estiveram presentes em ardorosa torcida, e a vitória foi comemorada com muito estouro de Cidra Cereser. Abaixo as fotos de todas as vitoriosas concorrentes.


1º Lugar - Candidata do Clube Monte Líbano -
A pose vitoriosa fez diferença.
2º Lugar - Candidata da Assembleia Paraense -
A timidez que encantou os jurados...
3º Lugar - Candidata do Clube do Remo -
Olhar 43 devastador.
4º Lugar - Candidata da Tuna Luso -
A inocência lusitana.
5º Lugar - Candidata do Paysandu -
O olhar de desespero e medo foi decisivo.
Dica do Toni Rodrigues.

Agressão

As cenas abaixo são fortíssimas e mostram agressão a um animal completamente indefeso, uma bela Rena natalina. Aconteceu em Richmond, Estado de Virgínia, EUA.
Percebam que a pobre Rena caminha sem
arranjar briga com ninguém.
De repente ela é atingida por um sinal de trânsito
bem na cabeça e nem percebe o que ocorreu.
Visivelmente ferida, a pobre Rena se abaixa sentindo muita dor.
Ela foi internada e não sobreviveu.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Motivação


Para motivar o feriadão de vocês. Tirado daqui.

Por quem os sinos dobram


“Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte dos teus amigos ou mesmo sua; a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade. E por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti
John Donne

sábado, 4 de dezembro de 2010

Sobre os veados

Uma das grandes serventias da ciência é responder grandes questionamentos da humanidade. Por exemplo, pesquisadores do Departamento de Pesca e Recursos de Vida Selvagem do Kentucky, EUA, acabam de explicar porque veados ficam parados ao ver farol de carro: "Os veados são crepusculares". Ou seja: veados começam a ter maior atividade cerca de uma hora antes do anoitecer, até uma hora depois do amanhecer. Por conta desse horário, os veados têm a visão otimizada com pouca luz. Assim, quando a luz de um farol atinge os olhos que estão completamente dilatados, os veados não conseguem enxergar nada, e eles simplesmente "congelam" até que seus olhos possam se adaptar. "Eles não sabem o que fazer, então não fazem nada" explica o biólogo David Yancy.
Exemplo de como veados
podem ser cegos
Ainda segundo Yancy, para os padrões humanos, veados são completamente cegos. A cegueira, e o fato de serem crepusculares, explica a grande quantidade de colisões entre carros e veados nos EUA - que atinge o ápice na temporada de reprodução, quando machos ceguetas se deslocam em busca de fêmeas receptivas.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Traficante tem direito? (complemento)

Apenas complementando a postagem anterior, acabo de ler a seguinte matéria: São Paulo arrecada R$ 1milhão em leilão de bens de traficantes
O Estado de São Paulo já realizou três leilões desse tipo, arrecadando R$ 1,85 milhões, tudo isso entre 2007 e 2010. Dos 218 itens leiloados neste 4º Leilão, somente uma aeronave não foi arrematada, pois nenhum lance chegou perto do valor mínimo de R$ 25 mil.
Os valores arrecadados nestes leilões são destinados à política de combate, prevenção e tratamento ao uso de drogas e recolhidos ao Fundo Nacional Antidrogas (Funad), com distribuição de 80% para o Estado de São Paulo e 20% para o governo federal.
Já no Rio de Janeiro, os bens que poderiam significar incremento no combate ao crime e no incremento de políticas públicas de combate ao uso de drogas se perdem sem que ninguém faça nada.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Traficante tem direito?

Foi um verdadeiro descalabro. De repente os traficantes que eram os donos dos morros cariocas se viram em plena fuga, corrida sorrateira para se esconder e escapar da cana. Muitos foram presos, outros se entregaram. Alguns ainda estão escondidos por ali, por lá, esperando para ver o que fazer. Mas todos eles, quase sem exceção, tiveram de abandonar uma vida inteira para trás - e uma vida inteira, breve vida, de traficante, geralmente significa muitos e caros bens materiais.
Uma foto que me surpreendeu, dentre outras tantas, era assim: o morro sendo ocupado pela Polícia e uns moleques se divertindo em uma piscina bem bonita, no que seria a luxuosa casa de um traficante. Logo imaginei: mas que coisa? O mundo acabando e os filhos do traficante se divertindo. Como assim?
Somente lendo o texto pude entender: a casa realmente era de um traficante. Mas as crianças que se divertiam na piscina, essas não pertenciam ao bandido. Eram crianças da comunidade que, junto com tantas outras pessoas, aproveitaram a fuga dos chefões e resolveram desfrutar do luxo. Acontece que aproveitar, nestes dias sem leis do Rio de Janeiro, não se limitou a banhos de piscina.
Li na coluna do Ricardo Setti que inúmeras residências, que pertenceriam a membros ativos do tráfico, foram limpadas com a rapidez dos que fazem coisa errado. Móveis foram levados, eletrodoméstico foram surrupiados. Até chuveiros, torneiras e maçanetas desapareceram. E diante disso tudo, o que fez o Estado? "Pior do que os saques, porém, foi a atitude de policiais civis e militares diante do que ocorria diante de seus olhos: absoluta indiferença. Comportavam-se como se nada estivesse acontecendo, muito menos crimes. Um deles chegou a dizer a um repórter da Globo: “Ah, o pessoal viu que era casa de vagabundo [forma pela qual normalmente os policiais se referem a criminosos] e começou a pegar as coisas”. Ele estava fardado, protegido por colete à prova de balas e portava uma metralhadora. Não esboçou um só gesto de autoridade, não moveu um só músculo."
Primeiro ponto: todos têm direitos estabelecidos em lei, sejam traficantes ou não. Em fuga ou presos, mortos ou vivos, o que pertence a eles deveria ter sido protegido pela polícia. Permitir que saques ocorram, somente por terem sido perpetrados contra bens de bandidos, não está correto.
Segundo ponto: se os bens foram adquiridos por meio de práticas ilícitas, deviam ter sido preservados pelo Poder Público para que, no futuro, pudessem servir como indenizações, et cetera.
Mas agora é tarde, Inês é morta. Os bens se perderam e muito vão passar um natal mais feliz e rico. Só resta à Polícia carioca requisitar filmagens e imagens para tentar identificar os saqueadores e tomar as devidas providências. Se quiserem, claro. Se quiserem.

Estive com Shiva e lembrei de você

Carta enviada ao amigo Toni em 1º de dezembro de 2010

"Querido Toni,

Ontem resolvi participar, como convidado, da equipe de corrida do Banco onde trabalho. Correr é algo que me dá bastante prazer, mas foi também um ato de educação. Eles viviam me convidando para, pelo menos, umas voltinhas, então achei educado aparecer. Assim, estava eu ontem paramentado como um queniano, pronto para dar umas voltas pela Praça da República perto das 19 horas de uma noite agradável. 

Havia chovido e o clima estava muito gostoso - além do que a praça, quase sempre deserta, se torna um convidativo lugar para fracassadas exibições físicas.

Quando cheguei, me deparei com um simpático grupo de senhoras e dois senhores, além do professor de corrida que o Banco contrata, um homem distinto e por diversas vezes campeão brasileiro de corrida. Começamos com uns alongamentos estranhos, uns movimentos que mais lembravam lúdicas danças circulares (adoro danças circulares e a palavra lúdica, só que não).

Depois de uma série de breves perguntas e de breve avaliação física, foi determinado pelo grande homem-professor que eu estava no mesmo nível que uma das senhoras que fazia parte do grupo, uma senhora magrinha e franzina, delicada a quase não poder mais.

Como era intruso, e ainda mais por uma questão de gentileza, fiquei calado e aceitei minha sina: ter de acompanhar aquela senhorinha quase empalhada, quase dormindo, pelos próximos 40 minutos ao redor da praça em trote engomado e vagaroso que seria verdadeiro exercício de paciência. Internamente, ria da bobagem estabelecida pelo professor, que eu, homem feito, no auge dos seus 32 anos de perfeita forma física e moral, pudesse estar no mesmo nível daquela semi-velhota que parecia mais interessada na sua casa, no seu sofá e no seu crochê. Me enchi com aquele espírito de superioridade que sempre está presente nas pessoas bestas e muito seguras de si, e então aceitei que deveria ser piedoso e tratar aquilo como algo normal. 

Se deveria acompanhar aquela senhorinha, pois ela estaria no mesmo nível que eu, que fizesse aquilo com respeito e piedade cristão (também adoro piedade cristã).
Fomos então para um imaginário ponto de largada e começamos a correr. Para meu espanto, a velhinha desandou a correr de tal forma, com tal velocidade, que mais parecia estar fugindo de alguém que pretendia roubar sua aposentadoria. E ela corria com uma gana, com uma determinação, que só me 
restou apertar o passo e tentar manter o mesmo ritmo. Deus sabe, somente ele e tu, como fiquei espantado com aquela situação, aquela mulher já quase empalhada que começou a correr, ela sim, como uma queniana que precisava daquela velocidade para poder, no final, comer. 

O mais difícil não foi acompanhá-la. O mais difícil foi acompanhá-la sem demonstrar que estava surpreso e quase me matando para fazê-lo. Eu fingia correr como se corresse desde criancinha, mas a verdade é que a cada volta, a cada reta percorrida, mais sentia todos os meus órgãos gritando de dor e pavor por aquele esforço inesperado.

O pior era manter a respiração adequada: no início consegui fazer barulhos aceitáveis, nada de muito vergonhoso para aquele homenzarrão de 32 anos que corria ao lado de uma velhinha. Ela sim parecia fazer aquilo desde criancinha. Depois de segunda volta não pude mais manter as aparências e comecei a respirar como um porco nervoso indo em direção ao abate. Primeiro foi meu nariz, que começou a fazer sons como se fosse um oboé, e que depois começou a fazer sons como um
pequenino trompete. Fim Fom, corria eu e fazia meu nariz, enquanto e senhora respirava como se acabasse de sair de um relaxante banho quente.

Depois, os sons começaram a sair pela boca, uns grunhidos involuntários provocados pelo ar que entrava de forma desordenada pela traquéia. Por fim, meu nariz e minha boca, conjuntamente com meu peito, passaram a atuar como orquestra sinfônica de sons escabrosos que certamente meteram medo na minha companheira de corrida (que vez ou outra olhava para o lado como se para verificar se eu estava bem, ou para se certificar de que eu não precisava de socorro imediato). 

Depois, começaram as dores nas pernas, nas articulações e na barriga - o que comumente chamamos de 'dor de viado'. Juro que pensei na morte e no fim dos meus dias, ou que não conseguiria dar mais um passo para acompanhar aquela velha tinhosa que parecia correr do Imundo.

Mesmo morrendo, praticamente nas últimas forças, decidi que meu orgulho não seria ferido naquele episódio e que manteria a chama de minha honra acesa. Olhei para a frente e mantive a respiração barulhenta e irregular, tal qual caldeira de antigo barco a vapor, e decidi que ficaria ao lado daquela pequena senhora, que agora não tinha nada de pequena ou de empalhada, mas sim a grandeza daqueles que superam seus limites com nobreza e sucesso. 

Foram cinco voltas ao redor da Praça da República, cinco voltas que representaram verdadeiro martírio. Somente para esclarecer, cada volta corresponde a uns 1.200 quilômetros, pelo que devo ter percorrido cerca de 6 quilômetros naquela noite - quase a somatória de tudo que já corri na vida. Na penúltima das voltas, já perto das 19 horas e 40 minutos, percebi que deveria parar ou meu corpo entraria em greve e se pararia por mim. 

Esperei que ela fosse encerrar a corrida ali, naquela quarta volta, e fui até diminuindo o ritmo à medida que nos aproximávamos da imaginária linha de chegada. Desgraça. A super-senhora impiedoso não só não parou, como aumentou o ritmo nesta quinta volta. Segui no ritmo enquanto os olhos latejavam, assim como os dedos da mão, o pescoço e a língua. Se aquela não fosse a última volta da mulher, certamente seria a minha, mas isso de uma forma definitiva e eterna.

Já de volta ao ponto de partida imaginário, percebendo que estava no fim, deixei o orgulho de lado, puro instinto de sobrevivência, e fiz sinal à simpática senhora dizendo que não poderia ir adiante. Ela deu um sorriso piedoso e caridoso e disse que também pararia, que me acompanharia, mas que não devíamos parar de forma abrupta. E foi assim que ela me convidou para mais uma volta caminhando, uma experiência única de auto conhecimento da dor que só me fez mais triste.
Felizmente, já no final de volta caminhada, pude ver o professor que já se alongava com o grupo, sinal de que aquela visita de cortesia estava terminando e eu poderia voltar para casa e dormir até a semana seguinte.

No final do alongamento o professor perguntou como havia sido, se o ritmo tinha permanecido bom, ao que ela respondeu que sim, que fizemos uma boa equipe (tão bondosa a aquela amável mulher) e que deveríamos continuar o treino juntos, caso eu fosse continuar. 

Decidimos que neste quinta-feira, meu segundo dia de treino, faria novamente par com aquela senhorinha, e que, desta vez, correríamos na rua acompanhando um grupo mais experiente. Já na hora de ir embora ela descobriu que moramos bem pertinho e logo me convidou para fazer o trajeto casa/Praça da República a pé, como um espécie de pré-aquecimento para a próxima corrida.

Educadamente aceite, mas realmente não sei se ainda terei forças físicas e morais de voltar à equipe.

Por hora tenho dificuldades para andar, sentar, deitar e respirar, e mesmo meus pensamentos estão meio truncados. Se estiver melhor até quinta-feira, quem sabe?, não volto para mais uma lição de humildade, respeito e auto conhecimento de limites e orgulhos.

Amigo, por hora ficamos sem abraços e beijos, pois qualquer um deles representaria grande dor neste momento delicado,

Fernando."


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

É preciso sonhar

Fernando
Quando li tua crônica "Na minha rua" e dizes que tua rua é daquelas antigas me fez lembrar que estou te devendo, e aos leitores que comentaram o texto do Edson Carneiro, outras crônicas sobre Belém. Então, me veio logo à lembrança o capítulo  "É preciso sonhar", do belíssimo álbum Belém do Pará, publicado em 1995 pela Alunorte, com texto de Jota Dangelo e belíssimas fotogradias de Luiz Braga. Como diz o autor do texto sobre Belém, "... no meio desta História viva, embora tão abandonada. É preciso sonhar". Em anexo mando o texto e duas imagens de Belém reproduzidas no álbum.
Beijo
Regina Maneschy

É preciso sonhar

Jota Dangelo. 
In Belém do Pará. Alunorte, 1995, p.102-103

Se for possível, deixe-me ficar aqui à sombra desta vegetação, olhos perdidos no perfil longínquo da Ilha das Onças. Não me peça para ver como a cidade cresceu. Não estou duvidando. Apenas não me apresente aos verticais de vidro rayban. Não quero ver a cidade de coberturas e terraços. Se for possível, deixe-me ficar nesta viela, diante deste casarão arruinado. Não me arraste para estas curvaturas de concreto armado. São inevitáveis, eu sei. Modernas, eu sei. Mas, se for possível, deixe-me ficar aqui no Largo da Pólvora, junto a este coreto do princípio do século, sonhando que ainda existe ali, naquela esquina, o velho Grande Hotel na sua imponência de Rei. Não me convença a vagar por aí, simplesmente, neste chuvisco vespertino e reconfortante. Se for possível, leve-me ao Bosque Rodrigues Alves, ao Museu Goeldi e deixe-me ficar ali, tresvariando, certo de que, a qualquer momento, Pedro Teixeira surgirá em armas, chapéu de penacho, botas de cano alto. Quero o silêncio e a paz desta ilha de verdes, a companhia destes troncos e caules seculares. Não me convide ao burburinho de transeuntes e à sinfonia do tráfego, posto que aí estão, presentes e necessários. 
Mas se for possível, deixe-me no Largo da Sé, ao lado da Igreja de Santo Alexandre, porque ali marquei encontro com Antonio Landi, Padre Vieira e o pintor De Angelis. E já estou atrasado. Eu sei que é preciso ver os últimos conjuntos residenciais que estão sendo erguidos em muitos pontos da cidade e nada é mais convidativo que um passeio pelo Campus da Universidade, mas é que acabou de passar por mim uma mameluca azoada e roliça, que se meteu pela travessa da Vigia com dengos e requebros de quizomba... Mas já se foi. 
É preciso percorrer sim esta avenida ampla, sob este túnel de mangueiras, mas se for possível, deixe-me demorar um pouco nesta Rocinha: estou ouvindo risos de negras angolanas e há um cheiro de fervuras no ar. Deixe-me sonhar que Bates está lá dentro entre seus livros e coleções. Não insista para que eu mergulhe na trepidação da vida noturna, com suas luzes feéricas e intermitentes, o calor humano subindo a temperatura numa demonstração de vitalidade e juventude, e ainda bem que assim seja. Sei que os tempos estão em contínua mutação, e esta agitação é pertinente. Mas é que ouvi, há pouco, pregões de vendedores no Largo do Carmo e som de tambores candomblés no Porto do Sal. O tempo é curto e ainda não fiz minhas compras na Paris N’América e há um concerto hoje à noite no Teatro da Paz, regido pelo Maestro Vicente Collas. Compreenda minha urgência: sei que há sorveterias irresistíveis, que há mocidade nas ruas e nas praças, mas tenho pouco tempo. 
Se for preciso, deixe-me aqui mesmo, pois estou vendo aproximarem-se as gôndolas sonhadas por Gaspar Gronsfeld, que imaginou ver o Piry transformado numa Veneza Tropical. Está vendo os canais que ele projetou, com cais de pedra, ladeados de árvores frondosas de mistura com plantas ornamentais?   
Não me interprete mal. Não tenho nada contra este pulsar da vida, este esplendor de luzes, este encantamento que se irradia e se projeta das gerações esperançosas em direção ao futuro. E que lá chegarão, repetindo a valentia e a trajetória de seus ancestrais. Mais é que neste momento sou muitas Beléms. Todas as Beléms. Por isso, deixe-me aqui. No meio desta História viva, embora tão abandonada. Deixe-me nesta Belém, ao pé do Forte do Castelo, vendo chegar a noite para envolver as águas mansas do Guamá, luziluzindo estrelas neste céu de chumbo. Não se preocupe. Breve virão buscar-me. Sonhei Belém. Não me é preciso mais nada. 

A imagem abaixo reproduz a página 108 do Álbum. Cidade de Belém do Grão–Pará. Acima, Prospecto do poente. Abaixo, Prospecto do norte. Desenho de João André Schwebel. Serviço de Documentação Geral da Marinha, R.J. 

domingo, 28 de novembro de 2010

Percepção

Nas diferentes imagens, o que você vê?
 Quantos rostos você vê?
 Consegue ver o nenem?
 Essa é fácil... Um casal. Não?
 O cavalo e o sapo.
 Um rosto.
 As mulheres.

sábado, 27 de novembro de 2010

O que esperar?

Segundo dados do UOL Eleições, em 2008, quando Duciomar Costa se reelegeu para o segundo mandato de Prefeito de Belém, a cidade contava com uma frota espetacular de 140 mil carros, 2.265 ônibus e 28,3 mil motos. 
Nesta época o trânsito já era um grande problema, verdadeiro vespeiro que ninguém ousava tocar, e assim ficou. 
Hoje a cidade se mostra impraticável: A frota de carros só fez aumentar. Cresceu o número de motos por conta da liberação dos mototaxistas. O transporte coletivo, esses 2.265 ônibus, só se sucateou mais.
Antes havia horário para engarrafar e ruas problemáticas. Hoje temos engarrafamentos a qualquer hora e em praticamente todas as ruas importantes.
O trânsito em Belém se resume da seguinte forma: Qualquer trajeto na cidade, por menor que seja, demorará ao menos 20 minutos - O transporte público representa uma sacrifício - Ninguém regula os mototaxistas, o que só faz piorar o caos geral.
A Governadora tentou ajudar, já no final do seu mandato, com a construção do Elevado Daniel Berg (e conseqüente reformulação do sistema viário nas proximidades do aeroporto). Para os motoristas acostumados à confusão permanente naquelas bandas, realmente a ajuda foi válida - e só tenho escutado bons comentários sobre a obra.
Por seu lado o Município parece completamente inoperante (dizem até que o Prefeito nem mora mais na cidade!). As vias estão sem manutenção e algumas parecem ter sido bombardeadas em alguma guerra. Outro dia circulei pela Timbiras e não consegui imaginar o que é morar naqueles trechos transformados em lamaçal. Pior ainda é a Pariquis, freqüentemente submersa e impregnada do odor desagradável de esgoto.
O que espera o próximo Prefeito em 2012? 
Certamente muita confusão e problemas para resolver. O eleito deverá vir armado de dose extra de competência e paciência, e pelo bem da cidade, que é uma cidade maravilhosa, espero que o povo escolha com sabedoria
Requisito básico exigido do próximo Prefeito: que ao menos more na cidade...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

França Profunda


Sabrina tinha 23 anos quando seus pais resolveram usá-la como parte do pagamento por um carro usado. Ela foi estimada em 750 euros (cerca de dois mil reais) e assim a negociação foi concluída. Isso tudo no ano de 2003, na região de Seine-et-Marne, área central da França, em um acampamento miserável de trailers.
O casal Franck Franoux e Florence Carrasco, que aceitou Sabrina como pagamento, passou a utilizá-la para os mais variados fins: como escrava doméstica, Sabrina cuidava da casa e dos sete filhos de seus donos; como escrava sexual, ela servia às vontades dos dois e, eventualmente, era obrigada a se prostituir. Geralmente ela dormia ao relento, mesmo no rigoroso inverno francês, e se alimentava somente com as sobras da família. Por diversas vezes ela foi estuprada e torturada.
O calvário de Sabrina, que revela uma face quase esquecida de certos problemas, os crimes sexuais que parecem existir somente na cruel realidade de países subdesenvolvidos, durou de 2003 até final de 2006 – quando a mulher, gravemente doente, passou a representar um estorvo para seus donos.
Pesando pouco mais de 34 quilos, Sabrina foi largada diante de um hospital de Paris. Ela não tinha mais nenhum dente e seus cabelos estavam raspados. Orelhas e nariz, mutilados durante anos seguidos, foram reconstruídos após diversas cirurgias. Pelo corpo, além de hematomas e cicatrizes, inúmeras queimaduras decorrentes de tortura.
Após a descoberta da desgraça que ocorria em uma região próxima à elegante capital francesa, 14 pessoas foram presas e serão julgadas – dentre elas, os pais que venderam a filha. Se forem considerados culpados, os acusados poderão ser condenados a penas que variam entre dois e 15 anos de prisão (o julgamento está previsto para terminar em 17 de dezembro de 2010).
Enquanto isso Sabrina, hoje com 30 anos, busca ter uma vida normal – mesmo que a convivência com o pesadelo seja ainda muito próxima: “Em algumas noites eu tenho lembranças. Eu não durmo”, afirmou ela ao jornal Le Parisien.
Realmente, deve ser difícil dormir com tanto barulho a atormentar a vida, as marcas na alma que conseguem ser piores do que as marcas no corpo.
As informações são da BBC Brasil e da Elle francesa.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Me chute, ou o mundo não está contra você*


*Texto publicado originalmente no Muita Pimenta em 19/11/2010.
De repente o mundo parece estar contra você.
De manhã, o trânsito absurdo e a briga por estacionamento. No trabalho, cobranças desnecessárias e desgaste com pessoas que você vê todo dia. No meio da tarde, do nada, toca o celular e sua mãe que não está tendo um bom dia, resolve estragar o seu também. Na hora de voltar para casa, com fome e sono, todos os carros na pista parecem atraídos pelo seu veículo num festival de total ignorância as regras de trânsito. Já na frente de sua casa você descobre que o problema de estacionamento é universal. Então você acaba parando longe, muito longe…
O que fazer para relaxar?
Quem sabe ir andando até a praça e correr um pouco, ficar em forma e espairecer as idéias? Era uma excelente idéia até o momento em que um motorista de ônibus resolve furar o sinal vermelho e quase te atropela em plena faixa de pedestre. Mas não, ainda não foi desta vez. O motorista erra por pouco e vai embora, some por entre as ruas escuras da cidade. A ti, resta o nervosismo e o estresse, tudo estourando como bomba de 1000 megatons no peito, a cabeça que gira por conta da raiva e do sentimento de impotência.
Quando foi a última vez que você se sentiu assim (fora todos os dias anteriores com a mesma rotina)?
Talvez tenha sido naquele fatídico dia em que, no colégio, grudaram um cartaz dizendo “chute-me” nas suas costas. Você nem percebeu a graça, não é? Só foi notar que havia algo de errado quando levou o terceiro golpe por nada…
O nosso maior problema é achar que o mundo está contra nós, que as pessoas acordam, se banham, tomam café e saem de casa com um único objetivo – destruir seu dia e, quem sabe, sua vida.
Na nossa cabeça, ao final de um dia com rotina igual ou mais radical que este, só restaria uma verdade: O problema é comigo.
Surgem várias teses, desde a divina (estou pagando por meus pecados) até a da desistência e do falso desapego (vou embora, vou partir desse lugar, deixar tudo e ser feliz).
A verdade, meu amigo, é bem menos egocêntrica.
A geometria da vida é cruel com todos, quase sem exceção (ficam de fora as crianças que ainda podem assistir toda a Sessão da Tarde sem perturbação).
Aqueles que você encara como seus inimigos na hora da procura por uma vaga te olham da mesma forma. Ninguém quer realmente prejudicar ninguém. Todos querem, somente, largar seus carros e correr para seus trabalhos maçantes.
Da mesma forma, aqueles com quem você discute no trabalho estão tão cansados quanto você. Todos querem uma semana de folga surpresa (de preferência com uma viagem para a Martinica com tudo pago) e um salário um pouco melhor.
Também é assim com aqueles que te trancam na rua. Eles podem simplesmente estar com sono ou se defendendo de outros motoristas (e com isso não quero livrar a cara dos que realmente são barbeiros).
E a mãe… Bem… Quem consegue explicar as mães? Ela pode ter tido um dia duro ou estar irritada com a empregada que não apareceu, com a filha que não estuda, com a máquina que quebrou e não lava mais nada. Tantas coisas.
Agora chegamos na parte crucial: e o motorista de ônibus que furou o sinal e quase te matou? O que justifica?
Eu te diria: o cara ganha pouco, deve ter os mesmos problemas que eu (ou mais problemas), passa o dia dirigindo um veículo enorme, pesado, quente e cheio de gente que na maioria das vezes reclama do serviço prestado. Isso sem pensar aonde ele deve morar, o quão distante e longo será o trajeto de volta para casa, ele já no limite de suas forças após um dia dirigindo no trânsito doido da cidade.
Quer ir mais fundo? O cara ainda vai estacionar aquele monstrengo na garagem da empresa, prestar contas ao patrão, lavar o veículo… e tomara que não tenha vômito no chão pois é ele mesmo quem vai limpar.
Sinceramente, não creio que justamente aquele motorista seja o menino de quem você roubou bolinhas de gude na infância e que prometeu se vingar um dia.
Tento ver somente um homem cansado e esgotado, obrigado a cumprir horário de chegada e doido para que o dia acabe. De repente, quem sabe, ele nem mesmo te viu. Se tivesse visto, certamente não teria avançado.
Meu ponto de vista? O mundo não está contra você e nem há uma placa escrito “chute-me” grudada nas suas costas. O mundo é simplesmente um local difícil de se viver e nem todos sabem como lidar com isso.
Pense nisso da próxima vez que sair a rua e depois me diga se as coisas ficaram um pouco melhores.Enquanto isso nos resta ter paciência e lembrar sempre que o mundo é um local difícil para todos.