sábado, 31 de outubro de 2009

Carta a uma amiga triste

Belém, 31 de outubro de 2009.

Se reconheces teus problemas e sabe onde estão tuas dificuldades, só me resta te dizer força, e não me cabe te irritar com as lembranças dos atos com os quais não concordei! Errar, todos nós erramos, e acho que é inerente ao ser humano fazer pequenas besteiras para depois se arrepender. O problema maior é que, depois de consumado o erro, parece mais fácil manter o rumo nesta direção do que dar a volta e seguir no rumo correto. E é aí que nos afundamos em direção a algo que nos consome e despedaça, que nos faz fracos, exatamente como estas agora.

Poucas vezes conheci alguém tão guerreiro quanto você! Lembra de todas as dificuldades que tiveste, dificuldades que também foram minhas pois estava do teu lado? As noites mal dormidas no quarto de madeira, que mais era um depósito de tralhas velhas, onde te colocaram uma cama, no fundo do quintal? E as vezes em que chegavas da aula, tão cansada, e não tinha mais o que comer, e que andávamos alguns quarteirões para devorar hot-dogs? Ou das vezes em que te maltratavam, tal como entulho que perturba no meio da sala, e ligavas para tua mãe, chorando, e ela tinha que ser forte e não chorar junto contigo? Se não lembras, saiba que eu lembro muito bem! Justamente por isso tenho dificuldades em crer no que dizes agora, que não tens mais forças para lutar, para resolver o que entulha a tua vida, sem forças para fazer o que sabes ser o certo.

Realmente deve ser difícil, mas quem guerreia sempre tem que ter força sempre! E se nas primeiras derrotas o guerreiro fraqueja, sinal de que nunca foi guerreiro, e de que lutou e ganhou somente por sorte, por que teve a felicidade de encontrar sempre diante de si quem não podia lhe oferecer resistência!

Antes de qualquer coisa, tens que te acalmar! A primeira derrota diante de uma situação desesperadora é a própria desesperança. Se acalmar, às vezes, é o mais difícil. Te acalma então, e não fica com tantas idéias tortas na cabeça, pois elas só vão te levar por caminhos igualmente tortos.

Depois, aprende a calar. A desesperança trás o destempero, e com ele surge o que não deveria ser dito. E a palavra dita não volta, e depois de ser falada, tal qual pedra que é jogada, fere.

Por fim, seja um pouco egoísta! Um dia me disseram isso, que em determinada situação eu deveria conseguir ser egoísta para poder remover meus entulhos. Achei de péssimo tom, mesmo porque falávamos de pessoas. Mas as pessoas, quando passam a depender de ti como se fosses a última bóia do barco que afunda, essas pessoas não se agarram a ti por querer, mas por necessidade. E ficar com alguém por necessidade, utilidade ou conveniência é a forma mais curte para a infelicidade.

Então amiga, força! Faz o que sugeri, toma tuas decisões e retira o que te entulha a vida. Não sei se o que te digo agora é o obvio que me pediste para não falar. Mas mesmo que seja, é o que tenho para te dizer e não poderia deixar de fazê-lo. Só não foge, por favor, pois todos os teus problemas vão continuar no mesmo lugar, te esperando. E se precisares de um canto em que possas chorar ou dormir, saiba que terei um bom sofá cama no apartamento que vem surgindo, meu canto que pode ser teu canto sempre que precisares ou quiseres. Afinal, amiga, temos tantas pessoas na nossa vida, mas pessoas que construíram a vida conosco, essa são poucas e preciosas. E vamos marcar aquela viagem juntos, conhecer tudo o que sempre quisemos conhecer e ser felizes, pois na vida, enquanto vivos, sempre teremos tempo!

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Pequeno Guia Espiritual de Pedro Alice, no Allan Sieber


Depois de falar sobre intolerância, uma pequena piada sobre religiões. (publicado originalmente no blog do
Allan Sieber).

Pequeno Guia Espiritual de Pedro Alice*
Nesta época de dissolução da família e decadência dos valores morais que, eclipsados pelo narcisismo materialista auto-indulgente da civilização ocidental, ameaçam extinguir-se sem deixar rastro. O fruto amargo desta tragédia já pode ser degustado: ódio, violência, drogadição, alcoolismo, pederastia, suicídio, aborto, depressão, obesidade.

Este guia foi concebido no intuito de estimular as novas gerações, principalmente as crianças, a desvendar o rico e estimulante universo da vida espiritual.

Democraticamente são abordadas diversas religiões, onde o leitor terá a oportunidade de escolher a forma de comunhão com o Ser Supremo e a Eternidade com que melhor se identificar.

Inspirado no trabalho do renomado pedagogo, psicólogo infantil e proctologista, rev. Ambrose Hawtorne Bierce.


Catolicismo
- Culto gastronômico onde deveremos beber o sangue de Deus, e comer sua carne. Isto não será feito por sadismo, e sim para melhor absorver a divindade através de nossos intestinos.
Protestantismo - Versão menos canibal do catolicismo que não tentará nos deprimir através do uso de imagens, pois prefere utilizar a música para atingir este objetivo.
Evangélicos Pentecostais - Miríades de seitas que possuem um ponto em comum: nelas você poderá ter tanto Deus quanto puder comprar. No Brasil permite-se o futebol com estátuas.
Budismo - Religião na qual você precisará morrer muitas vezes, algumas delas no zoológico.
Judaísmo - Fé onde os meninos terão seu pênis mutilado. Em compensação, poderão usar um chapeuzinho.
Islamismo - Crença que concede à mulher o privilégio de vestir-se com uma barraca.
Espiritismo - Manifestação religiosa que permite que você se divirta conversando com fantasmas.
Ateísmo - No ateísmo, ao contrário das outras religiões, você desperdiçará o seu tempo com as coisas nas quais não acredita.

*Pedro Alice, teólogo e artista gráfico.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Indigesto

Estou chocado com as cenas que vejo no blog Boteco Sujo, que mostram fato ocorrido no dia 22 de outubro. São centenas de pessoas gritando “puta, puta” para uma mulher que ousou usar uma mini-saia. As centenas de pessoas não estão em um estádio de futebol (onde vale quase tudo, até acertar os outros com sacos de mijo e merda!), nem em um presídio durante uma rebelião (onde realmente vale tudo). Essas pessoas que execram publicamente a mulher são alunos e alunas da Uniban, Universidade Bandeirantes, instituição particular de ensino superior de São Paulo, da qual nunca escutei falar, e onde a mulher, aluna, estuda Turismo.

Segundo informações em diversos sítios que li, a aluna ousou usar a mini-saia e foi ameaçada de estupro. Ao correr e se trancar em uma sala, para se proteger, viu surgir diante de si um furacão de alunos que a ameaçavam e humilhavam, alunos que saiam de suas aulas para ver o circo armado, tendo as aulas, inclusive, sido suspensas.

As cenas na internet são chocantes e mostram pessoas (mulheres inclusive) filmando enquanto gritam “puta, puta”, sem demonstrar qualquer tipo de constrangimento ou vergonha. Isso tudo diante da mulher que sai sob escolta militar, protegida por uma bata de professor, e que ainda tenta guardar um pouco da dignidade que lhe era permitida.

Eu me pergunto: Como assim??? Ameaçar mulher de estupro é crime, não é? Vale isso agora, pelo uso de uma roupa, qualquer que seja ela? Ou melhor, vale tal ameaça qualquer que seja a situação?

Com cursos a partir de R$-199,00, a Uniban não tomou nenhuma atitude a não ser a triste declaração do representante da unidade, lida em O Virgula: "ela deu causa, ela deu motivos"! Vozes diversas se levantaram por toda a rede, em um grito unido de revolta. Nos próprios comentários do vídeo intitulado puta sendo expulsa da uniban:
Bando de marginais, isso é pior que um presídio
Você deve estar muito orgulhoso de ter feito parte desse linchamento, desse show de misoginia e hipocrisia. O título que vc deu ao seu vídeo não deixa dúvida disso. Aproveite para exibi-lo em casa, não prive sua família de ver a sua obra. Certamente ficarão todos orgulhosos do "filhão".

Não tenho muito mais o que dizer! Sou pai de uma filha, e filho de uma mãe. Certamente faltou mãe para muitos destes (ou irmãs, ou primas, ou avós, ou amigas, ou mulheres quaisquer), e espero que mudem antes que tenham suas filhas.

E depois disso tudo, indigesto, faço minhas as palavras de Rosana Hermann:

Acho que vou dormir.
O mundo está assustador hoje.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Palavra do dia n.º 5

Minha mãe sempre diz que prudência e canja não fazem mal a ninguém. Assim, o prêmio de Palavra do Dia vai para...

Prudência

s. f.
1. Virtude que nos faz conseguir o que desejamos, evitando todos os perigos.
2. Cautela; circunspecção!circunspeção; sisudez; tino.


Etimologices n.º 1


Vermelho
- Antes das Américas, ninguém conhecia o urucum e nem o pau-brasil. Assim, a única forma de se fazer a tinta vermelha, na Europa, era usando um pequeno inseto - hoje chamado de cochonilha - que, esmagado, virava uma massa vermelhona. Por isso o nome da cor, vermelho, que vem do latim vermiculum, ou vermezinho
!

terça-feira, 27 de outubro de 2009

O guarda-chuva I

Ananindeua, 28 de junho de 2006.

Foi pensando na chuva que a mãe lhes comprou os presentes. Eram dois guarda-chuvas iguais em feiura, para evitar brigas! Sem atinar, ela chegou em casa fazendo festa, crente de que os filhos ficariam igualmente alegres. Presentes distribuídos, o dia seguiu até que a tarde foi chegando e, com ela, a saída quase que diária, caminhada curta pela Presidente Vargas entre o Edifício Gualo e as Lojas Americanas para a compra das pequenas necessidades da casa.

Para não decepcionar a mãe, os filhos se paramentaram dos guarda-chuvas, não sem antes camuflar o sentimento de vergonha. O mais novo era o mais relutante, no que foi prontamente subjugado pelo mais velho, esse mais ciente dos sentimentos da mãe. E atados pelos braços, iam guiados pela mãe e pela avó que lhes levavam totalmente sem vontade pelos corredores e gôndolas da loja. E iam bem bonitinhos, com os penduricalhos nos braços, tal qual dois rapazes feitos.

Compras feitas, rápida passagem pelo caixa, ganharam a rua e voltavam para casa quando a avó, sempre de guarda alta, bate com os olhos nos braços do neto mais novo e, assustada com o que vê, sussurra... “Lilá! Olha!”.

Guiada pelo olhar inquieto e galhofento da avó, a mãe prontamente vê o que interessava ver e, parando no meio da rua, pergunta: “Meu filho, cadê seu guarda-chuva novinho?

No braço do menino mais novo, no lugar onde deveria estar o presente recém ganhado, pousava um guarda-chuva destes transparentes, recheados de doces e bombons, que sempre eram encontrados nas seções que vendiam bobagens. Diante da pergunta, como se nada estivesse acontecendo, o menino se vira para a mãe e responde: “Olhe mamãe! Eu não gostei muito daquele guarda-chuva que a senhora me deu, então troquei por essa lá na loja, que acho bem melhor”.

Como ainda estavam perto das Lojas Americanas e a paranóia decorrente do furto fez a mãe ver seguranças correndo atrás do pequeno bandido, muito mais não foi dito e trataram de empreender rápida fuga em direção ao apartamento, refúgio seguro, nada mais restando a não ser regrar a comilança dos bombons escambiados.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Palavra do dia n.º 4

Diante de inúmeras reclamações e protestos, a palavra ganhadora de hoje é dedicada aos meus!

Inerente adj. 2 gén.
inerente (latim inhaerens, -entis, particípio presente de inhaereo, -ere, estar ligado a)
adj. 2 gén.
1. Intimamente unido.
2. Que é atributo ou propriedade de algo ou alguém.
3. Que faz parte de (pessoa ou coisa). = inseparável.

Palavra do dia n.º 3

Sem maiores comentários, a palavra ganhadora do dia é...

Solipsismo
s. m (solipso + -ismo)
s. m.

Vida ou hábitos de solipso ou de indivíduos solitários.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Pacaja - Altamira

Altamira, 21/10/2009, quarta-feira.

Mais seis horas de estrada e volto a Altamira. Desta vez conseguimos um ônibus grande, terrivelmente velho e sujo, mas com ar-condicionado, espaço e janelas lacradas. Chegando, depois de rápida ida ao hotel para largar as malas, ganho as ruas da cidade para, gentilmente, conhecê-la. Uma primeira parada na agência e descubro a história contada e jurada por todos: nascida sob a proteção de antiqüíssimo quartel do exército, que fica no cume de um morro próximo, Altamira deveria seu nome à mira alta que os soldados dispunham – alta mira! Se é verdade, não sei. Mas é tão jurada por todos que já passou a ser.

Pelo pouco tempo que tenho, opto por ir direto à orla da cidade, de onde tenho uma vista privilegiada da floresta e do Xingu, de águas bem diferentes do que aquelas que conheço. As águas do meu mundo são barrentas e revoltas, como as de Mosqueiro, e em Altamira vejo um rio de águas claras e calmas, rio que percorre diversos caminhos e acaba sempre se pondo novamente na minha frente. A balsa de Belo Monte, por exemplo, flutua no Xingu, e os rios que a Estrada cruza, são sempre seus braços.

Como o rio, a cidade é calma. E se do rio a cidade surge, pelo rio ela se resume. E se da orla não consigo ver o por-do-sol, por conta de questão puramente geográfica, não tem problema! Seria concorrência mais do que desleal se à beleza do Xingu, emoldurado pela mata, vista que me deixa calado e vidrado por minutos, ainda se juntasse o sol a se por.

E com esse texto ponho fim ao que escrevi durante minha ida a Pacaja. Se não tenho máquina para registrar com imagens o que vi, tive mãos para escrever o que vivi, e as imagens permanecerão. E no fim, de volta a Belém, com tudo bem corrido e bem passado.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Pacaja - As Antas

Altamira, 21/10/2009, quarta-feira.

Ainda em Pacaja, noite escura, opto pelo moto-taxi para voltar ao hotel. De olhos fechados por conta da poeira, sinto a marcha da moto reduzir até quase parar. O motorista, como se reencontrasse um velho amigo, fala "olha só quem anda por ai!" Curioso, abro os olhos e me deparo com um porco enorme que calmamente vai caminhando pelo acostamento empoeirado da Estrada, mal iluminado pelo farol da motoca.

"Não é porco não, doutor! É uma das antas de seu Souza", me explica o homem, como se a coisa mais normal do mundo fosse uma anta enorme andar pelas ruas da cidade! Para mim, que só vejo antas desanimadas e tristes, na enorme jaula do Goeldi, o encontro se revelava surpreendente.

Já no dia seguinte, ainda curioso e espantado com o bicho, tento me inteirar com os moradores, sou brindado com o causo que segue: as antas eram criadas, desde sempre, por seu Souza, figura tão conhecida quanto suas crias. As bichas eram tratadas como filhas e, de tão pacíficas e bem educadas, eram queridas e amadas por todos em Pacaja. Vez ou outra uma delas escapulia, e era quando se dava a festa nas ruas até que seu Souza conseguisse capturar a fujona. As crianças corriam atras, seguindo a anta onde quer que ela fosse; os adultos, mais contidos pela suas adultices, se contentavam em ir às janelas lembrar de seu tempo de perseguição e festejo ao animal.

Houve uma única vez em que não foi assim: um dia, uma das crias de seu Souza, na mais completa bobeira, se deixou cair no fundo de um poço. Instalada a crise, meia cidade se mobilizou para resgatar a bicha. Policiais Militares foram chamados para conter a turma preocupada; bombeiros da cidade vizinha vieram correndo para dar o apoio logístico às operações de resgate; uma retro escavadeira surgiu para ajudar a içar o animal ou, mesmo, cavar um buraco que possibilitasse retirar a anta com vida.

Depois de planejamentos mil, optou-se pelo que parecia ser o mais simples. E foi assim que um corajoso bombeiro mergulhou no poço para, depois de muita luta, laçar a anta pela barriga. Vitorioso, o salvador emergiu do buraco e, ovacionado, deu a ordem de içamento. A felicidade era geral enquanto o bicho era puxado poço acima, cada metro percorrido sendo sustentado por gritos de "viva" e "ufa". Quanto mais a anta se aproximava da borda, maior era a aglomeração de curiosos que queriam ver o exato momento do ressurgimento, multidão agora mal contida pelos militares!

O que não se esperava é que a anta, coitada dela, estivesse irritada com tudo aquilo, a queda e o circo que se armou para o salvamento, tudo expondo seu mais completo fracasso. Posta no chão ao fim do salvamento, no auge da festa, sem querer saber de afago ou exame médico, tratou logo de descontar sua raiva partindo para cima de todos que estavam ao redor. Era gente correndo por tudo que é canto, buscando uma alturinha qualquer que os colocasse à salvo da sanha vingativa do bicho magoado. Era gente em cerca, árvore é muro, só ficando no chão os bombeiros e militares que, por dever, tentavam controlar a anta. Seu Souza também não desistiu da cria amada, não sem antes subir em um toco seco para se proteger e de onde gritava palavras de amor e carinho, tentando fazer o bicho se lembrar de tempos melhores.

Não demorou muito para que a anta ficasse mais calma, pelo menos sem vontade de pisotear alguém. Depois de algum tempo se escolheu num canto afastado e ficou lá, sozinha, com o orgulho ferido, humilhada e envergonhada com a situação toda, sem querer saber de festa pelo salvamento e recebendo votos de pronto restabelecimento de bem longe.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Pacaja - Rachel

Pacaja, 20/10/2009, Terça-feira.

A pergunta que ainda não respondi, e que muitos me fazem, é o que vim fazer aqui. Pois bem: meu objetivo é acompanhar Rachel a uma audiência que deve acontecer hoje.
Rachel é funcionária do Banco desde 2007, pessoa de constante bom humor, coração bom, casada há dez anos e mão de um filho de quase três. Somente sua dedicação ao trabalho, e a vontade de prosperar com sua família, justifica que durante todo esse tempo persista na
via crucis semanal entre Anapu (onde trabalha) e Altamira (onde moram marido e filho). E percorrer a Estrada durante todo esse tempo, ora enfrentando atoleiros, ora poeirais, fez com que eu fosse brindado com histórias mirabolantes, que agora repasso:

1. Jabiraca - A Jabiraca era uma Toyota velha que fazia o trajeto Anapu-Altamira, saindo sempre depois de todos os carros e ônibus com o objetivo de se tornar a única e última opção aos viajantes necessitados. Segundo me contou Rachel, as portas eram amarradas e o carro não tinha o vidro da frente. Por conta disso, e da poeira, o motorista usava um daqueles óculos de aviador da 1ª Guerra Mundial, que costumava limpar, vez ou outra, com uma flanela velha; e alguns passageiros, os mais precavidos, usavam panos ou blusas, tal qual máscaras ninjas, o que fazia com que todos parecessem um grupo de doidos. Segundo Rachel, o pior era segurar o riso, pois uma simples risada poderia significar grave engasgo, tal era a quantidade de pó que entrava no carro.

2. A Pedra – Desta vez era um carro mais novo, também do tipo caminhonete. Mas ele tinha algum problema que comprometia sua estabilidade, de forma que a solução “lógica” encontrada pelo proprietário/motorista foi colocar uma enorme pedra na caçamba do veículo, pedra que acabou tomando quase todo o espaço do carro. O problema é que o veículo quadriplicou de peso e, sendo aquela época de chuvas, só enfrentaria atoleiros. E logo no primeiro desafio enfrentado o carro afundou como se fosse um búfalo! Atolado, todos tiveram que sair com suas malas e pisar na lama, enquanto bons samaritanos apareciam para empurrar o carro. Mas não importava o esforço que se fizesse, o bicho não saia da lama! O motorista, apavorado que descobrissem sua pedra escondida, em uma ilhota no meio do lamaçal gritava palavras de incentivo e coragem. E não demorou muito para que alguém notasse a carga clandestina, o que resultou em uma implacável caça ao motorista cara-de-pau pelo meio do atoleiro. E depois de muito corre-corre, os ânimos dos agora imundos linchadores foram apaziguados e a pedra retirada. O carro pode ser desatolado e a viagem prosseguiu, desta vez a não mais que 30 quilômetro por hora para que o instável veículo não saísse voando nas inúmeras curvas da Estada.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Pacaja - Do pó vieste, ao pó voltarás.

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Em algum lugar da Transamazônica, 19/10/2009, Segunda-feira.
Acordo cedo para pegar o ônibus para Pacaja, mas falar em ônibus é bondade: na verdade é um micro ônibus, sem ar, desses com micro assentos. O problema é que os passageiros não são micros, e as bagagens são macro.
Os primeiros 20 quilômetros dos quase 230 que iremos percorrer são asfaltados e me permitem sonhar com uma viagem calma e tranqüila - mas logo o asfalto dá lugar a uma estrada empoeirada e perigosa, sem placas ou qualquer forma de sinalização: estou na Transamazônica. A paisagem lembra muito aqueles filmes de bang-bang, tudo desolado, miserável e empoeirado.
O pó que sai da estrada parece definir tudo ao redor, a cor da poeira dominando o mato, as casas, os bichos e as pessoas. Tudo tem a cor da estrada.
Logo adiante, o primeiro carro que cruza conosco causa um estremecimento nos passageiros, pois a nuvem de pó que o segue prenuncia que nós acabaremos a viagem nos confundindo, também, com a paisagem. E o frenesi para fechar as janelas se revela inútil quando, pelas frestas ocultas do ônibus velho, lufadas de poeira nos cegam e calam.
Pronto: eu sou a estrada!
A viagem prossegue, e encaramos uma balsa em Belo Monte (quem deu esse nome é um sacana!), além de paradas em Nazaré, Pau Furado e Anapu, sem contar pequenas agrovilas, fazendas e casinhas.
Chegando próximo de Pacaja, com quase seis horas de viagem, o ônibus pára na porta do hotel localizado na beira da Transamazônica. A paisagem é lunar. Entre o ônibus e a recepção meus passos levantam nuvens do mesmo pó fino que nos acompanhou durante toda a viagem - e que ainda nos acompanhará na pele, nas roupas e no cabelo, pelo tempo em que aqui estivermos.
O hotel é bonito, novo e de bom gosto, verdadeiro oásis no meio do deserto. Dizem que é o melhor daqui, no que acredito, visto que não vi outros hoteis, e tem até piscina. Apesar de tudo é impossível não notar que, apesar de hercúleo esforço de limpeza, mantem-se onipresente uma fina camada da poeira que teima em se mostrar, aviso irrefutável dado pela estrada de que ainda está ali.
E assim chega ao fim a segunda etapa da viagem, após quase seis horas em uma estrada crua, mais litro e meio de água para engolir todo o pó em minha garganta. Depois do banho, que me revela um tom de pele menos avermelhado, o corpo pede arrego e me preparo para uma soneca, não sem antes rabiscar minhas impressões no  caderno, para que não se esvaiam na poeira.

Pacaja – Embarque remoto

Algum lugar entre Belém e Altamira, 18/10/2009, Domingo.


16h20minEstou indo para Pacaja, na primeira parte da minha jornada, dentro de um avião Turbo hélice da Trip que deve me levar até Altamira (assim espero)! Assumo estar nervoso, mais do que fico normalmente, pois imagino um avião mínimo. Mas me surpreendo com uma aeronave grande, com capacidade para uns 64 passageiros, muito igual aos aviões com os quais estou acostumado. Fico mais tranqüilo ainda ao perceber que embarcou comigo um grupo de freiras, umas 16 senhoras com cabelos brancos e cara de avó. Devem ser todas muito abençoadas e estão vindo de um congresso religioso em Curitiba, pelo que acho que voaremos sem sobressaltos. Afinal, Deus não faria nada de ruim com elas.


16h45minPouco antes da decolagem surge uma goteira bem em cima do passageiro na minha frente. “Água do ar condicionado”, explica o comissário de bordo. “Vou trazer um pano”. “Não! Traz um balde”, grita um gaiato, para diversão geral. E com a decolagem a goteira piora e acaba me molhando também. Muito!


17h25minVoltei a pensar nas freiras e na falsa segurança que elas me passavam: não acho que seja tão garantido não cair, somente pela presença delas. Imaginei a manchete: “Milagre no Pará: avião cai e somente um grupo de freiras sobrevive – corpo de jovem advogado é achado estraçalhado”.


17h35minO toque macabro do vôo foi perceber que o comissário de bordo é a cara do Jig Saw, aquele bonequinho do Jogos Mortais. Assustador!


17h45minChego bem! Tirando as goteiras, o aperto, a comida e o barulho, o vôo foi bem tranqüilo (eu já sabia que seria assim, por conta das freiras). Agora que desci, o avião pode continuar na sua rota Belém-Altamira-Tucurui-Santarem-Paritins-Manaus (deve chegar em Manaus daqui uns dois dias mais).

sábado, 17 de outubro de 2009

Amiga!

[c=4]Regina[/c=4] says: (20:13:17)
abnegação?
Tanto says: (20:13:32)
sim
[c=4]Regina[/c=4] says: (20:14:03)
Pacaja?
Tanto says: (20:14:06)
pois
[c=4]Regina[/c=4] says: (20:14:06)
puta que pariu
Tanto says: (20:14:13)
tb vou passar por lá
[c=4]Regina[/c=4] says: (20:14:19)
bom..
[c=4]Regina[/c=4] says: (20:14:26)
o que posso lhe fale é...
[c=4]Regina[/c=4] says: (20:14:40)
aproveite para aprender um pouco
[c=4]Regina[/c=4] says: (20:14:50)
pois sempre aprendemos algo..
[c=4]Regina[/c=4] says: (20:14:57)
mesmo que seja no fim do mundo
[c=4]Regina[/c=4] says: (20:15:00)
:D

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Palavra do dia n.º 2

E o prêmio da palavra do dia, hoje, vai para...
  • abnegação s. f.
    derivação fem. sing. de abnegar
    abnegação
    s. f.
    Renúncia espontânea do interesse, da vontade, da conveniência própria.
Só podia ser esta a ganhadora de hoje, senão vejamos: teu empregador decide te mandar para uma cidade chamada Pacaja, que fica depois de Anapu, que fica depois de Altamira, que fica no interior do Pará. Cinco dias maravilhosos que começam no domingo de noite! Tenho opção? Até teria, mas deixa! Ou seja: Renúncia espontânea do interesse, da vontade, da conveniência própria.

Filho do Cantor Wando se apresenta à Justiça no RJ

Notícia do Terra - O filho do cantor Wando, Vanderley Alves dos Reis Júnior, 32 anos, se apresentou nesta quarta-feira à Justiça do Rio de Janeiro e foi encaminhado para o Presídio Plácido de Sá Carvalho. Vanderley foi condenado em 2006 a 2 anos e 4 meses de prisão em regime aberto acusado de dupla tentativa de homicídio contra dois seguranças de um posto de gasolina. O caso ocorreu em 1999, quanto Vanderley tinha 22 anos. Vanderley, também conhecido como "Wandinho Pit Bull", cumpria pena em regime aberto, mas estava sem se apresentar à Justiça a um mês!
Ou seja...
É isso que acontece: o pai fica cheirando calcinha e não educa o filho!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Palavra do dia n.º 1

E a palavra ganhadora de hoje, às 17 horas e 45 minutos, final de um cansativo dia da trabalho é...
lipofrenia (grego leípo, deixar, faltar + grego frén, -ós, espírito + -ia)
s. f.
Med
. Reduzida atividade cerebral.

Pés

A conversa na fila do Itaú descamba para mulheres. A opinião do meu estagiário é sábia, tanto que a faço minha: Mulheres, gosto das vivas! O papo continua e, quando chegamos aos fetiches, mais especificamente a preferência por pés femininos, no que achava existir unanimidade descobri existirem discordâncias: quem fode com pé é frieira – diz o estagiário, para a completa surpresa de um assumido podólatra.

Muitas coisas me atraem em uma mulher e fazem com que goste dela. Mas quem arremata a excitação são os pés! Usado como arma de sedução, permitida a livre utilização de acordo com o desejo, é a forma mais fácil de arrebatar um homem (falo por mim, pelo menos!).

Para complementar o post (e me divertir), resolvi googlar. Seguem algumas sugestões:

Para os mais pervertidos sugiro o Chulezinho (www.chulezinho.net/), que é um misto de Locomotiva com Carnaval de Vigia!

Mais respeitoso, mas com certa dose de erotismo, sugiro o Louco por Pés (http://www.loucoporpes.blogger.com.br/), já com uma dezena de anos on line, firme e forte na árdua batalha de manter flamante o fetiche.

Já o Beijo nos Pés (http://www.beijonospes.hpg.com.br/) funciona como um sítio de relacionamento para podólatras e podolatrados (no masculino sim, pois a podolatria não é algo exclusivo dos heterossexuais). Se seu par não gosta, aqui certamente tem alguém que gosta! E não perca, na sessão de fotos, a perceptível diferença entre as fotos Russas/Alemãs Vs. Francesas/ Italianas.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Vida Bandida

Comentário no http://maliciadetodamulher.blogspot.com/

Foi Blaise Pascal quem disse que o maior desafio do homem moderno é ficar só! Ficar sozinho e em paz enquanto todos estão na rua se divertindo é algo que poucos conseguem (ou tentam!). O problema é que o mundo é um local cheio de "distrações": saídas, bebidas, drogas, pessoas (descartáveis ou não), dentre muitas outras que poderia passar horas citando. Não se percebe que quando voltamos a ficar a sós, sem as tais distrações, os problemas e desafios ainda vão estar no mesmo lugar, talvez piores por conta dos adiamentos. Por isso a ressaca moral que nos ataca quando voltamos para casa, depois de uma noitada, é tão ruim! Como forma de se evitar os problemas (ou a vida), parece melhor cair num ciclo de contínuas distrações, que na verdade nada mais é do que um constante ciclo de “escondimento” do que nos aflige. Uma pessoa me pede: “Por favor, me tira desta vida bandida” – sem perceber que a vida bandida é o esconderijo no qual ela se mete para não resolver problemas. A sugestão é: “Pare de sair tanto. Fica mais em casa. Conhece-te mais e entende mais o que te aflige. Sabendo do que se trata, cuida”. E se os problemas forem enfrentados e vencidos, certamente a vida deixará de ser bandida.
p.s.: a vida não é bandida por livre opção. Ela é bandida porque nos a levamos conosco rumo a uma vida de “crimes”. Nos fazemos a vida ser bandida!

Fazer filhos dormir I

A memória que tenho da mamãe nos fazendo dormir é muito viva. Mais frequentemente ela se revela como lembrança do velho apartamento no Ed. Gualo, último andar, de frente para a Praça da República.

Era sempre a mesma coisa, toda noite: na rede do nosso quarto, mamãe no meio com um filho de cada lado, pequenos ainda, as pernas e braços passando por cima do corpo dela como se para ficar mais perto.

Na cadência do rangido da rede ela encaixava o ritmo da musica e tudo acabava virando um som só. Engraçado que o ranger da rede pode ser um barulho insuportável para alguns, sempre com vidrinhos de Óleo de Máquinas Singer nas mãos. Já para mim, rede sem rangido, daqueles baixinhos, quase um gemido, acaba sendo um pouco menos bacana.

Mas voltando aos embalos, cada filho com seu latifúndio, as musicas iam se repetindo num repertório que até hoje é todo ela. Tínhamos nossas canções preferidas, aquelas que calávamos para ouvir com mais atenção; tínhamos também aquelas que preferíamos cantar junto, bem alto. Tinha uma que nos metia medo - e ela cantava somente para ver nossa cara de espanto e rir depois. E tinha umas que não entendíamos, pois eram cantadas em outras línguas - e eu achava mamãe muito inteligente por saber tanta coisa difícil.

Geralmente meu irmão dormia rápido. Eu não! Lutava contra o sono com todas as minhas forças - o que acabava colocando mamãe em uma situação ruim. Quanto mais eu demorava para dormir, mais as musicas ficavam desconhecidas, até que, depois de algum tempo, acabavam virando somente os gemidos de algo que devia ser uma música, mas ela não lembrava a letra.

Fazer filhos dormir II

Tenho trinta e um anos e já se passaram pelo menos dezoito desde a última vez em que minha mãe me fez dormir.

E no escuro nos embalamos na rede, eu no meio, Carlos e Maria, cada qual num lado. Os dois fazem travesseiros dos meus braços e se olham apaixonados. Ele, pequeno, pega no cabelo da irmã. Ela, já quase grande, me olha com o rabo do olho, cheia de orgulho.

A rede geme e eu gosto. Acho que eles gostam também pois não reclamam. Mas meu pai não gosta e entra no quarto sem falar nada, com um vidro de Óleo de Máquinas Singer nas mãos, e cala a rede. E não consigo mais juntar o compasso do que canto com a cadência da embalada.

Hoje os dois resolveram lutar contra o sono. Ele fala todo o seu pequeno vocabulário de umas vinte e tantas palavras antes de dormir; ela me corrige quando troco os versos das músicas, até que se irrita e resolve cantar no meu lugar.

Por fim, dormem. Eu já estava nas músicas tiradas do fundo da memória, quase chegando aos gemidos de músicas que não lembro a letra. E no balanço já sem força da rede, com meus filhos deitados no meu peito, as pernas por cima de mim como se para me agarrar mais, lembro da minha infância e sinto vontade de chorar. A felicidade de ter tido quem me embalasse em uma rede; de ter tido quem me fizesse dormir ensinando músicas bonitas; de ter tido quem me permitisse olhar apaixonado meu irmão mais novo.

Por tudo isso sinto vontade de chorar, mas não choro! Afinal, foi um trabalhão fazer dormir esses dois e não quero que eles acordem!

(Belém, 03/10/2009)