sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Breve ensaio sobre a urina

Um adulto normal pode produzir entre 1000 e 2000 ml de urina por dia, sendo que o volume mínimo necessário para remover do organismo todos os produtos residuais é de cerca de 0,5 L em um homem de 70 kg – tudo que vier acima disso é excesso de água.
Vocês já pararam para refletir sobre urina?
Sinceramente nunca parei para qualquer reflexão neste sentido. Limito-me ao normal de a gente “sentir” a urina quando fica apertado, aquele breve desespero que nos aflige e nos impulsiona a procurar um banheiro, um canto qualquer que nos permita o alívio. Quem aqui já não soltou, ao menos uma vez na vida, suspiro aliviado ao se deparar com a placa característica dos seres humanos, o masculino e feminino, feitos de palitos.
Mijar é ato quase involuntário, nada a passar pela mente, nem decisão a ser tomada, somente o ato que impulsiona ao fazer o que é necessário!
Vejam minha rotina: tento manter sempre um grande copo de água em minha mesa de trabalho. Em gesto também automático, esvazio e encho vários copos e, nesta brincadeira, bebo pelo menos uns três ou quatro por dia. Sinto que meu organismo agradece por isso e me sinto bem com minhas regularidades e bons funcionamentos. A consequência é que vou bastante ao banheiro, nada que me incomode - e juro a vocês, agora refletindo bem, que faço este trajeto de forma totalmente involuntária, sem nem perceber que o faço.
É simples – no meio de um prazo judicial, por mais curto que seja, sinto a fisgada que me pega firme e não me dá opção. Geralmente resisto à este primeiro aviso, mantenho a calma, até que ir ao banheiro se torna uma ordem, nenhuma escolha possível, pura necessidade. Depois de cinco anos trabalhando no mesmo local, os pés já se guiam sozinhos pelos caminhos de sempre, dentre eles o banheiro masculino. Guiados mais pela bexiga do que pelos sentidos, chego e faço tudo de forma automática e imediata.
Não penso!
Mijar é instinto, pura programação biológica; é o sentir, mesmo inconsciente,  que te faz acordar no meio da noite para ir procurar o vaso, por mais pesado que seja o sono. E jogue a primeira pedra quem nunca levantou no meio do escuro do quarto, o caminho que surge na mente de forma natural e te leva até onde precisa ir... Fazer xixi quase dormindo, ainda envolvido pelo sono ou pelos sonhos e voltar para a cama...

Ontem foi assim: a primeira fisgada, logo depois seguida da fisgada forte, a urina que segurava para tentar adiantar alguma obrigação. Mas então chega o ponto em que não há mais opção, somente necessidade – e assim fui ao banheiro já segurando pequenas e discretas contorções de dor que insistiam em se manifestar. O banheiro estava ocupado. E como só restava esperar, voltei à minha mesa já sentindo a fisgada se tornando cada vez mais uma dor sentida no fundo na alma.
O ar condicionado em final de tarde chuvosa de Belém pode beirar um frio devastador com a bexiga cheia – o líquido que esfria mais rápido do que o corpo e regela as entranhas - e o banheiro ainda estava ocupado. Então comecei a sentir frio, além da dor que já me pegava forte no abdômen, mais a impaciência da espera...
Nova tentativa, banheiro ainda ocupado e a dor me fazendo contorcer a já quase não poder esconder. Doía. Pensei em buscar o banheiro de outro setor, descer as escadas ou esperar o elevador... Tanta aporrinhação, pensei, ainda mais no limite do auto controle... Impaciência! E nem adiantava voltar à mesa, pois o que sentia me impedia de qualquer concentração, a total impossibilidade de fazer algo resumida em pequenos espasmos dolorosos, último aviso da urina que, agora, já era ordem dura, coisa urgente.
Na terceira tentativa, já no limite das forças, dei com a porta aberta e mijei – ato meio estabanado e corrido, nada parecido com a usual calma para não fazer besteira e nem sujeiras – e nos, homens, somos craques em fazer besteiras e sujeiras com nossas coisas mal ajambradas e sem mira certa...
Fiz o que precisava fazer e senti o arrepio de alívio me invadir o corpo, uma onda que veio subindo pelos braços e pelas costas, os pelos que se arrepiavam tal qual onda de torcida em estádio de futebol, a liberação de todo o corpo que estava teso, rijo!

Uma vez li que urinar pode ser melhor do que sexo em certos casos – e somente quem esteve apertado pode ter essa certeza. E quem nunca esteve apertado ao ponto de entregar tudo nas mãos do destino, ao ponto de pensar um sonoro “paciência!” de entrega às consequências de fazer nas calças, a nítida impressão de que a barriga poderia explodir, tudo comprimido de forma injusta pela bexiga cheia?

Ontem, quando pude me aliviar... Ontem, quando pude agir de forma automática e me livrar da dor, das fisgadas e das convulsões que me balançavam o corpo dolorido... Ontem, depois de tudo isto, tentei imaginar o que deve estar sentindo o Lucas...
Se eu, um adulto de quase 35 anos, no auge de minhas capacidades e funções, com todos os meus sentidos a me proteger do que for, quase sucumbo diante da urgência e da premência em me aliviar...
O Lucas ainda está na barriga, no sexto mês de sua gestação, e foi quase aí que seus pais, Thaynara e Estevão, descobriram que seus rins não estão funcionando.
O Lucas está incapacitado de urinar dentro da barriga!
Não é um mero aperto bobo igual ao meu, uma espera de meros 30 minutos. É um aperto extremo que já dura semanas - e quem sabe desde quando vem durando? – e quem sabe o quanto esse menino, um forte menino, sem dúvida alguma, vem agüentado?
Juro que senti vergonha... O homenzarrão aqui sentindo dores e reclamando da vida enquanto ele, pequenino, completamente indefeso no ventre, agüenta tudo firmemente! Para quem ainda não sabe, a urina do Lucas vem sendo retirada por meio de punção, uma sonda que perfura a barriga da mãe, que segue perfurando a barriga do moleque e que, por fim, perfura a minúscula bexiga e faz o que é necessário!
A coisa é tão grave que os rins já estão feridos, assim como está ferida a bexiga, tudo isso pelo mal funcionamento do sistema urinário que, por alguma razão, nunca saberemos, se recusa a fazer o que deve - mas ele está lá, firme e forte...
Acham que ele se entrega? Claro que não...
O caso é que o Lucas ainda não sabe que, nesta vida, existe a possibilidade de se entregar, a possibilidade de dizer desisto. Para ele, dentro da barriga da mãe, só existe uma possibilidade: SOBREVIVER! Lutar e sobreviver. Tentar nascer.
O Lucas é forte, segue aguentando tudo e, mesmo na maior das adversidades possíveis, sobrevive, luta e cresce!
E do que reclamamos mesmo?
O Lucas vai nascer, eu tenho certeza!
Um moleque forte que nem ele, um menino que mesmo sendo o mais indefeso dos seres vai aguentando firmemente tudo isso? Vai nascer sim!

Por favor, eu peço: você que chegou até aqui, que teve paciência de me aturar até aqui... AJUDE! Ajude como puder, nem que seja rezando, torcendo, telefonando e mostrando que somos todos irmãos e devemos nos ajudar sempre.
Isso é solidariedade, mas, antes de tudo, também é ser humano!
E fazemos a nossa parte aqui fora, dando ao menos uma chance ao Lucas de nascer e lutar aqui neste mundo.
Como eu sempre digo: ninguém pode dar certeza de que ele vai sair dessa, de que ele vai sobreviver - mas por tudo que ele já é e nos mostra, merece ao menos tentar.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Por que o sapo não lava o pé?

De autor desconhecido e, muito provavelmente, desocupado.

Olavo de Carvalho: O sapo não lava o pé. Não lava porque não quer. Ele mora lá na lagoa, não lava o pé porque não quer e ainda culpa o sistema, quando a culpa é da PREGUIÇA. Este tipo de atitude é que infesta o Brasil e o Mundo, um tipo de atitude oriundo de uma complexa conspiração moscovita contra a livre-iniciativa e os valores humanos da educação e da higiene! 
Karl Marx: A lavagem do pé, enquanto atividade vital do anfíbio, encontra-se profundamente alterada no panorama capitalista. O sapo, obviamente um proletário, tendo que vender sua força de trabalho para um sistema de produção baseado na detenção da propriedade privada pelas classes dominantes, gasta em atividade produtiva alienada o tempo que deveria ter para si próprio. Em conseqüência, a miséria domina os campos, e o sapo não tem acesso à própria lagoa, que em tempos imemoriais fazia parte do sistema comum de produção. 
Um proto-sapo
Friedrich Engels: isso mesmo. 
Michael Foucault: Em primeiro lugar, creio que deveríamos começar a análise do poder a partir de suas extremidades menos visíveis, a partir dos discursos médicos de saúde, por exemplo. Por que deveria o sapo lavar o pé? Se analisarmos os hábitos higiênicos e sanitários da Europa no século XII, veremos que os sapos possuíam uma menor preocupação em relação à higiene do pé – bem como de outras áreas do corpo. Somente com a preocupação burguesa em relação às disciplinas – domesticação do corpo do indivíduo, sem a qual o sistema capitalista jamais seria possível – é que surge a preocupação com a lavagem do pé. Portanto, temos o discurso da lavagem do pé como sinal sintomático da sociedade disciplinar. 
Max Weber: A conduta do sapo só poderá ser compreendida em termos de ação social racional orientada por valores. A crescente racionalização e o desencantamento do mundo provocaram, no pensamento ocidental, uma preocupação excessiva na orientação racional com relação a fins. Eis que, portanto, parece absurdo à maior parte das pessoas o sapo não lavar o pé. Entretanto, é fundamental que seja compreendido que, se o sapo não lava o pé, é porque tal atitude encontra-se perfeitamente coerente com seu sistema valorativo – a vida na lagoa. 
Friedrich Nietzsche: Um espírito astucioso e camuflado, um gosto anfíbio pela dissimulação - herança de povos mediterrâneos, certamente - uma incisividade de espírito ainda não encontrada nas mais ermas redondezas de quaisquer lagoas do mundo dito civilizado. Um animal que, livrando-se de qualquer metafísica, e que, aprimorando seu instinto de realidade, com a dolcezza audaciosa já perdida pelo europeu moderno, nega o ato supremo, o ato cuja negação configura a mais nítida – e difícil – fronteira entre o Sapo e aquele que está por vir, o Além- do-Sapo: a lavagem do pé. 
John Locke: Em primeiro lugar, faz-se mister refutar a tese de Filmer sobre a lavagem bíblica dos pés. Se fosse assim, eu próprio seria obrigado a lavar meus pés na lagoa, o que, sustento, não é o caso. Cada súdito contrata com o Soberano para proteger sua propriedade, e entendo contido nesse ideal o conceito de liberdade. Se o sapo não quer lavar o pé, o Soberano não pode obrigá-lo, tampouco recriminá-lo pelo chulé. E ainda afirmo: caso o Soberano queira, incorrendo em erro, obrigá-lo, o sapo possuirá legítimo direito de resistência contra esta reconhecida injustiça e opressão. 
Immanuel Kant: O sapo age moralmente, pois, ao deixar de lavar seu pé, nada faz além de agir segundo sua lei moral universal apriorística, que prescreve atitudes consoantes com o que o sujeito cognoscente possa querer que se torne uma ação universal. 
Lavar o pé representa o fim da história.
Nota de Freud: Kant jamais lavou seus pés. 
Sigmund Freud: Um superego exacerbado pode ser a causa da falta de higiene do sapo. Quando analisava o caso de Dora, há vinte anos, pude perceber alguns dos traços deste problema. De fato, em meus numerosos estudos posteriores, pude constatar que a aversão pela limpeza, do mesmo modo que a obsessão por ela, podem constituir-se num desejo de autopunição. A causa disso encontra-se, sem dúvida, na construção do superego a partir das figuras perdidas dos pais, que antes representavam a fonte de todo conteúdo moral do girino. 
Carl Jung: O mito do sapo do deserto, presente no imaginário semita, vem a calhar para a compreensão do fenômeno. O inconsciente coletivo do sapo, em outras épocas desenvolvido, guardou em sua composição mais íntima a idéia da seca, da privação, da necessidade. Por isso, mesmo quando colocado frente a uma lagoa, em época de abundância, o sapo não lava o pé.
Soren Kierkegaard: O sapo lavando o pé ou não, o que importa é a existência.
George Hegel: podemos observar na lavagem do pé a manifestação da Dialética. Observando a História, constatamos uma evolução gradativa da ignorância absoluta do sapo – em relação à higiene – para uma preocupação maior em relação a esta. Ao longo da evolução do Espírito da História, vemos os sapos se aproximando cada vez mais das lagoas, cada vez mais comprando esponjas e sabões. O que falta agora é, tão somente, lavar o pé, coisa que, quando concluída, representará o fim da História e o ápice do progresso.
Auguste Comte: O sapo deve lavar o pé, posto que a higiene é imprescindível. A lavagem do pé deve ser submetida a procedimentos científicos universal e atemporalmente válidos. Só assim poder-se-á obter um conhecimento verdadeiro a respeito.
Arthur Schopenhauer: O sapo cujo pé vejo lavar é nada mais que uma representação, um fenômeno, oriundo da ilusão fundamental que é o meu princípio de razão, parte componente do principio individuationis, a que a sabedoria vedanta chamou "véu de Maya". A Vontade, que o velho e grande filósofo de Königsberg chamou de Coisa-em si, e que Platão localizava no mundo das idéias, essa força cega que está por trás de qualquer fenômeno, jamais poderá ser capturada por nós, seres individuados, através do princípio da razão, conforme já demonstrado por mim em uma série de trabalhos, entre os quais o que considero o maior livro de filosofia já escrito no passado, no presente e no futuro: "O mundo como vontade e representação".
Aristóteles. O [sapo] lava de acordo com sua natureza! Se imitasse, estaria fazendo arte . Como [a arte] é digna somente do homem, é forçoso reconhecer que o sapo lava segundo sua natureza de sapo, passando da potência ao ato. O sapo que não lava o pé é o ser que não consegue realizar [essa] transição da potência ao ato.
Platão:
Górgias: Por Zeus, Sócrates, os sapos não lavam os seus pés porque não gostam da água! Sócrates: Pensemos um pouco, ó Górgias. Tu assumiste, quando há pouco dialogava com Filebo, que o sapo é um ser vivo, correto? Górgias: Sou forçado a admitir que sim. Sócrates: Pois bem, e se o sapo é um ser vivo, deve forçosamente fazer parte de uma categoria determinada de seres vivos, posto que estes dividem-se em categorias segundo seu modo de vida e sua forma corporal; os cavalos são diferentes das hidras e estas dos falcões, e assim por diante, correto? Górgias: Sim, tu estás novamente correto. Sócrates: A característica dos sapos é a de ser habitante da água e da terra, pois é isso que os antigos queriam dizer quando afirmaram que este animal era anfíbio, como, aliás, Homero e Hesíodo já nos atestam. Tu pensas que seria possível um sapo viver somente no deserto, tendo ele necessidade de duas vidas por natureza,ó Górgias? Górgias: Jamais ouvi qualquer notícia a respeito. Sócrates: Pois isto se dá porque os sapos vivem nas lagoas, nos lagos e nas poças, vistos que são animais, pertencem e uma categoria, e esta categoria é dada segundo a característica dos sapos serem anfíbios. Górgias: É verdade. Sócrates: precisando da lagoa, ó Górgias meu caro, tu achas que seria o sapo insano o suficiente para não gostar de água? Górgias: não, não, não, mil vezes não, Ó Sócrates! Sócrates: Então somos forçados a concluir que o sapo não lava o pé por outro motivo, que não a repulsa à água Górgias: de acordo
Diógenes, o Cínico: Dane-se o sapo, eu só quero tomar meu sol.
Parmênides de Eléia: Como poderia o sapo lavar os pés, ó deuses, se o movimento não existe?
Heráclito de Éfeso: Quando o sapo lava o pé, nem ele nem o pé são mais os mesmos, pois ambos se modificam na lavagem, devido à impermanência das coisas.
Epicuro: O sapo deve alcançar o prazer, que é o Bem supremo, mas sem excessos. Que lave ou não o pé, decida-se de acordo com a circunstância. O vital é que mantenha a serenidade de espírito e fuja da dor.
Estóicos: O sapo deve lavar seu pé de acordo com as estações do ano. No inverno, mantenha-o sujo, que é de acordo com a natureza. No verão, lave-o delicadamente à beira das fontes, mas sem exageros. E que pare de comer tantas moscas, a comida só serve para o sustento do corpo.
Descartes: nada distingo na lavagem do pé senão figura, movimento e extensão. O sapo é nada mais que um autômato, um mecanismo. Deve lavar seus pés para promover a autoconservação, como um relógio precisa de corda.
Nicolau Maquiavel: A lavagem do pé deve ser exigida sem rigor excessivo, o que poderia causar ódio ao Príncipe, mas com força tal que traga a este o respeito e o temor dos súditos. Luís da França, ao imperar na Itália, atraído pela ambição dos venezianos, mal agiu ao exigir que os sapos da Lombardia tivessem os pés cortados e os lagos tomados caso não aquiescessem à sua vontade. Como se vê, pagou integralmente o preço de tal crueldade, pois os sapos esquecem mais facilmente um pai assassinado que um pé cortado e uma lagoa confiscada.
Penso, logo não lavo o pé.
Jacques Rousseau: Os sapos nascem livres, mas em toda parte coaxam agrilhoados; são presos, é certo, pela própria ganância dos seus semelhantes, que impedem uns aos outros de lavarem os pés à beira da lagoa. Somente com a alienação de cada qual de seu ramo ou touceira de capim, e mesmo de sua própria pessoa, poder-se-á firmar um contrato justo, no qual a liberdade do estado de natureza é substituída pela liberdade civil.
Max Horkheimer e Theoror Adorno: A cultura popular diferencia-se da cultura de massas, filha bastarda da indústria cultural. Para a primeira, a lavagem do pé é algo ritual e sazonal, inerente ao grupamento societário; para a segunda, a ação impetuosa da razão instrumental, em sua irracionalidade galopante, transforma em mercadoria e modismo a lavagem do pé, exterminando antigas tradições e obrigando os sapos a um procedimento diário de higienização.
Antonio Gramsci: O sapo, e além dele, todos os sapos, só poderão lavar seus pés a partir do momento em que, devido à ação dos intelectuais orgânicos, uma consciência coletiva principiar a se desenvolver gradativamente na classe batráquia. Consciência de sua importância e função social no modo de produção da vida. Com a guerra de posições - representada pela progressiva formação, através do aparato ideológico da sociedade civil, de consensos favoráveis – serão criadas possibilidades para uma nova hegemonia, dessa vez sob a direção das classes anteriormente subordinadas.
Norberto Bobbio: existem três tipos de teoria sobre o sapo não lavar o pé. O primeiro tipo aceita a não-lavagem do pé como natural, nada existindo a reprovar nesse ato. O segundo tipo acredita que ela seja moral ou axiologicamente errada. A terceira espécie limita-se a descrever o fenômeno, procurando uma certa neutralidade.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Não se pode brincar com tudo...

Hoje, após o linchamento público de uma menina de 16 anos – linchamento que continua a pleno vapor inclusive – liguei a televisão e me deparei com o anúncio de um filme chamado Sem Vestígios. É um filme norte-americano que conta história de comoção popular pela internet, algo tão nefasto, tão repugnante e incontrolável que me fez crer, quando o vi da primeira vez, que seria algo impossível de acontecer na vida real.

A história é assim: um assassino serial inventa engenhocas eletrônicas que matam suas vítimas aos poucos. Como a morte e tortura são transmitidos pela internet, em tempo real, cria-se um jogo macabro – quanto mais as pessoas acessarem o link que transmite a lenta morte, mais rápida e cruel esta se tornará. O que se poderia imaginar então: o número de acessos cresce de forma vertiginosa, o que resulta na morte ao vivo de várias pessoas. A polícia, o governo e as redes de tevê fazem apelos emocionados à massa acéfala na rede: “por favor, salvem a vida dessas pessoas, não acessem esses links. Acessá-los faz de você tão criminoso quanto a pessoa que captura, tortura e mata...”
Em um mundo ideal, creio eu, os acessos parariam e tudo se resolveria, mas acontece que esse mundo ideal nunca existiu: no filme, os apelos só fazem aumentar o interesse dos internautas e pessoas morrem como moscas para satisfazer ao telespectador.
Depois disso me lembrei da Amanda Todd - como não lembrar dela?- uma menina canadense de 15 anos que se matou agora em outubro de 2012. Quem quiser saber da história diretamente pela vítima pode clicar aqui e assistir ao vídeo/apelo de socorro que ela postou no YouTube pouco antes do ato derradeiro.
Em resumo, Amanda Todd cometeu um erro irreparável quando tinha 12 anos de idade, quando era uma criança: em uma sala de bate papo pela internet, seduzida por uma pessoa com quem conversava, acabou mostrando os seios para a webcam. A mostra dos seios gerou uma imagem, que gerou chantagem, que por sua vez gerou mais imagens e um bullying poucas vezes tão escancarado.
O agressor, em uma perseguição absolutamente irracional, seguia os rastros da menina onde ela estivesse. A cada nova mudança de Amanda ele conseguia seus novos dados, contatos de colegas de escola e, então, refazia a divulgação das fotos, criava comunidades e perfis falsos no Facebook para constrangê-la no que pudesse. Esta exposição criminosa gerava uma agressividade bestial nos colegas de Amanda, algo completamente sem sentido e inexplicável, totalmente contrário a qualquer princípio humano básico de solidariedade. Era de se esperar que os colegas da menina, todos da mesma idade, todos eles expostos aos mesmos perigos que ela, se solidarizassem e buscassem uma forma de lhe ajudar, mas não foi o que aconteceu...
Amanda foi humilhada e chegou mesmo a ser surrada por colegas de escola, ocasião em que teve que se esconder em uma fossa para se salvar da turba enfurecida. Ela só foi encontrada horas depois por seu pai, a menina toda suja, enlameada e degradada da civilidade. Disso tudo resultou autoflagelo, uso de drogas e bebidas, tudo que pudesse oferecer escapatória qualquer ao sofrimento que vivia. A menina mudou de colégio várias vezes, mudou mesmo de cidade e tentou suicídio pela primeira vez bebendo detergente.
Desta vez ela foi salva, o que não gerou qualquer sentimento de piedade em seus carrascos. O massacre sistemático continuava: mensagens raivosas no FB foram enviadas dizendo que ela deveria ter morrido, que deveria tentar novamente tomando produto mais forte para ver se obtinha êxito. O linchamento público chegou ao ponto de as pessoas postarem fotos de detergentes e a marcarem nas imagens, uma forma silenciosa e discreta de agredi-la, agressão psicológica muitas vezes mais dura do que a física.
"Eu ainda estou aqui não estou?" pergunta Amanda no vídeo postado no YT, como lembrete singelo de que não era um ser invisível, nem uma idéia vaga, algo que podia ser agredido da forma que desejassem. Era um ser humano, algo material e tangível que estava ali e devia ser respeitado! Logo depois a menina continua suplicando que a deixem em paz, que parem de lhe perseguir, enquanto afirma que está lutando para continuar neste mundo. “Perdi todos os meus amigos e o respeito de todas as pessoas. (...) Nunca poderei recuperar esta fotografia. Esta aí para sempre.” De tudo isso me pergunto: por que temos esta sanha assassina, essa vontade irrefreável de estarmos confortavelmente sentados na platéia de espetáculo desumano qualquer e aplaudir, aplaudir com toda a força e pedir que o show de terror continue para nosso simples deleite? De onde surge essa vontade sem controle de ferir, de denegrir, de humilhar e magoar pessoas que nem conhecemos, pessoas que nunca vimos e de quem nada sabemos?
O que vi ontem foi um linchamento público, linchamento engraçado e divertido como se fosse brincadeira de família, os tios e tias, primos e parentes reunidos na sala contando as mesmas velhas piadas de sempre. Havia um grande grupo de pessoas que humilhava, ofendia e xingava a menina sem qualquer razão evidente. E o que havia de fato? Bem, ela transou com o namorado e fez fotos íntimas; pode ou não tê-lo traído – o que teria motivado a “vingança” - e as fotos beiravam o grotesco, o que divertiu muita gente.
Fora isto não vi ninguém que tivesse sido ofendido, caluniado, agredido ou algo parecido pela menina. Não havia velha rixa ou mágoa encubada que explicasse aquilo. Até vi pessoas que diziam conhecê-la, mas somente de longe, de vista – e nem mesmo este pequeno grau de intimidade impedia a participação na chacota geral.
Não teve razão a comoção geral para acabar com a moral e com a honra de uma desconhecida, repito, uma adolescente de 16 anos que aparentemente apanhava sem nem saber a razão. A única razão era que aquilo divertia a audiência babaca no meio da madrugada, audiência esta completamente desconectada das consequências de seus atos, igualzinho ao filme que mencionei acima... As pessoas não querem ser piedosas, as pessoas querem crueldade e sofrimento alheio. Melhor se for o sofrimento de um estranho, se a pimenta não arder no meu olho. E se o massacre puder ser feito com a relativa proteção que a internet oferece, lugar comum dos covardes que, certamente, não fariam igual se fosse noutro lugar, melhor ainda!
Tenho certeza de que grande parte das pessoas que linchavam não faria igual se fosse ao vivo, na rua de sua casa e diante de seus vizinhos e parentes, suas identidades expostas e atitudes à disposição de críticas e conceitos negativos.
É na internet que todos viram valentes, ficam fortes, ainda mais se vão no ritmo da maré da comoção geral e irracional, uma verdadeira horda bestial na qual todas as bestas mutualmente se protegem.
É na internet que o filho faz o que não faria diante da mãe, diante do pai – ou até faria, quem sabe? Certas coisas, pessoas e atitudes podem ter explicações bem mais profundas do que essa que ofereço, razoavelmente rasteira.
Enquanto isso, enquanto a horda se divertia, uma vida real com endereço, telefone e fotos ia se acabando pela madrugada, a simples e inexplicável vontade de se divertir.
Espero sinceramente que a menina de 16 anos tenha força para enfrentar isso tudo – e que não enfrente só, que tenha sua família, seus amigos, sua crença e o que mais puder lhe ajudar.
Também espero que muitos do que jogaram pedras e cuspiram possam ter filhos – porque certas coisas só se aprende depois que os filhos chegam. Mas que não aprendam da pior forma, igual às terríveis humilhações que cometeram. Que aprendam por terem adquirido maturidade de entender que erraram.
Por fim, minha mãe me ensinou: ria sempre, brinque sempre e se divirta sempre! Mas entenda que há tempo para rir e tempo para calar, tempo para brincar e para encarar as coisas com seriedade, assim como há tempo para se divertir e tempo para se preocupar. Não se pode brincar com tudo...

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A execução pública de Karina Veiga - O que te define?

O enredo é antigo e batido: ocorre a traição e o ser traído, para se vingar, arma alguma situação constrangedora para o traidor. Mil livros, filmes e músicas sobre o tema perambulam pela terra meio sem rumo, bastando escolher o que mais nos agrada... E apesar de ser enredo de ficção, venhamos e convenhamos, não é nada tão distante da nossa realidade: quem aqui não conhece ao menos uma história, ou não viveu algo parecido com isso. Normal que seja assim. O problema é quando essa dita situação constrangedora deixa de ser somente uma simples situação constrangedora e passa a ser crime - e, pior, acaba revelando facetas negras da nossa personalidade e do entendimento comum que temos das coisas. Vamos ao fato: menina trai o namorado; namorado resolve se vingar e lembra, oportunamente, que num belo dia haviam transado e resolveram fazer umas fotos de lembrança, um souvenir inocente de um momento agradável para os dois. As fotos estão ali, bem ao alcance das mãos - e de repente a vingança boba, a lição de moral quase um tapinha na mão da criança tola se torna um ato de ódio indizível. A menina tem 16 anos, mesma idade do namorado traído, ambos moradores do Amapá, e a forma de divulgação do "susto" foi um perfil falso no Facebook. Foram 25 fotos que tive o desprazer de ver, 25 imagens ali estampadas e mais um vídeo, cada uma delas com vários compartilhamentos e mais de 800 comentários... O que vi foi praticamente um linchamento público que me tirou o sono (vide horário desta postagem). E como tudo mais, não demorou nada para o perfil falso cair no Twitter - onde logo se tornou o assunto mais comentado do planeta. Isso mesmo: as fotos do momento íntimo do casal, assim como a briga toda, rodaram o mundo em poucos minutos e fizeram história. É caso de polícia - e a polícia tem como encontrar responsáveis e impor, ao final, junto com o judiciário, alguma punição... Não deve ser muito, o papo de sempre de "menor potencial ofensivo", Juizados, serviço ou cestas básicas, mas ao menos será uma punição. Punida mesmo restou a menina, vítima de tudo de ruim e de pequeno que povoa a cabeça do brasileiro médio: não foram poucos os comentários chamando-a de puta, vagabunda e outros tantos adjetivos desonrosos. Montagens foram feitas, comunidades foram criadas e uma vida normal foi praticamente paralisada. Contra o menino traído foram poucas as vozes. As que ousaram acabaram sendo taxadas de idiotas, otárias ou sem graça. "Não sabiam brincar", diziam alguns. "É triste, mas estamos somente nos divertindo, nos deixem em paz", disseram outros. E no meio disto tudo surgiram milhares de tuites mencionando o nome da adolescente, inclusive com divulgação de seus telefones e endereço. E o que mais me chocou foram as mulheres... Num mundo firmemente machista, triste ver outras mulheres dizendo o que diziam. De vagabunda para baixo, certeza quase unânime de que "ela fez por merecer" - "afinal, quem manda trair?" Teve mesmo uma que disse: "E quem defende essa puta também defende traição". Num momento eu postei a seguinte mensagem: O que te define é o que você faz quando ninguém está vendo. Nisto me respondeu um seguidor: "isso também vale para a menina". Ou seja: para uns a menina teve culpa, claro! Foi puta, estava transando, estava fazendo sexo com o namorado, coisa de puta, sabem? Porque mulher mesmo, dessas honestas, não faz nada disso... Mulher honesta, entre quatro paredes, só reza. Quem transa mesmo é puta - e transar com o namorado te define assim. E machismo idiota é achar que ela teve culpa de algo, ou por ter transado, ou por ter confiado no menino. Entendam: ela não pode e nem deve ser definida por algo que fez quando ninguém via - o que ela fez foi transar e confiar. Ele sim, sem dúvida, deve e será definido por algo que fez quando ninguém via - afinal de contas, ser mau-caráter, em qualquer situação, sempre te definirá como mau-caráter.
P.s.: só um adendo (feito uns minutos após a publicação do texto) - já tem gente, e não são poucos, apostando no suicídio da meninas. Apostas feitas, apostas encerradas.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Goiânia-Belém-Curitiba


Amigos,
 
Desculpem a demora em mandar mais notícias sobre a situação do Lucas, mas nem sempre podemos ter o ritmo que queremos ou que as coisas requerem. De qualquer forma, antes de mais nada, nossos telefones continuam à disposição para qualquer notícia, dúvidas ou comentários, sempre ligados 24 horas.
 
Lucas infelizmente continua enfrentando situações cada vez mais adversas. “Na última viagem a Goiânia para realizarmos a punção (recolher a urina da bexiga), voltamos com a notícia de que os rins do Lucas estão, de fato, parados e cada vez mais machucados”.
 
Agora o problema é o líquido amniótico que cada vez mais vai se reduzindo, cada vez mais vai rareando. Talvez como muitos de vocês, tive que pesquisar um pouco sobre o assunto: líquido amniótico é o fluido que envolve o embrião, preenchendo a bolsa amniótica, que desta forma o protege de choques mecânicos e térmicos. Pouco fluido amniótico (oligohidrâmnio) pode ser uma causa ou um indicador de problemas para a mãe e o bebê (fonte: wikipedia). Já oligohidrâmnio é uma anormalidade no desenvolvimento gestacional que pode ser causada, exatamente, pela redução do fluxo de urina para o líquido amniótico, como consequência da ausência de formação dos rins ou por obstrução do trato urinário – justamente o caso do Lucas.
 
Dito isso, resta explicar que o que enfrentamos beira o gravíssimo: segundo informações do BabyCenter, o índice de líquido amniótico (ILA) no terceiro trimestre deve estar entre 5 cm e 25 cm. Um ILA abaixo de 7 cm é considerando um sinal de alerta. Um ILA abaixo de 5 cm pode fazer com que os médicos prefiram adiantar um parto. O ILA do Lucas está em 4 cm.
 
Diante de tudo isso, temos algumas certezas: [1] o parto do Lucas terá que ser adiantado – assim que a vida fora do útero for viável, o parto deverá ser realizado; [2] o Lucas precisará, assim que sair da barriga, de extremos cuidados na área de diálise, cuidados estes não encontrados em qualquer lugar do Brasil; [3] O Lucas, assim que nascer, precisará passar por um transplante renal, algo bem complicado quando levamos em consideração que se trata de bebê.
 
Isso tudo, lógico, se não conseguirmos um razoável retorno das funções renais do Lucas pela via medicamentosa e da estimulação – mas temos que estar preparados para toda e qualquer possibilidade.
 
E foi assim que começou uma intensa busca por opções de centros especializados em transplantes renais e diálise em bebês e crianças. Dentre todos, um se destacou em Curitiba: Hospital Pequeno Príncipe, um dos maiores complexos pediátricos de média e alta complexidade do país, com uma estrutura fenomenal –390 leitos para internamento e quatro UTIs - cardíaca, cirúrgica, neonatal e pediatria geral – que totalizam 60 leitos. Alguns pontos do que li no site da instituição me deixaram bem felizes: no Hospital Pequeno Príncipe o atendimento não é a simples soma das atuações de cada especialidade – os serviços se integram e se complementam, tendo sempre a criança como referência central.
 
A maior vantagem deste centro, fora toda sua expertise, é a proximidade e intercâmbio com outro grande hospital infantil, desta vez uma instituição pública mantida pelo Governo do Paraná, o Hospital Infantil Waldemar Monastier. Ele fica em Campo Largo, região metropolitana de Curitiba e foi inaugurado em 2009 dentro do projeto de regionalizar a saúde pública. Este hospital atende pacientes de média e alta complexidade e trabalha em perfeita sintonia com o Hospital Pequeno Príncipe por meio de convênio firmado entre as instituições.
 
Se existe um local no qual o Lucas pode ser tratado, creio firmemente que este é o local.
A Thaynara e o Estevão viajam hoje para Curitiba para uma primeira série de exames e verificações, além de todos os contatos necessários à continuidade do tratamento – e dentro em breve a Thaynara, até mesmo pelo desgaste que representam as viagens, já deve ficar por lá tratando do que necessário for.
 
E por aqui, enquanto aguardamos, nos resta continuar com os pedidos de doações em dinheiro e com os eternos agradecimentos a todos que, de alguma forma nos ajudaram. Dentro em breve vamos procurar todos que doaram milhas aéreas para que possamos convertê-las nas necessárias passagens. E vamos continuar com todos os projetos, com todas as buscas para viabilizar várias outras ofertas de ajuda.
 
Também tenho uma calorosa nova mensagem da Thaynara para todos:
 
“Quero aproveita a oportunidade (...) e agradecer aqui a todos que nos ajudaram enquanto estávamos indo a Goiânia, a todos que nos estenderam a mão e se dispuseram a abrir a porta de suas casas para nos receber  e impedir que gastássemos com diárias caras em hotéis; e aqueles que nos abençoaram com as passagens aéreas. Desejamos e oraremos muito para que o Deus Todo Poderoso abençoe grandemente a vida de todos vocês. Não há como agradecer em palavras, e como já disse, eu gostaria de poder abraçar a todos que ajudaram de alguma forma. Meu coração, apesar de tudo que está acontecendo, se alegra muito ao ver gestos como muitos que vimos. Obrigada mesmo.”
 
Por fim, só para deixar todos bem cientes das coisas: logo a Thaynara não vai mais poder se deslocar em avião, tendo que permanecer de forma quase definitiva no centro médico onde, ao fim, será realizado o restante do tratamento, o parto, a diálise e o transplante. Pode ser que esse centro seja realmente em Curitiba, mas, como dito acima, isso realmente depende de fatores que só teremos ao fim dessa ida deles à capital paranaense.
 
Por esse motivo a Thaynara pede ajuda de todos que possam dar qualquer informação acerca de clínicas, hospitais ou médicos em qualquer local do Brasil, que, por ventura, sejam referências nesse campo da medicina. Futuramente também vamos precisar de ajuda no que se refere a possibilidades de emprego para o Estevão, no local onde as coisas forem acontecer, Curitiba ou não, assim como opções de escola para o João Pedro, irmão mais velho do Lucas que precisa ficar junto dos pais.
 
E para todos que queriam conversar, ajudar ou pegar mais informações, e para aqueles que também queiram confirmar a veracidade disso tudo, aqui seguem as coordenadas:
 
Thaynara Freitas (91) 8291-0974/9121-3237
Estevão: (91) 8336-2779/8764-1219
Facebook: http://www.facebook.com/thaynarafreitasc
E-mail: thaynarafreitas.c@hotmail.com
admestevaosouza88@gmail.com
 
Conta da Thaynara Freitas
Banco Itaú
Agência 2939
C/C: 22247-3
 
O contato aqui do blog continua 24 horas ligado, o (91) 8131-2333 – Fernando Gurjão Sampaio.

Mais uma vez, obrigado a todos por isso.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Isolado

Amigos, Estive meio que isolado desde sábado, quase que completamente sem internet... Incrível como nos acostumamos com essas novidades tecnológicas, essas facilidades tremendas de comunicação, ao ponto de ficar em total isolamente quando desligamos os fios da tomada. Isso me faz lembrar como as coisas ficam obrigatoriamente paradas quando ficamos sem internet no trabalho. Mas bem, aqui estou e logo mando notícias sobre o Lucas. Amanhã devo postar um texto novo para atualizar todos que ajudaram sobre como as coisas vão.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Aproveita os morangos

Faz algum tempo contei essa história a uma amiga. Ontem ela pediu que eu a contasse novamente, e por mais que pareça um texto piegas de auto-ajuda, ei-lo:

A PARÁBOLA DE BUDA
Um dia, andando na selva, um homem encontrou um tigre feroz. Ele correu para salvar sua vida, perseguido pelo tigre.
O homem chegou à beira de um precipício e o tigre estava quase alcançando-o. Sem opção, ele se agarrou a uma parreira com suas duas mãos e desceu.
No meio do precipício, olhou para cima e viu o tigre no topo, arreganhando os dentes. Ele olhou para baixo e viu outro tigre que rugia esperando sua descida. E então percebeu que estava preso entre as duas feras.
Em seguida apareceram dois ratos sobre o precipício, um branco e outro preto. Como se ele não tivesse preocupações suficientes, os ratos começaram a roer a parreira na qual se segurava.
Ele sabia que se os ratos continuassem a roer, chegaria um ponto em que a parreira não poderia suportar seu peso e ele cairia. Tentou espantar os ratos, mas eles voltavam e continuavam a roer a parreira.
Neste momento ele observou que crescia um morangueiro na parede do precipício, não muito longe dele. Os morangos pareciam grandes e maduros. Segurando-se na parreira com apenas uma das mãos, com a outra colheu um morango.
Com um tigre acima, outro abaixo, e com os ratos roendo a parreira, o homem comeu o morango e achou-o absolutamente delicioso.

Posso escrever mil coisas sobre essa parábola budista:
- que o tigre de cima é teu passado - e que não adianta voltar por esse caminho ou se arrepender do que aconteceu. O que passou passou;
- que o tigre de baixo é teu futuro - e por mais terrível que ele te pareça, um dia você vai ter que enfrentá-lo;
- você estar pendurado em uma parreira é o presente, assim como os ratos, o branco e o preto, são todos os problemas que te afligem agora (e não adianta espantá-los ou fingir que não estão lá - só resta enfrentar a dureza da sua existência).
Mas o que importa mesmo são os morangos!
Por mais duro que possa ter sido o passado, por pior que te pareça o futuro, por mais medonho que pareça o presente, aproveita os morangos (e sempre existem morangos, basta procurar com atenção...)!

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Para todos vocês

Para todos, a mensagem que a Thaynara e o Estevão mandaram via comentário no post anterior:
"Gente, eu simplesmente não tenho palavras pra descrever o que estou sentindo, tampouco pra agradecer tudo o que estão fazendo para nos ajudar a dar uma chance de vida ao meu pequeno Lucas que ainda nem nasceu, mas que já é tão amado. É incrível como as coisas estão acontecendo. Ainda em Goiânia recebemos várias ligações de pessoas de todo o Brasil se dispondo a ajudar das mais diversas formas possíveis. Fico constrangida da forma como Deus tem demonstrado Seu amor por minha família através de todos vocês que estão ajudando de uma forma ou de outra. Só tenho que agradecer e dizer que minha vontade era poder dar um abraço em cada um pra tentar demonstrar minha gratidão de mãe, mas não há como. Desejo que esse Deus tão maravilhoso a quem tenho crido, abençoe suas vidas de forma tremenda para que venham sentir Seu cuidado assim, bem pertinho como tenho sentido. Um grande beijo. Thaynara, Estevão, João Pedro e Lucas."

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Bora Ajudar

E diante de tanta coisa ruim nesse mundo, de tanta coisa podre que vemos no nosso dia-a-dia, pequenos milagres vão acontecendo e permitindo que ainda possamos crer no ser humano.
Ontem, depois da publicação da história da Thaynara e do Estevão, que lutam para dar uma chance ao Lucas - bebezinho deles que ainda está na barriga - criou-se uma corrente de compartilhamentos e de Retuites que ainda continua. Sinceramente, perdi a conta de quantos foram, mas nem me importa saber - quero mais que a história se espalhe a mais gente ajude.
Em poucos minutos a Thaynara já tinha recebido doações na conta corrente informada - e a ajuda de todos continuou ao longo do dia:
- Pelas minhas contas já foram doadas quase 100 mil milhas, gente que tem pouco, gente que tem muito, tudo junto em um amontoado que faz um grande bocado;
- Recebemos ligações do Rio de Janeiro, Curitiba, Maringa, Brasília, além de muitas daqui de Belém - pessoas que queriam confirmar a veracidade da história, assim como muitas outras que, tocadas pelo problema, queriam saber como ajudar;
- Recebemos propostas de pessoas que querem doar trabalho - seja se apresentando, cantando ou fazendo os outros rirem, tudo com renda integral para a Thaynara e Estevão;
- Recebemos até mensagens da Argentina, de gente querendo saber como doar de tão longe;
- Tem gente procurando lugar para eles ficarem lá em Goiânia - e muitos outros se mobilizando para tentar viabilizar uma participação do Estado por meio do TFD, Tratamento Fora do Domicilio. Se der certo, maravilhoso!
- Uma pessoa doou 15 reais e disse: "São os 15 reais mais lindos da minha vida" - da nossa também, acredite!;
- Por fim, recebi a mensagem hiper alegre de uma amiga maravilhosa dizendo: "Fui ao banco doar e encontrei mais três pessoas doando ao Lucas. Fiquei muito feliz."
São pessoas que não conhecem a Thaynara e o Estevão, que talvez nunca conheçam ou carreguem o Lucas no colo, mas que acreditam que, juntos, podemos fazer algo e, por isso, resolveram dar uma chance.
O ponto engraçado de tudo isso é que deixei meu celular à disposição no blog e disse que podiam ligar a qualquer hora! Pois não é que troquei mensagens com um cara muito bacana, o Rodrigo, quase duas da manhã!? Ele leu a notícia no blog, ficou agoniado e resolveu mandar mensagens dando força, perguntando por todos e dizendo que assim que tiver um dinheiro vai doar.
Maravilhoso!
É isso mesmo Rodrigo! Podem ligar a qualquer hora, estamos aqui para dar informações, repassar mensagens de força e para o que for necessário.
O importante agora é não deixar essa corrente cair: a gestação do Lucas ainda vai entrar no sexto mês - o que significa mais três meses de muita luta e força de vontade.
Vamos continuar com as doações, por menores que sejam, pois o fundamental é ter dinheiro para fazer frente aos gastos que ainda vão vir.
Esse movimento de ajuda para dar uma chance ao Lucas não pode terminar aqui! Nesse exato momento a Thaynara e o Estevão estão em Goiânia para mais uma punção de líquido (aquele procedimento já descrito no texto anterior, doloroso procedimento, mas única solução). Segundo me contou o Estevão foram tirados 50 ml de urina - e tentem imaginar o que são 50 ml de urina na minúscula bexiga de um bebezinho de cinco meses, ainda na barriga!
Mas bem, não vamos falar disso agora, vamos deixar as minúcias de todo esse procedimento para um próximo post. Esse é um texto alegre pelo simples fato de que não estamos tristes - pelo simples fato de que temos ESPERANÇA, e quem tem esperança não fica triste. Assim como não é triste e desamparado aquele que tem amigos.
Obrigado.

P.s.: não se esqueçam da conta da Thaynara,
Thaynara Freitas Corrêa
Banco Itaú
Agência 2939
Conta Corrente 22247-3

E nem dos nossos telefones:
Thaynara e Estevão: (91) 8291-0974 / 8336-2779 / 8764-1219.
Fernando (eu): 91-8131-2333.

Por fim, aquele último comentário sobre doações em dinheiro:
Você não precisa doar mil reais!
Você não precisa doar cem reais!
Você não precisa doar 50 reais!
Você pode doar qualquer coisa, qualquer valor, por menor que seja.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Precisamos de Ajuda

Quantos de vocês já receberam e-mail ou mensagens via Facebook ou Twitter pedindo ajuda para a criança tal, filha do fulano de tal, na distante cidade de não sei onde, que, sofrendo de uma doença terrível irá morrer caso não ajudemos? Provavelmente todos que estiverem lendo isso vão responder que já receberam algo desse tipo - e bem provavelmente uma grande parcela vai dizer que nunca mexeu uma palha para fazer algo para ajudar...
Num mundo como esse, o virtual, é tão fácil se criar uma história, um drama, uma vida ou uma morte, e a conclusão é que ficamos meio secos ou indispostos a ajudar quem quer que seja. Também há a justificada desconfiança, claro, diante de pedido para ajudar pessoas que nem sabemos se existem – ainda mais quando somos bombardeados com notícias sobre fraudes e engodos, pessoas de má-fé que usam a boa-fé dos outros para se dar nessa vida terrestre. Eu mesmo sempre fiz assim: recebo algo e logo duvido, nem me preocupo em saber mais pois sempre acho que é alguém querendo me enganar, alguma besteira que não merece meu tempo. Não sei quantas pessoas deixei de ajudar por conta desa minha atitude, mas ao menos tenho estado seguro aqui no meu canto, na minha zona de conforto instransponível.
E hoje, olhem só, apesar de sempre ter feito assim, sou eu quem mando a mensagem pedindo ajuda!

A Thaynara Freitas é uma amiga minha. Ela mora logo ali, em Ananindeua, e é uma pessoa maravilhosa – como toda sua família, por sinal. A Thaynara deu a sorte de, nesse mundo enorme, ter encontrado o Estevão, rapaz bom, amigo, trabalhador ao estremo, bom pai e bom marido. Desse encontro nasceu o João Pedro, um moleque que infelizmente acompanho crescer somente por fotos do Facebook, um moleque que acalentei no colo diversas vezes, que me babou um bocado e que está cada vez maior e mais bonito. Diante disso vocês podem imaginar minha felicidade quando soube que eles estavam grávidos novamente – outro menino que se chamaria Lucas. “Que bom”, pensei... “O mundo está precisando de mais pessoas boas mesmo”.
Acontece que a vida é cheia de surpresas e vive nos pregando peças muitas vezes sinistras – não importa quem você seja: faz pouco tempo, com cinco meses de gestação, a Thaynara percebeu que Lucas era quietinho, que ele não fazia tantas gracinhas e nem dava muitos chutes como tinha feito seu irmão. Preocupada, procurou um médico e teve a notícia ruim, como um nome quase impossível ao leigo –HIDRONEFROSE ACENTUADA BILATERAL. Em resumo, Lucas não estava conseguindo urinar e a bexiga estava completamente cheia de xixi, com o volume aumentado e causando incomodo. Por isso a escolha do bebê em ficar o mais quietinho possível, porque mexer fazia doer e sofrer mais. O médico examinou mais e percebeu que os rins estavam parcialmente machucados, e imediatamente deixou-os à par do que deveria ser feito: a colocação de uma válvula na bexiga do Lucas para que a urina pudesse ser eliminada - e isso tinha que ser feito o mais rápido possível ou o Lucas morreria. Para piorar tudo, esse procedimento NÃO poderia ser feito em Belém por falta de profissionais especializados na área de medicina fetal – e eles foram encaminhados imediatamente para o Dr. Waldemar Amaral, em Goiânia, GO. Com dificuldades eles compraram as passagens e se prepararam para os gastos que resultaria do procedimento. Em Goiânia ficaram na casa de pessoas que, conhecidas por acaso, foram maravilhosas e resolveram oferecer hospedagem.
No dia seguinte, o médico Waldemar achou que os rins do Lucas estavam muito feridos e, por isso, preferiu fazer mais exames antes de instalar a válvula. Mas também resolvou fazer uma drenagem da urina acumulada – e imaginem o que representa isso: um cateter perfura a barriga da mãe, segue perfurando a barriga do Lucas e, por fim, os minúsculos rins. Assim terminou um dia!
No outro dia, como a vida não é fácil, as notícias ruins não pararam: com o resultado da análise da urina recolhida, e com exames mais minuciosos do bebê, o médico sentenciou: “Thaynara, o exame comprova que os rins do bebê estão completamente parados e, por este motivo, não vamos poder colocar a válvula. Colocá-las seria um risco muito grande, tanto para o bebê quanto para ti. Há somente duas alternativas: ou não se faz nada, ou, de dez em dez dias, fazemos novas punção (retirar a urina da bexiga do bebê como foi feito para coleta do exame). Só que este processo não garante que seu filho, ao nascer, sobreviverá! Os rins de uma pessoa são órgãos dos mais nobres e necessários ao corpo humano, ou seja, ninguém sobrevive sem os rins. A chance dele nascer e não sobrevier é de 99%, mesmo porque, para a medicina, não há 100% nem 0%. A punçãoo é uma tentativa de obter uma melhora nos rins para ver se, por UM MILAGRE, eles voltam a funcionar.”
É da natureza humana não desistir, seguir em frente por maiores que sejam as dificuldades – ainda mais quando se fala de uma mãe, de uma pai, fazendo de tudo para tentar salvar um filho.
Só que, decidindo pela pulsão de dez em dez dias, mais uma surpresa nos bate à cara: não existe punção intra ulterina em Belém. O Centro mais próximo e qualificado fica em Goiânia, justamente na clinica do Dr. Waldemar Amaral. Ou seja: Thaynara e Estevão, mais a barriga cheia de Lucas, terão que ir a Goiânia de dez em dez dias para realizar o doloroso procedimento – e isso significa passagens, hospedagem, alimentação, gastos médicos e todos os outros gastos que possam surgir! Pelas nossas simples contas, até o nascimento do Lucas serão necessárias 48 passagens ida-volta.
Não são coisas baratas e os dois não são ricos, nem tem tanto que possa garantir tranquilidade ou mesmo a mínima viabilidade para fazer o necessário.

Resumindo, as coisas estão assim: Precisamos de ajuda para tentar salvar a vida do Lucas. Não temos certeza de que ele vai sobreviver depois de nascer – ninguém pode nos dar essa certeza – mas sabemos que podemos tentar até onde der!
Do que precisamos? Qualquer coisa!
Eles já têm as passagens de 20/11 e de 30/10.
Hoje me comprometi a dar as passagens do dia 10/12, mas ainda faltam as dos dias 20/12 e 30/12, e todas as outras que forem necessárias até que ele nasça - de dez em dez dias.
Da mesma forma precisamos de dinheiro: seja para pagar os procedimentos – que são caros -, quanto para arcar com passagens aéreas, estadia e alimentação, além de todos os demais gastos que forem necessários.
Por outro lado, se algum de vocês souber de um local que possa ser o porto seguro dos três em Goiânia, isso também serve (e muito). Pode ser a casa de um amigo, um quarto na casa de uma tia, qualquer lugar onde eles sejam recebidos e bem cuidados - e garantam uma economia com hotel. O que posso garantir é que quem os receber também vai ganhar muito, pois são pessoas maravilhosas e adoráveis.
Também, se você tiver milhas aéreas aceitamos – as passagens do dia 10/12, que eu dei, vão ser compradas com milhas. Infelizmente são muitas milhas, 20 mil para cada um deles, mas acho que não existe forma melhor de gastá-las do que ajudando uma mãe a tentar salvar a vida do filho.
Para terminar, afirmo que qualquer coisa ajuda – e ajuda muito: seja com uma prece, uma reza, um pensamento positivo, um telefonema, um RT ou um compartilhamento de postagem. Qualquer ajuda, por favor.
Só peço que não passem por esse texto de forma indiferente, que percebam que é alguém tangível, uma pessoa próxima de qualquer um de nós e que tem um problema real – se é que podemos chamar de problema, assim, simplesmente, a sobrevivência de uma criança.
Para quem quiser conversar diretamente com a Thaynara e com o Estevão, seguem os contatos: (91) 8291-0974 / 8336-2779 / 8764-1219.
Também, se quiserem passar alguma informação, tirar dúvidas ou perguntar como podem ajudar, não se acanhem e me liguem (91) 8131-2333 – e podem ligar a qualquer hora.
Por fim, um último comentário sobre doações em dinheiro:
Você não precisa doar mil reais!
Você não precisa doar cem reais!
Você não precisa doar 50 reais!
Você pode doar qualquer coisa, qualquer valor, por menor que seja.
Se 100 pessoas doarem 10 reais já teremos 1000 reais – e venhamos e convenhamos, é muito fácil doar dez reais.
A conta corrente da Thaynara segue abaixo:
Thaynara Freitas Corrêa
Banco Itaú
Agência 2939
Conta Corrente 22247-3

E se você achar trabalhoso fazer o depósito, basta avisar que eu vou até onde for para pegar a doação e entrego para eles - ou faço eu mesmo o depósito. Basta chamar.
​Desde já, obrigado a todos!

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Como explicar?

Chega a amiga de São Paulo e informa o desejo enorme de voltar ao Marajó. Se der, quem sabe?, até alongar a ida e visitar a casa onde nasceu Dalcídio Jurandir em Cachoeira do Arari. A primeira pergunta feita é: "como andam os assaltos aqui na região, aquelas histórias horríveis sobre piratas?" Quisera eu poder responder que tudo anda calmo, que nada mais acorre que justifique qualquer preocupação, mas tive que ser sincero. Disse que vez ou outra ainda ocorrem assaltos, vez ou outra ainda surgem histórias de crimes cometidos por Piratas, os Ratos d'água, e completei pedindo que eles viajassem pela parte da manhã e que tudo correria bem.
Infelizmente é isso que corre por aí, as notícias do Pará e de Belém que sempre falam de problemas, mortes e total descrença numa terra em que possamos viver em paz.
E bem... A amiga viajou, curtiu o Marajó e viu que a casa de Dalcídio foi derrubada... Na volta, hoje, foi ela quem me deu a notícia de mais um assalto nos rios do Pará - destaque regional na página pricipal do G1. Nas palavras do encarregado da balsa, “eles foram só assaltar. Eles acabaram, soltaram a gente e foram embora. Saíram como se nada tivesse acontecido. Infelizmente é comum as embarcações serem assaltadas na região. Já fomos assaltados outras vezes”. Smples assim... E seguimos nos acostumando com essa vida, com essas notícias e crimes. Ser vítima neste Estado é normal, já fomos assaltados outras vezes. Felizmente a amiga ama o Pará mais do que ama sua terra, ou então eu ficaria gago de vergonha tentando explicar que isso por aqui é normal, e que não fosse embora levando uma ideia ruim do Estado, a gagueira típica dos que ficam sem explicação para dar diante dos absurdos da vida nessa terra.

Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígios

Acho que as lembranças que teremos, todos, serão mais ou menos iguais: a voz delicada que invadia todos os cantos com as canções que somente ela sabia cantar, o tec tec da máquina de costura que fazia adormecer nos finais de tarde e os cheiros, os muitos cheiros de chá de canela, café com leite, doce de cupuaçu, bolo branco e tantos outros. Até pouco tempo ela perambulava pelo quintal da Mundurucus plantando e cuidando, a mão que se fazia preta da terra e logo estava banhada e cheirando a colônia ou talco, ela sempre tão cheirosa e vaidosa.
Ela era valente, nenhum medo que fosse de meu conhecimento. Do que contam, sei que enfrentou bandido e visagens, que afugentou bicho e homem criado – e ela deixou sua valentia bem clara quando decidiu que enfrentaria o hospital pelo tempo que pudesse (e foram longos cinco meses entre quartos e UTI, sempre surpreendendo médicos e enfermeiras com melhoras miraculosas e reações inesperadas).
Certa vez, ainda pequenos, estávamos no quintal eu e meu irmão, mais meus primos Álvaro e Artur, tentando carregar uns pesos que um primo mais velho havia feito com latas de leite e cimento, mas todo o esforço era em vão. Quatro meninos lutando com todas as forças para carregar um peso que devia ter uns bons 20 quilos. Para nossa surpresa, vovó apareceu do nada gritando que iríamos ficar “rendidos” carregando aquele mundarel de cimento, e, com uma mão, com uma única mão, agarrou o haltere e o jogou longe fazendo-o sumir por entre as plantas do quintal. Deveríamos ter corrido da bronca que seguiria, mas ficamos tão surpresos e assustados com aquela força hercúlea, a frágil avó que não somente era mais forte do que os quatro netos – mais era MUITO mais forte – que acabamos cedendo ao ralho enquanto nos olhávamos boquiabertos.
Também lembro que, ainda criança, achava extremamente intrigante ela fazer roupas tendo como molde uns recortes que vinham em revistas de costura – era um emaranhado de linhas contínuas, linhas pontilhadas, linhas tracejadas, algo que me lembrava dum mapa de guerra, as informações secretas do avanço de uma hipotética tropa inimiga, mas que para ela eram vestidos e camisas que logo estariam cobrindo algum de nos.
Virou lenda a vez em que mamãe, tendo que viajar, pediu que ela me ajudasse em matemática. Após um dia de longo estudo, fomos dormir cedo depois de jantar e assistir tevê. Dormíamos em redes com mosqueteiro, um ao lado do outro, e eu, com poucos nove ou dez anos, tive medo de ir ao banheiro sozinho, a casa da Mundurucus que era um mundo de corredores, quartos e sombras. Resolvi acordar vovó para que me acompanhasse e juro, por tudo que é sagrado e a quem estiver lendo, que da hora em que ela acordou e durante todo meu xixi e até voltar para a rede, fui sabatinado de forma impiedosa com toda a tabuada do dia anterior. Eram 3 horas da manhã e tirei uma nota maravilhosa na prova.
Mas ela também era toda doçura. Uma vez em Salinas, depois de três dias que lá estávamos, ela me disse que queria voltar para casa, que suas plantas precisavam de cuidados e ela precisava colocar comida para os passarinhos. Voltamos e ainda fiquei com ela pelo resto do dia, deitado na sua cama entre breves cochilos, até que ela me acordou para avisar que já tinha chegado o pão quente – e foi fazer meu café com leite do final de tarde de sempre.
Acho que a grandiosidade está em tudo que se faz durante a vida.
Acho que grandioso é aquele que pensa em todos os seus atos sempre buscando fazer o melhor, não somente para si, mas para todos. E Vovó foi mãe de muitos, a casa da Mundurucus que estava sempre cheia de gente, de pessoas que, ainda hoje, encontro e me contam como aquele local serviu de porto confortável e seguro sempre que precisaram; vovó se dedicou a todos e em poucas vezes pensou nela, eram sempre os outros, os dela.
Quando meu avô Álvaro morreu em 1964, ainda nem completados 50 anos, minha avó se viu mais responsável ainda pela criação de seus oito filhos. Entre lutas e dificuldades, criou a todos e fez com que todos estudassem e fossem pessoas boas – e hoje não consigo ver um tio meu, ou um primo meu, cometendo uma iniquidade ou ato desumano que seja, sempre o ensinamento de que devemos fazer o bem e pensar em nossos atos e em nossas responsabilidades. Não é gabolice e nem estou contando vantagem – é simplesmente o que ela era e o que nos deixou.
Além disso, além de tudo que somos, ficou da vovó o cuidado que tio Amilcar tinha com os irmãos, ficou o cabelo do tio Amado, o sorriso da tia Bela e a sabedoria da tia Alvarina; a inteligência do tio Dinho, o carinho da tia Alba e aventurisse e olhar da tia Ana. Em minha mãe percebo vovó quando ela canta as mesmas músicas que sua mãe cantava, a mesma voz suave e afinada que ainda me canta canções bonitas. Em cada rosto vejo um pouquinho dela, assim como em cada atitude consigo ver coisas que ela foi mostrando nesses 96 anos de vida plena.
E isso tudo significa que ela não morreu, que ela ficou conosco e estará entre os seus pelo tempo que estivermos aqui – nas marcas físicas que temos, nos gostos que compartilhamos e nas características que demonstramos, nas atitudes que tomamos e nas certezas que permaneceram – e acho que, no final, é exatamente isso que significa família – não algo que surge do nada ou se cria, mas sim o que ela nos ensinou a ser pelo amor e pelo cuidado de sempre.
Como disse Drummond, morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígios. E se é assim, fico tranquilo por saber que ela não se foi, que ela permanece e assim será em cada sorriso e olhar nos almoços de sábado, ainda na mesma Mundurucus de sempre, a casa da vovó.