quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Tio Elias

Tio Elias era um velho judeu dono de um antiquário na Rua 28 de Setembro, dentro do comércio de Belém. Minha mãe vivia lá, dele era grande amiga, e com ela íamos nós, seus inseparáveis filhos que faziam dos corredores da loja um mundo de descobertas e selvageria. Uma casa antiga dessas enormes, com corredores a perder de vista, cheia das tralhas mais interessantes do mundo todo.

No sótão, diziam, havia uma jiboia que comia os ratos, mas também podia comer meninos curiosos que se aventurassem onde não deviam.

Um dia ele presenteou meu irmão com uma bola de boliche, acho que a primeira bola de boliche inventada, toda de ferro, e hoje, pensando bem, nem sei se aquilo realmente era uma bola de boliche, quem sabe uma bala de canhão? Só sei que assim foi dada e usada, o que deixou minha mãe bem descontente diante das inúmeras lajotas quebradas com força e peso da bola/bala.

Certa vez, vínhamos na Presidente Vargas em nosso fusca verde e de longe avistamos tio Elias cheio de sacolas e pacotes. Minha mãe, ainda não letrada nas artes dos filhos, comenta na nossa frente, cheia de carinho: “Olha, lá vai o Elias parecendo um judeuzinho errante, todo velhinho”. Claro que, na próxima visita que fizemos à sua loja, contamos tudo a ele: “Tio, tio, a mamãe disse que o senhor parece um judeu errante e velho”. Não esqueço a cara dele, um olhar cheio de sarcasmo para minha mãe, quando perguntou: “Ah é, Lila? Sou um judeu errante e velho?”.

Eles nunca brigaram, sempre se gostaram muito e tinham enorme cumplicidade. Na verdade, ele era a pessoa mais gentil que já vi com todos. Foi ele quem vendeu ou deu as camas de ferro, de viúvo, nas quais dormimos nossa vida toda, que até hoje são nossas, preciosidades que tanto amamos e que, felizmente, suportaram com valentia guerras contra aliens, ataques piratas e pulos entre precipícios mortais.

Por conta dele comecei minha coleção de moedas, e nem sei mais onde está minha coleção de moedas, talvez furtada, talvez perdida, e, se furtada, espero que faça alguém feliz hoje, pois me foi dada com muito amor.

Um dia ele chegou e entregou para minha mãe uma placa de rua, justamente a placa da Rua 28 de Setembro, ainda aquelas de ferro esmaltadas, coisa antiga que não se faz mais. Tinham derrubado uma linda casa portuguesa que ficava na esquina de sua loja, mais um monstrengo em forma de prédio que surgiria, e então a placa jazia sem interesse no lixo de entulhos da obra. Tio Elias se meteu por entre pedras e poeira, resgatou a placa e deu para minha mãe como lembrança sua, de sua loja e dos bons momentos que passávamos lá. A placa está na minha parede agora e sempre me faz lembrar dele.

Na loja também havia um senhor preto que fazia de tudo, um homem muito bonito e forte, já envelhecido pelo tempo e pelas desgraças que deve ter vivido. Não lembro seu nome, acho que minha mãe deve lembrar, e me chamava a atenção o quanto ele era calado e soturno, sempre muito sério e sem risos, apesar dos belos dentes brancos. Diziam, entre cochichos, que ele havia sido escravo, um dos últimos beneficiados pela libertação dos africanos, e que, libertado de alguma fazendo ao redor de Belém, acabou por se unir com o velho judeu branco e viraram quase irmãos. Eu duvidava da história até que, um dia, o vi sem camisa e vi marcas em suas costas que, no meu imaginário, pareciam bastantes com as marcas que deve deixar um chicote.

Na grande sala ficava uma máquina de café, acho que a primeira que vi, além de um infindável de cadeiras de embalo onde se sentavam senhoras e senhores que compravam ou negociavam antiguidades e artes. Ali foram fechados grandes e pequenos negócios, alguns deles ainda hoje na casa de minha mãe.

Foi da loja de tio Elias que veio o baú que hoje fica na sala de jantar, um baú grande e escuro que muito parece com um caixão, e que muito serviu para assustar nossos amigos, todos crianças, quando dizíamos que aquilo era, de fato, um caixão, e que ali estavam os restos de um nosso avô qualquer. Apesar de duvidarem, nenhum deles jamais ousou abrir e verificar se falávamos a verdade.

Desde quando lembro do tio Elias ele já era muito idoso, acho que para combinar com o velho escravo, com a casa centenária e todas as demais antiguidades que moravam ali. Quando ele morreu, nem lembro quando foi que ele morreu, não sei o que senti além de um vazio, de não termos mais um local para passear, minha mãe e seus meninos, um local para passar a tarde ouvindo a chuva cair, bebendo um café bom , rindo das muitas piadas e espertezas e ouvindo o arrastar da jiboia no forro. Perdemos tudo, mesmo que tudo tenha ficado na placa da sala, nos móveis que, de forma ou outra, têm um pouco dele, e nos livros e objetos e joias, e qualquer coisa que passou pela loja de antiguidades.

A casa ainda está lá, no mesmo lugar, hoje dividida em mil lojas de celular – plodutos chineses – compra-se ouro e cautelas da Caixa, mas não sei do senhor preto de quem não lembro o nome, que nem mesmo sei se era escravo, assim como perdi de vista todos que se embalavam sem fim nas cadeiras da sala da loja do tio Elias. Vez ou outra encontro algum desses tios e tias nas ruas e nos abraçamos com ternura, acho que felizes por termos dividido algo tão bom. Agora vou ver se acho minha coleção de moedas.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Os Círios de meu avô

Belém, 11/10/2013

Acordar no dia do Círio era acordar na correria, todos se apressando para banhar e se arrumar, roupa nova comprada para o domingo, tudo dobradinho no sofá da sala, arranjo antecipado para que não houvesse demora. Tinha sempre o dia nascendo, a rua sem barulhos e a correria dos cinco fazendo de tudo para sair logo e cumprir com os planos de todos os anos.

O Círio era passado no janelão da Assembleia Paraense debruçada na Presidente Vargas, onde ficávamos até o passar da Santa, até bem depois do passar da Santa, pois o povo nunca parava de passar e assim ficávamos todos lá, horas e horas assistindo ao desfile de casinhas, barquinhos e miritis, anjinhos e promesseiros descalços, suados, moídos e felizes.

Acordávamos cedo para pegar lugar, três pequenos e seus pais, sacrifício feito para poupar os avós já tão velhinhos e com intocada vontade de estar ali e de tudo participar. Chegávamos por volta de 06:30 e assim tinha que ser, ou logo tudo era tomado de gente.

Sentávamos diante das grandes janelas, felizes pela vitória de conseguir boas vistas, mas alegria que durava pouco, justo o tempo de perceber que ainda estava quase escuro e a Santa só passaria perto de meio dia. Nós, as crianças, éramos meio que plaquinhas de “reservado”, quietinhos nos seus bancos até que, sonolentos, deitávamos e dormíamos um pouco – o que era até bom, pois criança deitada ocupa mais espaço e, assim, guardávamos mais cantinhos para os avós.

Por volta de 07h:30 o pai saia para buscar seus pais numa proximidade qualquer, largados em taxi, as ruas todas fechadas, somente livres ao fluir do mundo de gente que não tardaria a chegar.

Vovô, eu e Digo, maio de 88,
meu aniversário
Ao surgir os avós, eis a alegria de volta, os netos se atropelando ao carinho da avó, às alegres bandalheirinhas do avô, os pequenos acarinhados qual em recompensa pela valentia de madrugar e montar guarda à festa, o heroísmo, na certeza de ver de perto a Santa, e os barcos e anjinho, os conhecidos, e acenar, e cantar, e rezar e chorar.

Foi durante anos, todos os anos de minha vida, até deixarmos de ser criancinhas e já não dormíamos nos bancos às janelas da Assembleia, agora adolescentes emburrados e chateados por acordar cedo, mas nada que durasse muito, só até chegarem os avós. Então voltávamos à meninice nos colos, nos mimos ao amor familiar. Tudo ia como devia, como devia ser a vida, mas a vida também sabe ser triste.

O avô morreu e muito mudou: acabaram os banhos de piscina de sábado na Conselheiro, os primos todos reunidos esperando os lanches da avó regados com Baré comprado na mercearia da esquina; acabaram os papos na porta do casarão, tudo regado com cantar das cigarras ao fim das tardes, o despedir à porta que nunca findava; acabou o Natal ao redor da árvore, presentes organizados por tios, tudo organizado e entremeado de gritos e abre abre abre. O Círio, como era, também acabou.

Por anos, acho que foi medo de chorar que me impediu de sair nas ruas e acompanhar algo que fosse da festa, até que voltou a coragem e decidi sair, e foi bom ter saído, pois percebi que o avô não tinha morrido, não! Estava mais vivo do que nunca em cada rosto suado, cada casinha de miriti e figuras de cera, e no choro emocionado de quando passa a Santa. E nos fogos.

Ele não morreu porque ele era o Círio, nós somos a festa, o Círio que estava ali e sempre estará.

Hoje vejo meu avô em tudo da festa e, apesar do medo de antes, choro tranquilo lembrando dele, choro de felicidade, não de tristeza, por senti-lo ao meu lado no meio da multidão, e sou tão grato à vida, ao Círio, por isso. Grato ao Círio que revive no passado meu avô Fernando. E obrigado por mais esse milagre, Virgem, por deixar por perto quem já está longe, aparentemente distante.

Feliz Círio.

domingo, 6 de outubro de 2013

Letícia

Agosto/2013

Letícia acorda. Letícia chora. Letícia mama e faz manha. 

Vamos trocar fralda. Foi tanto xixi que vazou e molhou fralda, pijama e pai. No trocador, Letícia ri do pai que se desdobra pega fralda pijama algodão água, tudo enquanto segura a filha que ri. Troca fralda, troca pijama, não troca pai, que se for procurar pijama agora acorda filha e pai se acostumou a dormir com xixi de filha que nem fede a xixi.

Depois, remédio e rede, e mais riso de filha que parece se divertir com pai na correria, e rede e música, voz fraca para não despertar a pequena, e rede embala embala embala e filha parece gemer gemido no ritmo da rede e da voz do pai.

Então dorme. Levanta o pai da rede fazendo forçona, porque a pequena já pesa muito, coloca no berço, cobre, cobre melhor, mais um pouco melhor e coloca mosqueteiro. Então filha se vira e se descobre, e pai tira mosqueteiro e faz tudo novamente, e bota mosqueteiro, e então pai deita para dormir, mas aí já pensou na vida e perdeu o sono.

sábado, 5 de outubro de 2013

Parada a cidade ficou



29/09/2013

Se vocês quiserem saber como se parece o fim do mundo zumbi, seres sem cérebro, vontade ou discernimento, somente ávidos por carne humana, talvez devessem vir agora até as proximidades da Praça da República. 


Mas, até sugiro, não venham...


As ruas 1º de março, Carlos Gomes e Avenida Presidente Vargas cheiram a urina. O chão está molhado, e não de chuva.


Nas reentrâncias do Basa se instalou, novamente, um banheiro e sexódromo público dos que aceitam se "pegar" no meio da sujeira.

Na Carlos Gomes, chegando à esquina da Presidente Vargas, me surpreendi com dois homens urinando bem ao lado de um ponto de taxi. Enquanto urinam, brincam e falam com a maior naturalidade, como se aquilo fosse a normalidade, enquanto passamos eu e outro vizinho com seu o filho.

Mal sabia que era besteira me surpreender com aqui: havia pessoa urinando na própria Presidente Vargas, quem sabe a principal via da cidade, centro desta capital.

Sim... Mal escondidos pela estrutura armada em fente ao Basa, para servir de palco para o Círio, convenientemente tapada com placas de madeira, estava algo entre banheiro e dark room. Vi muitas mulheres urinando, mas também homens, que, ou urinam, ou não sei que fazem lá, mas estão todos juntos lá.

Mais para frente, na banca de revistas que fica diante da centenária Pharmácia da República, uma menina, que não deve ter 16 anos, completamente embriagada, vomita amparada por amigos que se divertem com a cena. A cara dela quase encosta no chão molhado. Um dos amigos (amigos?) filma tudo no celular.

O cheiro de bebida adocicada, acho que vinho, se mistura com urina e faz surgir um odor enjoativo e pegajoso como xarope.

Para entrar em casa tive que pedir licença, pois havia muitos sentados diante do portão. Havia uma menina deitada no chão, não se importando que o chão estivesse molhado, e nem quero imaginar do que estava molhado. Me olharam feio porque pedi licença. Imagina, entrar em casa agora, aqui, fazendo-os levantar!? Abuso.

E por falar em celular, António, porteiro do prédio desde quase sua construção, lamenta o furto do seu celular e carteira com todos os documentos e parte do salário. É que António chegou na hora em que passava o trio elétrico, então, para chegar na hora, e já estava atrasado, resolveu passar no meio do povo, no meio da chuva. 

António não é novo, o conheço desde que fui criança, e realmente sei que ele vê maldade em poucas coisas. Não viu maldade na multidão. Foi furtado e ficou a ver navio.

Agora, da janela, vejo a Praça lotada, tomada ainda, e tristemente constato várias pessos urinando nas laterais do antigo Sam e dos teatros Da Paz e Waldemar Henrique. Chega um guarda e ilumina as sombras com potente lanterna, mas os mijões nem se movem, quem sabe entorpecidos por fadas verdes?

Alguns focos de briga se formam aqui e ali. Alguns muitos focos de briga e uma surpresa: enquanto saímos de perto em tais situações, vejo a porrada começar e pessoas correndo, se aproximando para assistir, mundo novo de MMAs em que é normal ver duas pessoas se sangrando quase sem regras.

Logo chega a PM ou a GMBel e a briga acaba, e, na confusão de muita gente ao redor, como saber quem eram os galos na rinha? Todos partem caminhando de braços dados com a impunidade.

Muita PM. 

Muitos carros de polícia, tudo identificado, daqui, pelas sirenes iluminando ao redor. Todos parados, somente assistindo, intervindo somente quando a coisa piora. Eles assistem, somente assistem...

Eu também assisto, somente assisto, e também decido que este é o último post que faço relacionado às paradas GLTBS (?) que terminam aqui pela Praça da República, pois percebo que, no final, o chato sou eu, somente eu, e nada muda, vez por vez, tudo como dantes no quartel de Abrantes.

O chato sou eu, o incomodado sou eu, e os incomodados que se mudem, ainda vão me dizer, mesmo que eu não queira me mudar, mesmo que ame morar perto do trabalho e ame meu bairro, onde nasci e cresci, inclusive.

É... Pensando bem, melhor ficar calado.

Só espero que chova, mas que chova bastante, para ver se some o cheiro ruim que a tudo domina.

Só isso.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sobre dormir na rua

22/08/2013

Você anda pelo Centro da cidade apressado, correndo para chegar no seu trabalho e se depara com um morador de rua dormindo placidamente no meio da calçada. A primeira coisa que pode pensar é "que vagabundo preguiçoso. Tamanho dia nascido e o folgado ainda dormindo". 

Aí, quando bate meio-dia, você sai do seu trabalho e vai almoçar, tudo na correria porque o tempo sempre é curto. Mais uma vez, você se depara com o mesmo morador de rua dormindo placidamente no meio da calçada. O cara nem se moveu de tão pesado que dorme. Mais uma vez você pensa "olha o vagabundo preguiçoso. Tamanho sol quente, meio do dia, e o folgado ainda dormindo, nem se moveu".

Quando você sai do trabalho para ir para casa, por fim, já encontra o vagabundo meio acordado, meio dormindo, mas aí já nem pensa muito nele, pois só quer chegar logo no conforto do seu lar e dane-se o resto.

Deixa eu contar um segredo?

Muitos moradores de rua dormem pesado durante o dia, com o sol quente queimando, com barulho do trânsito e tudo, porque é o único momento do dia em que têm segurança.

Eles não dormem, demaiam, após noites em claro tentando se proteger de muito coisa ruim que encontram nas ruas.

Então, enquanto você dorme na segurança do seu lar, o morador de rua perambula de forma insistente, pois não pode dormir. Se dorme, o mundo vem e engole a ele.

E dia eles desmaiam onde for...

Se não fosse pelo quase

01/10/2013

Se não fosse o quase eu estava morto agora. 

Audiência na Unama BR em dia cinzento de chuva. Estaciono o carro perto do prédio principal e saio andando.

Uns 10 passos depois, estoura um raio no para-raio que fica no topo do prédio, e faz um estrondo tão alto, e uma luz tão forte... aí pensei: vou morrer de raio? que merda!!

Meu ouvido começou a zumbir e fiquei muito tonto na hora. Quando dei por mim, estava encostado numa parede perto das lanchonetes, quase caindo pelas tabelas. Nem sei como cheguei lá. Perto de mim estava um segurança, que estava perto do meu carro e, consequentemente do raio, ele também atordoado e assustado.

O para-raio ficou esfumaçando. Quase todos os carros dispararam os alarmes. Os pelos do corpo ficaram arrepiados por uns 20 minutos direto.

Agora, quase 40 minutos depois, muita dor de cabeça. Pescoço e ombros formigando. Mal estar. Tontura.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Vacinação

Quando Letícia nasceu, optamos por fazer as vacinas na rede pública de Belém. Já tinha feito isso com Maria, que hoje tem 12 anos e fez todas as vacinas no Posto de Saúde da Cremação. No caso da Letícia, escolhemos o Posto de Saúde do Guamá, principalmente por conta do amplo estacionamento.

Algumas pessoas me criticaram por tal decisão, usando um tom meio que de nojo e admiração por "colocar" minha filha em um posto de saúde pública: se tinha "condições", por que submeter minha filha àquilo? Um absurdo!

Absurdo, para mim, é pagar uma pequena fortuna por vacinas que são dadas de graça em qualquer posto público. E desde quando ter "condições" significa não usufruir do que tenho direito. Eu também pago por aquilo quando pago meus impostos. Como assim?

Pois bem, algumas observações sobre o Posto de Saúde do Guamá, mais especificamente do setor de vacinas:

1. As atendentes da vacina são extremamente carinhosas e atenciosas com todos, sempre prontas a tirar dúvidas e a ajudar. E como são sempre as mesmas, acabam conhecendo as crianças e seus pais, o que torna o clima bem menos tenso. A Brenda Carepa já cansou de sentar com elas e fazer mil perguntas, assim como diversas outras mães fazem - todas sempre bem recebidas.

2. Algumas vezes não pegamos fila. Outras vezes estão uma ou duas pessoas na nossa frente. Uma vez somente, uma única vez, fomos em dia de campanha de vacinação e esperamos quase 30 minutos. Tirando isso, tudo corre rápido e tranquilo lá.

3. Certa vez, um famoso político apareceu lá para tomar vacinas. Ia para a África e precisava delas para viajar. Este famoso político estava acompanhado da Diretora do Posto e, como qualquer cidadão, e não poderia ser diferente, esperou pacientemente na fila sua vez sem qualquer benefício ou favor. Umas duas crianças depois da gente ele foi atendido.

Do mais, não posso dizer. Do que sei, digo. A gente tanto critíca e não custa elogiar

Leia antes de sair...

Segundo o Mapa da Violência divulgado em 2012 pelo Instituto Sangari, em 30 anos, entre 1980 e 2010, a taxa de crianças e adolescentes assassinados no Brasil cresceu 346%. Foram 176.044 mortes por homicídio nesse período.

Somente como comparação, na Guerra do Vietnã, que durou 20 anos - entre 1955 e abril de 1975 - morreram 58.220 norte americanos. Ou seja, o número de crianças e adolescentes mortos no Brasil, em 30 anos de paz, é três vezes maior do que o número de soldados norte americanos mortos em 20 anos de guerra.

Percebam que, por enquanto, estou falando somente de crianças e adolescentes.

A coisa fica mais chocante se pegarmos o total de homicídios no Brasil, país sem disputas territoriais, movimentos emancipatórios, guerras civil, enfrentamentos religiosos, raciais ou étnicos: 1,091,125 vítimas de homicídio nos mesmos 30 anos - 1980 a 2010.


Entre 2004 e 2007, nos 12 maiores conflitos armados registrados no mundo, Iraque [76.266 mortos], Sudão [12.719 mortos], Afeganistão [12.417], Colômbia [11.833], Rep. Dem. do Congo [93347], Sri Lanka [9.065], Índia [8.433], Somália [8.424], Nepal [7.286], Paquistão [6.581], Índia/Paquistão (Caxemira) [4.956] e Israel/Território Palestino [2.247], temos um total de 169,574 homicídios (fonte: Global Burden of Armed Violence, divulgado pela Geneva Declaration Secretariat – www.genevadeclaration.org).

No Brasil, no mesmo período, 2004 a 2007, foram 192,804 homicídios – registros gerais. Matamos mais do que os 12 maiores conflitos armados do mundo. Inacreditável!!

E o Pará, que em 2000 teve 806 homicídios, em 2010 registrou 3.482 – crescimento de 332% em dez anos. Perdemos somente para São Paulo (5.745), Bahia (5.288), Rio de Janeiro (4.193) e Minas Gerais (3.538).

E o Pará, que em 2000 teve taxa de 13 homicídios por 100 mil habitantes, em 2010 teve taxa de 45,9 homicídios por 100 mil habitantes. Perdemos somente para Alagoas (taxa de 66,8) e espírito Santo (50,1). Em 2000 ocupávamos a 21ª no ordenamento de UF por taxas de homicídios. Hoje estamos num honroso (?) terceiro lugar.

No mesmo período, 2000-2010, Belém teve um aumento de 128,9% no número bruto de homicídios. Em 2000 foram 332 vítimas, quase uma por dia. Em 2010, passamos para 760 vítimas, duas por dia. Usando o mesmo critério, número bruto de homicídios, a Zona Metropolitana de Belém teve um aumento de 383,5% nos mesmos 10 anos – só perdemos para a Zona Metropolitana de Salvador, com aumento de 493%.

Somos a oitava capital onde mais se morre de morte violenta, usando-se como critério a taxa de homicídios por mil habitantes (somente para comparar, Rio de Janeiro é a 23ª. São Paulo é a 27ª).

Tudo isso, dados brutos e friso, interpretados em planilhas e relatórios, acabam se revelando de forma cruel na nossa vida por meio do medo. MEDO.

O IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em pesquisa de 2010 na qual perguntava aos entrevistados sobre o grau de medo em relação a serem vítimas de assassinato. O resultado é alarmante: no Brasil, 79% da população têm muito medo de ser assassinada; 18,8% pouco medo; 10,2% manifestou ter nenhum medo. Em outras palavras: oito em cada 10 brasileiros têm muito medo de fazer parte das assustadoras estatísticas acima.

Mas vamos às boas notícias, pois, sim, também temos algumas boas notícias.


O número e taxa de homicídios no Brasil vinham em crescimento constante desde 1970, 13.910 homicídios, com taxa (em 100 mil) de 11,7. Tais números seguiram em franco crescimento até 2003, quando chegaram ao auge, 51.043 homicídios, taxa (em 100 mil) de 28,9. A partir de então, começaram a apresentar pequena queda e relativo equilíbrio até 2010, data do relatório: 49.932 homicídios e taxa de 26,2.

Será isso um bom sinal? Precisamos de um...

domingo, 29 de setembro de 2013

Marcelo, muito prazer.


Desde que voltei a morar neste prédio antigo, fiz amizade com uma velha senhora que sempre encontrei pelo elevador. Primeiro, me chamou atenção sua permanente alegria e bem tratar a todos. Depois, as antigas blusas do Clube do Remo, que vez ou outra ela usava, todas datadas da década de 70 e 80, originais e muito bem conservadas. Entre idas e vindas, nos apresentamos. Ela se apaixonou por Letícia e descobri que não morava aqui, mas sim sua mãe, uma mais velhinha ainda, muito doente, a quem vinha visitar e cuidar todos os dias.

Certa vez nos encontramos no elevador e ela, sempre muito sorridente e educada, me cumprimentou com um “Bom dia, Marcelo.

Bom dia Senhora Dalva , mas meu nome não é Marcelo, é Fernando.

Oh, meu filho, me desculpe... Minha memória anda ruim, ruim, coisas da idade.

Travamos um breve papo, sem maiores constrangimentos, até que chegamos em nossos respectivos andares. Dias depois, novamente nos encontramos na portaria. Ela me deu um forte abraço e um beijo, pegou carinhosamente no meu rosto e perguntou “Marcelo, onde está a princesa Letícia?

Princesa Letícia está lá em cima com a mãe, mas lembre, meu nome não é Marcelo, é Fernando” falei novamente entre risos, para deixar claro que, apesar da troca, não havia gravidade no fato.

Meu filho, me desculpe, mil perdões. Eu sempre troco seu nome. Fernando. Fernando.

Novamente, até os respectivos andares, seguimos em alegre papo.

Faz um mês a encontrei na portaria. Agitada e alegre, veio ao meu encontro dizendo “Marcelo! Marcelo! Meu filho, comprei um presente lindo para a princesa Letícia. Vocês vão adorar. Posso ir mais tarde entregar?

Claro que pode. Quando a senhora quiser, peça ao porteiro para interfonar e suba, vai ser um prazer lhe receber

Já constrangido, preferi não corrigir. Somente avisei ao porteiro, que presenciou tudo: “Quando a Senhora Dalva quiser ir lá em casa, na casa do Marcelo, lembre a ela que me chamo Fernando, não Marcelo, e diga para subir.

Mais tarde ela foi fazer a entrega. Assim que abri a porta, dei de cara com aquele rosto marcado pelo tempo e olhos felizes, muito felizes, e ela logo me deu um abraço e disse: “Marcelo, espero que você e sua esposa gostem do presente.” Novamente, não corrigi.

Foi uma pequena festa a atenção dela com nossa filha, o presente simples, dado com carinho e atenção. Muito bom recebê-la.

Nos últimos dias, diferente de sempre, percebi a Senhora Dalva triste, muito triste...

De relance, em um encontrão no elevador, ela me disse que sua mãe andava doente, que estava internada em estado grave no hospital, que não podia visitá-la sempre, poucos minutos por dia, e que isso vinha fazendo mal às duas. Acho que ela quase começou a chorar, os olhos vermelhos que revelam logo a dor, e, felizmente, chegamos rápido em nossos andares, ou também choraria ali diante de tanta tristeza e medo. Durante muitos dias, sempre que nos encontrávamos no elevador, era sobre a velha mãe que conversávamos, sobre como ela iria melhorar e sair logo do hospital, voltar para casa e ver mais um círio ao lado de toda a família.

As semanas passaram e hoje, depois de algum tempo, voltei a encontrar a Senhora Dalva no elevador. Vinha ela e seus dois filhos, mais sua irmã e o sobrinho. Ela fez festa quando me encontrou. Explicou a eles que eu era o Marcelo, um bom amigo do prédio, alguém com quem podia contar e com quem conversava sobre as mazelas da mãe. Contou que eu tinha uma filha linda, a princesa Letícia, e que ela havia dado um presente para a princesa Letícia, e que ela havia ficado muito feliz por ter presenteado a filha do amigo dela. Disse ainda que eu havia dado força durante a internação da mãe, que agora estava boa e curada, de volta para casa, pronta para o Círio, conforme havia dito. Falava isso enquanto me abraçava carinhosamente, a velha Senhora Dalva, fazendo festa enquanto seus familiares sorriam felizes e me cumprimentavam.

Quando chegamos ao andar em que desceriam, já saindo do elevador seu filho se virou, deu um grande sorriso, apertou minha mão e falou, “Obrigado pela força, amigo... Nem sei como agradecer. Como é mesmo seu nome?

Marcelo, muito prazer.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Duas escovas de dente e um supositório

Tio Flávio era um homem baixinho, altura que sempre foi acompanhada pelo tom da sua voz. Chamá-lo de tio era uma liberdade e tanto diante da nossa relação distante: ele era tio da minha madrasta, que me recuso a descrever como madrasta, pois é minha mãe tanto quanto minha mãe o é.
Tio Flávio eu via pouco, quase somente nas festas de família, e sempre era eu quem lhe dava carona de volta para casa, pois ele dizia que eu dirigia com calma, e ele era um homem calmo, então combinavam, meu dirigir e seu temperamento.
Outra característica de tio Flávio era a forma suave de enfrentar problemas, tudo representado nas diversas histórias que nos faziam gargalhar.
Tio Flávio tinha uma grande casa em Mosqueiro, beira da praia, casa daquelas antigas cheia de quartos e salas, e, justamente por isso, sempre cheia de filhos e amigos de filhos, e primos e amigos de primos, e, algumas vezes, até pessoas que ele nem sabia quem eram, todos recebidos sempre com muito carinho. Em uma dessas vezes, segundo nos contava, pelos seus cálculos estavam hospedadas mais de 40 pessoas entre redes, camas e colchonetes. Acontece que a casa só tinha um grande banheiro de uso comum, imaginem a bagunça que era aquilo, e então, lá pelo meio do dia, alguém reparou que tio Flávio andava pelos longos corredores de camisa social sem mangas e bermuda, com sua escova de dente pendurada no bolso da camisa tal qual fosse uma caneta.
Questionado, a resposta foi simples e certeira:
meu filho, com tanta gente em casa, será que todos trouxeram escova de dente? E eu vou bem deixar a minha escova lá? Melhor ela aqui, pois assim sei que ninguém a usou.”

Isso me fez lembrar de história contada por uma amiga de minha mãe, professora universitária, pessoa muito boa, muito boa mesmo, que certa vez, nos idos de 1970, recebeu em sua casa um senhor vindo de interior muito remoto, meio aparentado, para que fizesse um breve tratamento de saúde em Belém.
A amiga de minha mãe mostrou-lhe o quarto de hóspedes e o banheiro único da casa, deu-lhe uma chave para que tivesse liberdade para exames e consultas, e assim voltou para sua intensa vida acadêmica. Depois da chegada do homem, quando acordava de manhã percebia sua escova de dente úmida, como se tivesse acabado de ser usada, coisa que se repetia depois do almoço e depois do jantar... Até que, em um belo dia, flagrou seu aparentado escovando os dentes com sua escova e então entendeu tudo:
Seu Fulano, essa escova é minha. O senhor tem que usar a sua escova!
Ah, é tem uma escova para cada um? Achava que era que nem vassoura, uma para a casa toda...

E este mesmo senhor, depois de uma consulta médica, recebeu receita pela qual teria de usar supositórios. Ele trouxe a receita para a amiga de minha mãe. que o acompanhou até a farmácia e, juntos, compraram o medicamento. Por achar que ele sabia o que fazer com aquilo, e para evitar o constrangimento que sempre envolve o uso dos supositório, a amiga de minha mãe ficou calada, já tendo feito sua parte.
Dias depois, ao perceber que o homem não melhorava do problema de saúde, muito ao contrário, piorava, a amiga de minha mãe perguntou:
Senhor Fulano, está usando direitinho o remédio que o médico passou, o supositório?
Dona Fulana, eu bem que tentei, mas aquela pílula é muito grande, quase morro engasgado com aquilo. Depois da segunda, desisti.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Sobre adoção

Olhem que coisa bacana foi decidida hoje no STJ: é possível adoção póstuma, mesmo que o processo de adoção não tenha se iniciado em vida. No caso que foi analisado e decidido hoje, a relação foi constituída desde que o adotado tinha somente seis meses de vida. Portanto, devem-se admitir, para comprovação da inequívoca vontade do adotante em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do adotado como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição”, afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi,no que foi seguida pela maioria da Terceira Turma do STJ. A ministra ressaltou que o pedido judicial de adoção, antes do óbito, apenas selaria, com a certeza, qualquer debate que porventura pudesse existir com relação à vontade do adotante.
Em todas as situações sociais, de festas de família, encontros entre amigos e consultas médicas, o adotante informava que a criança era seu filho, o que deixou bem claro aos juízes sua vontade incontestável de adotá-lo, o que, por fim, foi obtido após seu óbito. O processo corre em sigilo judicial por envolver menor, por isso não sei informar o número.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A secura da vida

O motorista da van me parece muito triste.
Apesar de ser educado com todos, ajudando no que pode, é clara sua secura diante de qualquer alegria que lhe pareça pelo caminho. Vai calado a maior parte do tempo, olhos atentos na estrada árida que continua a se revelar após cada curva, alerta aos braços estendidos quase que pedindo socorro, pedindo carona, sob o sol inclemente do norte do Tocantins.
As mãos calejadas de quem vive na estrada.
Partimos da Araguaína, TO, com destino a Conceição do Araguaia, sul do Pará, em viagem prevista para durar cerca de 4 horas, duração incerta diante de tanta precariedade que existe por ali.
Messias (nome fictício), aos poucos vai me revelando história tão sem cor quanto o cinza constante da estrada que nos faz companhia sem fim. Nasceu no sudeste do Brasil e casou cedo, um casamento em que havia amor e sempre vontade de estar perto. Tiveram três filhos e viviam felizes em uma pequena cidade, até que o filho mais velho teimou montar em cavalo. O pai deixou, e, obra cruel do destino, houve logo uma queda que lhe quebrou o pescoço. Como reflexo, sua morte prematura ainda acabou com o casamento dos pais, a mulher que agora culpava o marido pela perda sempre lamentada. Depois de alguma tentativa e muita rejeição, aceitou o que pedia a esposa e foi-se embora para canto qualquer que fosse distante, e nisso deixou para trás o amor que teve um dia e duas filhas que numa mais viu.
Foi tentar a sorte em Palmas, capital do Tocantins, trabalho árduo de sempre estar com pressa e correndo de um lado para o outro. Messias era o apoio de motoristas de micro-ônibus e vans, todos de pequenas cooperativas, que, não podendo ser onipresentes, dependiam dele e de seus carros para distribuir os passageiros pelos grotões mais distantes da cidade. Com um celta e uma Kombi, mais ajuda de um motorista contratado, apanhava as pessoas na entrada da cidade e as levava para o aeroporto ou rodoviária, ou qualquer outro local que fugisse à comodidade dos vanzeiros já cansados.
Estrada que não tem fim.
Em Palmas, Messias casou de novo. Teve mais duas filhas e seguia firme na tentativa de sobreviver ao final do mês, mas não tinha horário nem desculpas, sempre pronto aos chamados de apoio aos quais não podia recusar.
Seguia nessa vida até que se cansou de tudo, mais o casamento que acabou, a tristeza da perda do filho que o perseguia e uma briga com seu motorista, e por tudo isso decidiu vender o que tinha e rumar mais ao norte, o boato de que havia necessidade de transporte entre Araguaína e Conceição do Araguaia, rota boa, cheia de gente esperando na secura da estrada de sol quente de sempre.
Conseguiu uma van de segunda mão, carro ainda bom e que cabia no seu bolso. Em Araguaína, se juntou a uma cooperativa na qual tinha amigos e começou a dividir rotas e horários. Por lá foi tudo tranqüilo, os serviços do grupo que o favoreciam com guichê, funcionários e resolução de burocracia.

Em Conceição foi diferente.
Começa que e a cooperativa só tinha autorização para fazer rotas estaduais, atravessar o rio Araguaia em direção ao Pará não podia. Em tese, ele só poderia ir até Couto Magalhães, última cidade tocantinese antes da fronteira. Ocorre que o grosso do povo estava em Conceição, então havia duas opções: atravessar na ilegalidade ou morrer de fome.
Conceição foi só dureza.
A vida da família regulada pela vinda da van.
Sozinho, sem ajuda da cooperativa do Tocantins, teve que procurar, alugar e reformar um local que é, em tudo, tudo para aquele homem: garagem para a van, oficina, venda de passagens, despacho de mercadoria e casa, mas casa, neste contexto, é algo bem diferente do que conhecemos. Casa, para Messias, é varrer o chão para tirar o grosso da poeira do salão onde muitos andam durante o dia, apagar as luzes e dormir em um colchonete fino que acaba com suas costas.
Pior do que isso, foram os concorrentes, eles também ilegais no Tocantins, eis que só podiam rodar dentro do Pará, mas de olho na rota de Messias, que começaram lançando boatos terríveis de que era ruim motorista, de que já havia mesmo sofrido acidente com vítimas fatais. Ao perceberem que a necessidade de ir era maior do que o medo incutido, e que os passageiros continuavam a seguir com aquele homem, começaram a atazaná-lo com multas e fiscalizações constantes que tiravam, dia após dia, o pouco do lucro que surgia.
A poeira toma conta de muita coisa, de quase tudo, ao redor da estrada,
mesmo com tanta água bem ao lado.
Para isso a solução foi simples, uma conversa franca com o fiscal resolveu o assunto: “Eles te pagam? Se sim, deixa eu te pagar também e me deixas em paz. Recebe deles e recebe de mim, mas me deixa em paz.” Então, o fiscal ganha de lá, e diz que atazana, mas também ganha daqui, e acabou virando tranqüilidade na vida de Messias.
Após alguns anos na rota Conceição-Araguaína-Conceição, ele diz que finalmente tem paz, se é que pode se chamar de paz a secura de sua vida. Aos 57 anos, diz que tem medo de jogar futebol no final de semana, ou mesmo fazer alguma coisa mais arriscada, pois, para ele, ficar doente por cinco dias significa cinco dias sem ganhar dinheiro. Certa vez, no futebol, quase torceu uma perna e então percebeu a gravidade que era se divertir. Teve medo e hoje prefere qualquer coisa onde não possa se machucar.
Leva vida bem regrada, sem qualquer mudança de rotina. Acorda todos os dias às 06:00 para verificar o carro e encher o tanque. Depois, das 07:00 em diante, até a hora da saída de Conceição, ficar arrumando malas e caixas e acomodando os passageiros.
Chega em Araguaína, 232 km depois, por volta de meio dia, se não houver sobressaltos. Almoça rápido, sempre pouca coisa, e novamente verifica o carro já se preparando para o retorno ao Pará, marcada para 16:00.
Chega novamente em Conceição já com a noite caída, perto de 20:00, e, até desembarcar todos os passageiros, diz que chega no ponto às 21:00, hora justa para arrumar o que tiver de pendência, tomar banho e sair para comer um churrasquinho na rua, tudo bem rapidinho, pois tem que estar dormindo antes das 22:00.
Mesmo quando a estrada é boa tudo treme em buraco
ou remendo que seja.
Apesar de não ser bonito, castigado pela poeira da estrada e pelo tempo, Messias diz que toda a noite tem uma mulher “enchendo o saco” na porta do ponto querendo diversão, todas achando que ele tem muito dinheiro, o homem que tem um ponto de van e um carro que dá grana fácil todos os dias.
O dinheiro... Bem, esse vai quase todo para as filhas do primeiro casamento, a quem insiste em enviar mesada mesmo que estejam casadas e já tenham lhe dado cinco netos, mais as filhas que moram em Palmas e que ainda precisam de tudo para estudar e viver e crescer.
O que resta, diz ele, é tanta miudeza, tão pouca coisa, ainda mais diante das muitas contas inesperadas que surgem a cada dia, uma simples peça quebrada que pode significar o lucro de uma semana toda e um final de mês no vermelho.
Messias diz que nunca sofreu assalto nas estradas do Tocantins, mas já sentiu que não devia parar para determinado passageiro, ele que conhece cada boca de entrada de fazenda ou sítio, e chama muitos dos que pedem carona pelo nome, sabendo mesmo quem são, o que fazem ou o motivo da viagem.

Olhar perdido na beleza do Araguaía
Certa vez, diz que foi Deus, pressentiu que um homem desconhecido estava armado, e, quando fitou melhor a figura, pode ver a arma em volume feito por sobre a blusa. Há o medo, mas também a sorte de não rodar no Pará, onde motorista amigo seu já morreu torturado por bandido, onde vans e ônibus são parados a bala quase toda a semana.
Perto do fim da viagem, pergunto se não teme fiscalização dos órgãos competentes, ao que ri e me explica como acontece: “o pessoal estadual vem de vez em quando, mas é galho fraco. Perigo mesmo é o povo da agência federal, porque a multa é grande. Quando é assim, logo avisam e a gente entoca o carro onde der, larga passageiro onde der e fica ali escondido pelo tempo que for.
E a família? Quando o senhor a vê?
As meninas do sudeste, nunca. Lembra do menino perdido e fica triste, prefere ficar aqui onde consegue esquecer. Já as meninas de Palmas, vez ou outra consegue vê-las quando vai à capital resolver alguma pendência do carro, tudo sempre rápido, só de passagem, pois a ex-mulher tem a vida dela e ele não gosta de atrapalhar.
A estrada é democrática. Velho ou novo, a vida de todos passa por ali.
No dia dessa viagem sou o único passageiro de um trajeto que certamente dará prejuízo. Somente o tanque cheio do dia sai por uns 150 reais - e minha passagem nem chega a 50. Ao longo do caminho vão surgindo mais pessoas, trajetos diferentes, menores em sua grande maioria, mas dinheiro pouco que faz toda a diferença para aquele homem. Explica-me que, se no final dia conseguir 200 reais, certamente pode considerar esse dia como ganho. Paga o tanque de combustível, paga seu jantar, paga algumas das despesas fixas e ainda sobram uns trocados para a reserva que tenta sempre ter em mãos.
Nem sempre isso acontece, isso que nem é tanta coisa: muitas vezes pega a estrada sozinho, sem nenhum passageiro na van, e ainda acontece de pegar pouca gente no asfalto. Quando é assim, mesmo na certeza do prejuízo, tem que sair: “Primeiro, esse povo conta comigo. Faz anos que saio sempre nestes horários, então tem gente que regula toda sua vida pela minha passagem. Segundo, tem muito urubu querendo a minha rota. Se eles passam antes, quem sempre me espera fica lá, firme, faça chuva ou faça sol, sabendo que eu vou chegar. Mas, se eu falhar um dia que seja, deixam de confiar e acabam pegando a outra van. Aí eu perco tudo.
O Araguáia
Ali tudo é incerteza, nada costuma ser igual ao dia que passou. A única coisa que nunca muda são as curvas da estrada, sempre as mesmas, já quase decoradas na cabeça daquele homem.
Dias próximos de feriados, final de ano e suas festas, meses de julho e agosto, são os meses de trabalhar como um robô e fazer o dinheiro que der, época de investir no carro e pagar o que estiver atrasado. Segundo me conta, nestes dias os passageiros fazem fila nos terminais e pontos de estrada, uma pressão tão grande por partir que, não raro, acaba em briga apartada pela polícia.
Nos outros meses, quase a maioria do ano, segue a seca de venda de passagens e a queima do que se guardou nos meses de bonança. Nesse vai e vem, me conta, não sabe se terá dinheiro para trocar aquele carro que, visivelmente, está se acabando entre o pó da rota diária. E se fosse somente essa a incerteza...
Tanta secura onde há tanta fartura de tudo.

Messias resume bem o povo que vive ali, pequenas tristezas que se perdem na vista e somem diante da beleza indescritível do Araguaía, securas de vida que fazem surgir pessoas duras e forjadas no trabalho, a necessidade de viver e sobreviver, ainda mais diante de tanto esquecimento e descasos de quem é oficial.
Olhares perdidos na balsa entre Xambioá e São Geraldo resumem tudo: mesmo diante de tanta beleza, a testa não deixa de demonstrar preocupação e a dureza da vida que os ronda.

domingo, 22 de setembro de 2013

Outra do Besta

Voltando de viagem, cansado e fora de casa fazia cinco dias, já chegava na Praça da República por volta das 12:30 quando pego um senhor engarrafamento na Tiradentes, tudo parado por conta do sinal. 

Eu e o taxista já sem assunto, aquele clima sem graça no ar, quando nossa fila anda um pouco mais e avançamos. 

Nessa história de avançar, vejo que passamos por um carro idêntico ao da minha mãe, inclusive, com minha mãe dentro. Como ela também é minha vizinha, além de mãe, nada assustador encontrá-la na rua que vai para casa.

Comento tal fato com o taxista:

- Olha, é minha mãe aqui ao lado! Ela nem deve saber que voltei de viagem.

O taxista responde com um sorriso feliz diante da coincidência, o que faz surgir um personagem até então escondido no carro: o Besta.

O Besta diz:

- Já sei, vamos fazer uma surpresa para minha mãe. Estamos uns três carros adiante, então vá atrasando o trânsito até emparelharmos...

E o taxista, gente boa, boa-fé, começou a atravancar o fluxo de propósito para ficar bem ao lado do carro da mãezinha do Besta, feliz por promover um encontro familiar tão inesperado.

Carros buzinando, todos com pressa para chegar onde deviam, e aquele homem lerdando no meio da pista, sorriso bobo no rosto, pronto para fazer uma boa ação.

Com somente um carro de diferença, o Besta diz:

- Acho que já dá para ela me ver.

Enquanto escutava buzinas e mais reclamações, o Besta abre a janela e coloca os braços para fora dando tchau, com seu sorriso mais bobo-besta-emocionado pelo encontro materno.

- Mãe!!! MÃE!!! MÃAAAAE...

Nem lhe deu bola a mãe, então volta para dentro cabisbaixo e o taxista o consola:

- Calma, Dr., ela ainda está longe. Deixa chegar mais perto e o senhor tenta novamente.

Menos de meio carro de diferença, novamente o corpo para fora chamando atenção da saudosa mãezinha, mas nada ainda. Grita mais alto e nada. Faz mais adeus com os braços e nada.

Então, a fila do lado anda e o carro da mãe fica bem ao lado do Besta, janela com janela.

Taxista e passageiro se olham com cumplicidade. Agora sim, ela vai ver.

Corpo quase todo para fora, mãos a quase tocar no vidro do carro ao lado e taxista buzinando em ritmo de comemoração de final da Copa.

Na calçada, duas senhoras param para ver a cena. No carro da mãe, nenhum sinal de terem percebido o Besta, então, num último esforço, ele se estica e faz um toc toc na janela da motorista.

Felicidade. FELICIDADE.
A mãe o percebe e começa a abrir o vidro.

Alegria realizada, finalmente, a não ser por um pequeno detalhe: não era a mãe.

Era alguém muito parecida com a mãe, num carro igual ao da mãe e na rua onde a mãe mora, mas não era a mãe.

O que restava fazer com a assustada mulher que lhe encarava de forma inquisidora naquele engarrafamento?

- Desculpa senhora... Achei que fosse minha mãe.

Visivelmente braba, o Besta ainda pôde escutar um "tá doido..." enquanto a mulher, agora ex-sua mãe, fechava o vidro na sua cara.

De volta ao taxi, clima de total constrangimento somente quebrado pelo seguinte diálogo:

- O senhor está fora de casa faz tempo?

- Estou fora faz uns cinco dias, mas vejo minha mãe sempre...

- E daz tempo que não vê sua mãe?

- Desculpa, amigo, mas ela era tão parecida que realmente confundi. Incrível. Desculpe.

- O problema, Dr., é que o senhor não deve ser nada parecido com o filho daquela senhora. Só isso.

Sábio taxista.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Eis o Besta


Entro no elevador e aperto no meu andar. Dentro estavam três pessoas somente, contando comigo. Uma delas era a moradora do 14º andar, logo a reconheci, e como não vi outro andar marcado no painel, somente o meu e o 14º, pressupus que a terceira passageira fosse a mãe da moradora do 14º andar que, como já disse, reconheci.
Uma informação sobre a família do 14º andar – são pessoas muito carinhosas e educadas. Sempre vejo a filha acompanhando o pai, e vejo que existe um clima muito bom de companheirismo e amor entre eles. Só vi a mãe uma única vez, mas, realmente, não prestei atenção na sua fisionomia.
Como a menina do 14º andar estava bem ao lado da mulher, a terceira passageira, e como não havia nenhum outro andar marcado no painel, ou assim eu achava, lógico supor que aquela era a mãe da menina do 14º andar.
E, como eles sempre puxam papo comigo, puxei papo com ela, a suposta mãe. Papo vai, papo vem, o elevador para no 8º andar e a mulher, suposta mãe, começa a sair.
Na minha cabeça acendeu o alerta – ELA VAI DESCER NO ANDAR ERRADO. SALVE-A, FLIPER.
Nesta hora surge o quarto passageiro que estava, até então, escondido, esperando o momento certo para se revelar – o Besta.
O Besta então olhou para a mulher, com sua melhor cara de besta, e olhou para a suposta filha, ainda com sua exemplar cara de besta, avisando com o olhar desesperado que a suposta mãe estava descendo no andar errado.
O Besta olhou para a suposta filha pedindo socorro com os olhos – EI, EI, SUA MÃEZINHA ESTÁ DESCENDO NO ANDAR ERRADO. NÃO PERMITA.
E como ninguém fazia nada, nem a suposta mãe que descia no andar errado, nem a suposta filha, apática diante do suposto erro, o Besta resolveu fazer melhor e falou.
- A senhora está descendo no andar errado, minha senhora.
- Não, esse é o meu andar...
Já comovido com aquela mulher completamente enganada por seus sentidos, o Besta ainda colocou de forma educada a mão no braço da mulher e disse, bem carinhoso, como se falasse com um bobo teimoso:
- Não, esse é o 8º andar e a senhora mora no 14º andar.
- Não, meu querido, eu sempre morei no 8º andar.
Diante da mulher que só podia estar fora de si, o Besta ainda virou para a suposta filha, que olhava tudo sem entender nada, e disse:
- Sua mãe está descendo no andar errado.
E a suposta mãe, já com seu pior olhar piedoso, responde ao Besta.
- Também nunca fui mãe dela – e fechou a porta.
Clima de velório no elevador...
Visivelmente assustada, quem sabe trancada naquele cubículo à mercê de um perigoso doido, a suposta filha fitava o Besta meio temerosa, com as costas grudadas na cabina.
- Desculpa, eu realmente achei que era sua mãe.
- Nem de longe ela parece minha mãe.
Aí o besta achou melhor se calar, chegar em casa, fechar as janelas, passar uma semana trancado, fazer as malas e se mudar na calada da noite, escondido, ainda mais agora que os vizinhos devem estar achando que ele faz o combo drogado/babum/perturbado/retard.
Desculpem, vizinhos.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Enquanto isso, no interior do Pará...

A chegada assusta.

Cerca de 20 homens fortemente armados com metralhadoras, fuzis, pistolas e revólveres, entre PMs e agentes da Susipe, todos tensos, descem de um Gol prata e um Fiat Stylo vermelho descaracterizados que acompanham o camburão. Do lado de fora, mais um Gol preto, igualmente descaracterizado, com mais quatro PMs.

As ruas ao redor do forum são completamente isoladas com cones, cordas e barreiras de metal e madeira: ninguém entra e ninguém passa, e acho mesmo que ninguém quer chegar perto do perigoso circo. Em cada um dos muros laterais do se posiciona um PM armado com fuzil, pronto para qualquer coisa e em constante atenção. Nas poucas e miseráveis casas que ficam em frente, muitos curiosos se debruçam nas janelas para ver o espetáculo.

No pátio de entrada do forum, amigos e familiares dos presos esperam por horas na esperança de ver e falar, mesmo que de longe, com aqueles que há muito estão afastados do convívio diário por conta do crime. Além deles, lá estão também as testemunhas e advogados dos réus presos, em um canto mais distante conversando em voz baixa.

O clima é tenso e não poderia ser diferente: dentro do camburão está parte do bando que entrou armado em Garrafão do Norte, cidade pequena no fim da linha de uma estrada, e a fez refém. Buscavam assaltar um posto bancário e conseguiram parar a cidade com tanta bala que dispararam. O bando que é capaz de tal ousadia pode muito bem providenciar tentativa de resgate igualmente violenta e absurda.

O assalto ao Posto Bancário foi em fevereiro de 2010, por volta de 08 h 30 min. Os assaltantes não pediram para entrar, simplesmente explodiram a porta giratória da entrada com tiros de escopeta e pistola. Já dentro, distribuíram farta munição em todas as direções. Entre gritos e palavrãos, o teto e as paredes foram crivados de balas, além de móveis e pessoas, marcas que ainda permanecem no local de forma incômoda, e na memória das cicatrizes.

No final, pegaram as armas dos vigilantes, mais 150 mil reais, e ameaçaram todos de morte caso tentassem alguma coisa. Sairam atirando a esmo no meio da rua, na Praça da Prefeitura cheia de gente, para intimidar qualquer possibilidade de perseguição ou reação. Foi um corre corre geral, cada qual querendo se esconder o mais distante possível, e assim conseguiram fugir com os reféns expostos na caçamba da caminhonete.

Fizeram o coordenador do posto, mais dois segurança de reféns, e rodaram com eles por cerca de 20 minutos. No final, aterrorizados, os coitados foram largados em uma das marginais da estrada de Capitão Poço. Finalizaram com um "agradecimento" ao bancário: "o senhor é um cara bacana. A gente ia ontem na sua casa pegar sua mulher e sua filha, mas preferiu vir aqui fazer o serviço."

...

Só de lembrar ele treme, diz que fica nervoso e que não entende como ser bancário no interior do Estado se tornou tão perigoso.

Após 37 anos em serviço entre Capitão Poço, Xinguara, Redenção e Garrafão, ele conclui: "Só recentemente percebi que há algo estranho no meu ouvido. Ele zumbe em algumas ocasiões. Foi culpa desses caras: me apressando para tirar o dinheiro do cofre deram um tiro bem do lado do meu ouvido, só para intimidar. Eu achei que tinha sido atingido a queima roupa..."

...

- O que devo falar?
- Eles vão te perguntar sobre o assalto. Se souber, responde. Se não souber, não tenha vergonha e diga claramente 'não sei'. Se tiver dúvidas, diga isso ao juiz antes de qualquer resposta.

...

Segundo o funcionário, quando é lançado alerta vermelho de assalto, a PM ajuda muito. Algumas vezes, quando podem, providenciam escolta entre Capitão Poço e Garrafão. Ou então, colocam uma viatura na frente do posto. Não dá para fazer sempre assim, a PM que acaba resolvendo quase todo o tipo de bronca nesses interiores, e mesmo que se providencie escolta entre as cidades, e mesmo que se plante uma viatura em frente ao posto, existe a certeza de que um novo assalto vai acontecer, isso é certo, faltando responder somente o quando.

...

- E sua casa, tem algum esquema especial?
- Meu esquema é Deus, só Deus! Não tenho como pagar vigilância e nem o Banco pode pagar para todos seus funcionários. Também não quero a possibilidade de tiroteio em casa, um vigilante contra assaltantes e minha família no meio. Se eles vierem, e eu sei que essa chance existe, que venham em paz, façam o que precisam e partam sem confusão.

...

- Na noite anterior ao assalto, percebi a S-10 preta me seguindo. Foi o mesmo carro usado no dia seguinte. De noite, quando percebi que havia algo estranho, liguei para minha esposa e disse: 'quando vir meu carro embocar na rua, abre o portão bem rápido e assim que eu entrar feche mais rápido ainda.' Chegando na frente de casa fiz uma curva fechada e entrei com velocidade. Minha mulher estava assustada, sem entender nada, e ainda percebeu o carro preto no início da rua já dando a volta. Ela me pediu cuidado e quase não dormiu de noite.

...

A audiência começa na Sala do Juri: além dos advogados, juiz, promotor e serventuários da justiça, oito PMs e dois agentes da Susipe. Em seguida entram as testemunhas de acusação, todos muito assustados, e logo se sentam no local pré-determinado na plateia. Para a leitura da denúncia, entram os cinco réus em fila indiana e fortemente algemados, em uniformes azuis e laranjas quase sem cor. Os agentes de segurança, de forma instintiva, levam as mãos às armas e redobram a atenção. As testemunhas, que estão ali com o dever de incriminá-los, abaixam as cabeças intimidados e ficam em silêncio.

A leitura da denúncia é maçante e cheia de informações minuciosamente colhidas durante quase um ano. Quase ninguém presta atenção, até porque os que deveriam tirar algo de importante dali já a conhecem de cor e salteado.

...

No final, testemunho prestado, todos se sentem aliviados com o término do terror: os presos voltam a ser colocados no camburão, mas ainda conseguem enviar sorrisos e beijos aos parentes que choram de saudade, e que esperavam desde tão cedo na parte de fora do forum.

Em seguida, forma-se a fila de carros caracterizados, carros descaracterizados, todos os homens armados em estado total de atenção, o medo constante de um resgate que provavelmente pode significa a vida de todos - até mesmo dos bandidos, eis que nunca se pode excluir uma queima de arquivo.

Levantadas as barreiras postas no meio da cidade, tudo parece voltar ao normal, inclusive o medo, quase certeza, de que não demorara muito para que o terror volte a se instalar, mais uma quadrilha ousada em busca de riqueza fácil num bangue bangue urbano.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Sobre Cura Gay


O médico Carl Vaernet, o Marco Feliciano do Nazismo
O que mais assusta no surgimento da Cura Gay é justamente o fato de ser o ressurgimento da Cura Gay. Não achem vocês que a brilhante ideia é original, algo inovador saído da cabeça do deputado federal João Campos do PSDB de Goiânia e acompanhado bem de pertinho pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o Feliciano.

Não… A coisa é antiga e eles tiveram bons professores nas aulas de infâmia.

O medico dinamarquês Carl Vaernet, conhecido como Matador de Gays, comandou no campo de concentração de Buchenwald algumas das experiências com cobaias humanas mais insanas de que se tem notícia.
O triângulo rosa marcava os homossexuais nos
campos de concentração 
Ele achava que a homossexualidade tinha “cura” e usou prisioneiros para tentar provar sua tese. A maioria das vítimas apenas recebia uma injeção com coquetel de hormônios no escroto, mas ao menos 17 chegaram a ter glândula artifical implantada sob a pela – e existem relatos de que alguns tenham sido capados.

O resultado da Cura Gay nazista:
o que aprendemos com isso, Feliciano?
Nenhuma das cobaias de Vaernet teve sua homossexualidade “curada”, é óbvio. Na verdade, praticamente todas morreram em decorrência de complicações pós-operatórias e severas infecções.