Desde que voltei a morar neste prédio antigo, fiz amizade
com uma velha senhora que sempre encontrei pelo elevador. Primeiro, me chamou
atenção sua permanente alegria e bem tratar a todos. Depois, as antigas blusas
do Clube do Remo, que vez ou outra ela usava, todas datadas da década de 70 e
80, originais e muito bem conservadas. Entre idas e vindas, nos
apresentamos. Ela se apaixonou por Letícia e descobri que não morava aqui,
mas sim sua mãe, uma mais velhinha ainda, muito doente, a quem vinha visitar e cuidar todos
os dias.
Certa vez nos encontramos no elevador e ela, sempre
muito sorridente e educada, me cumprimentou com um “Bom dia, Marcelo.”
“Bom dia Senhora Dalva
, mas meu nome não é Marcelo, é Fernando.”
“Oh, meu filho, me
desculpe... Minha memória anda ruim, ruim, coisas da idade.”
Travamos um breve papo, sem maiores constrangimentos, até que chegamos em nossos
respectivos andares. Dias depois, novamente nos encontramos na portaria. Ela me
deu um forte abraço e um beijo, pegou carinhosamente no meu rosto e perguntou “Marcelo, onde está a princesa Letícia?”
“Princesa Letícia
está lá em cima com a mãe, mas lembre, meu nome não é Marcelo, é Fernando” falei
novamente entre risos, para deixar claro que, apesar da troca, não havia
gravidade no fato.
“Meu filho, me desculpe,
mil perdões. Eu sempre troco seu nome. Fernando. Fernando.”
Novamente, até os respectivos andares, seguimos em alegre
papo.
Faz um mês a encontrei na portaria. Agitada e
alegre, veio ao meu encontro dizendo “Marcelo! Marcelo! Meu filho, comprei um presente lindo para a princesa
Letícia. Vocês vão adorar. Posso ir mais tarde entregar?”
“Claro que pode.
Quando a senhora quiser, peça ao porteiro para interfonar e suba, vai ser um
prazer lhe receber”
Já constrangido, preferi não corrigir. Somente avisei ao
porteiro, que presenciou tudo: “Quando
a Senhora Dalva quiser ir lá em casa, na casa do Marcelo, lembre a ela que me
chamo Fernando, não Marcelo, e diga para subir.”
Mais tarde ela foi fazer a entrega. Assim que abri a
porta, dei de cara com aquele rosto marcado pelo tempo e olhos felizes, muito
felizes, e ela logo me deu um abraço e disse: “Marcelo, espero que você e sua esposa gostem do presente.” Novamente, não corrigi.
Foi uma pequena festa a atenção dela com nossa filha, o presente simples, dado com carinho e atenção. Muito bom recebê-la.
Foi uma pequena festa a atenção dela com nossa filha, o presente simples, dado com carinho e atenção. Muito bom recebê-la.
Nos últimos dias, diferente de sempre, percebi a
Senhora Dalva triste, muito triste...
De relance, em um encontrão no elevador, ela me disse que
sua mãe andava doente, que estava internada em estado grave no hospital, que não podia visitá-la sempre, poucos minutos por dia, e que isso vinha fazendo
mal às duas. Acho que ela quase começou a chorar, os olhos vermelhos que
revelam logo a dor, e, felizmente, chegamos rápido em nossos andares, ou também
choraria ali diante de tanta tristeza e medo. Durante muitos dias, sempre que nos encontrávamos no
elevador, era sobre a velha mãe que conversávamos, sobre como ela iria melhorar
e sair logo do hospital, voltar para casa e ver mais um círio ao lado de toda a
família.
As semanas passaram e hoje, depois de algum tempo, voltei a
encontrar a Senhora Dalva no elevador. Vinha ela e seus dois filhos, mais sua irmã e o
sobrinho. Ela fez festa quando me encontrou. Explicou a eles que eu era o
Marcelo, um bom amigo do prédio, alguém com quem podia contar e com quem conversava sobre as mazelas da mãe. Contou que eu tinha uma filha linda, a
princesa Letícia, e que ela havia dado um presente para a princesa Letícia, e
que ela havia ficado muito feliz por ter presenteado a filha do amigo dela.
Disse ainda que eu havia dado força durante a internação da mãe, que
agora estava boa e curada, de volta para casa, pronta para o Círio, conforme havia dito. Falava isso enquanto me abraçava carinhosamente, a velha Senhora Dalva,
fazendo festa enquanto seus familiares sorriam felizes e
me cumprimentavam.
Quando chegamos ao andar em que desceriam, já saindo do
elevador seu filho se virou, deu um grande sorriso, apertou minha mão e falou, “Obrigado pela força, amigo... Nem sei como
agradecer. Como é mesmo seu nome?”
“Marcelo, muito
prazer.”
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