*Texto publicado originalmente no Muita Pimenta em 19/11/2010.
De repente o mundo parece estar contra você.
De manhã, o trânsito absurdo e a briga por estacionamento. No trabalho, cobranças desnecessárias e desgaste com pessoas que você vê todo dia. No meio da tarde, do nada, toca o celular e sua mãe que não está tendo um bom dia, resolve estragar o seu também. Na hora de voltar para casa, com fome e sono, todos os carros na pista parecem atraídos pelo seu veículo num festival de total ignorância as regras de trânsito. Já na frente de sua casa você descobre que o problema de estacionamento é universal. Então você acaba parando longe, muito longe…
O que fazer para relaxar?
Quem sabe ir andando até a praça e correr um pouco, ficar em forma e espairecer as idéias? Era uma excelente idéia até o momento em que um motorista de ônibus resolve furar o sinal vermelho e quase te atropela em plena faixa de pedestre. Mas não, ainda não foi desta vez. O motorista erra por pouco e vai embora, some por entre as ruas escuras da cidade. A ti, resta o nervosismo e o estresse, tudo estourando como bomba de 1000 megatons no peito, a cabeça que gira por conta da raiva e do sentimento de impotência.
Quando foi a última vez que você se sentiu assim (fora todos os dias anteriores com a mesma rotina)?
Talvez tenha sido naquele fatídico dia em que, no colégio, grudaram um cartaz dizendo “chute-me” nas suas costas. Você nem percebeu a graça, não é? Só foi notar que havia algo de errado quando levou o terceiro golpe por nada…
O nosso maior problema é achar que o mundo está contra nós, que as pessoas acordam, se banham, tomam café e saem de casa com um único objetivo – destruir seu dia e, quem sabe, sua vida.
Na nossa cabeça, ao final de um dia com rotina igual ou mais radical que este, só restaria uma verdade: O problema é comigo.
Surgem várias teses, desde a divina (estou pagando por meus pecados) até a da desistência e do falso desapego (vou embora, vou partir desse lugar, deixar tudo e ser feliz).
A verdade, meu amigo, é bem menos egocêntrica.
A geometria da vida é cruel com todos, quase sem exceção (ficam de fora as crianças que ainda podem assistir toda a Sessão da Tarde sem perturbação).
Aqueles que você encara como seus inimigos na hora da procura por uma vaga te olham da mesma forma. Ninguém quer realmente prejudicar ninguém. Todos querem, somente, largar seus carros e correr para seus trabalhos maçantes.
Da mesma forma, aqueles com quem você discute no trabalho estão tão cansados quanto você. Todos querem uma semana de folga surpresa (de preferência com uma viagem para a Martinica com tudo pago) e um salário um pouco melhor.
Também é assim com aqueles que te trancam na rua. Eles podem simplesmente estar com sono ou se defendendo de outros motoristas (e com isso não quero livrar a cara dos que realmente são barbeiros).
E a mãe… Bem… Quem consegue explicar as mães? Ela pode ter tido um dia duro ou estar irritada com a empregada que não apareceu, com a filha que não estuda, com a máquina que quebrou e não lava mais nada. Tantas coisas.
Agora chegamos na parte crucial: e o motorista de ônibus que furou o sinal e quase te matou? O que justifica?
Eu te diria: o cara ganha pouco, deve ter os mesmos problemas que eu (ou mais problemas), passa o dia dirigindo um veículo enorme, pesado, quente e cheio de gente que na maioria das vezes reclama do serviço prestado. Isso sem pensar aonde ele deve morar, o quão distante e longo será o trajeto de volta para casa, ele já no limite de suas forças após um dia dirigindo no trânsito doido da cidade.
Quer ir mais fundo? O cara ainda vai estacionar aquele monstrengo na garagem da empresa, prestar contas ao patrão, lavar o veículo… e tomara que não tenha vômito no chão pois é ele mesmo quem vai limpar.
Sinceramente, não creio que justamente aquele motorista seja o menino de quem você roubou bolinhas de gude na infância e que prometeu se vingar um dia.
Tento ver somente um homem cansado e esgotado, obrigado a cumprir horário de chegada e doido para que o dia acabe. De repente, quem sabe, ele nem mesmo te viu. Se tivesse visto, certamente não teria avançado.
Meu ponto de vista? O mundo não está contra você e nem há uma placa escrito “chute-me” grudada nas suas costas. O mundo é simplesmente um local difícil de se viver e nem todos sabem como lidar com isso.
Pense nisso da próxima vez que sair a rua e depois me diga se as coisas ficaram um pouco melhores.Enquanto isso nos resta ter paciência e lembrar sempre que o mundo é um local difícil para todos.
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