sexta-feira, 26 de março de 2010

Conheçam Irena Sendler

Confesso que até semana passada não tinha lido nem escutado falar de Irena Sendler. Foi então que a Nicole Fialho me enviou e-mail relatando fatos da vida desta polonesa, e era tanta bravura, tanta coragem e humanidade em uma pessoa só, que tive dificuldade em crer que aquilo pudesse ser verdade. Como poderia uma mulher ter feito tanto e ser uma quase desconhecida? Incrédulo, me bastou uma rápida googada para verificar que as informações eram verdadeiras e, quanto mais lia, mais ficava impressionado com a coragem dessa personagem quase inimaginável.

Irena Sendler

Irena Sendler, nascida em 15 de fevereiro de 1910, era enfermeira do Departamento de Bem Estar Social de Varsóvia quando a Alemanha nazista invadiu a Polônia em 1939. Varsóvia era, naquela época, a capital judia da Europa com cerca de 350 mil judeus, alvo certeiro à sanha genocida de Hitler e seus seguidores. Durante os anos tenebrosos de ocupação, Irena Sendler ajudou como pôde, sem distinção de credo ou raça, a todos que necessitassem de auxílio.

Em 1942 os nazistas criaram o que viria a ser chamado de Gueto de Varsóvia, um emaranhado de prédios sujos e infestado de pragas onde os judeus "pernoitavam" antes da decida derradeira ao inferno. O plano era mantê-los ali, à mercê do frio, da fome e de doenças, forma cruel e desumana de tentar diminuir a "demanda" rumo aos Campos da Morte.

Gueto de Varsóvia

Diante disso, Irena Sendler não se conteve e procurou novas formas de ajudar os que mais precisavam: obteve junto aos órgãos sanitários autorização que lhe dava acesso ao Gueto e começou trabalho de prevenção de epidemias - os alemães, apesar de desejarem a morte de judeus por conta das doenças, tinham pavor de que possíveis epidemias saíssem de controle e acabassem por atingir os poloneses não-judeus e os membros do exército nazista.

Irena Sendler foi trabalhar no local mais perigoso e insalubre da Varsóvia e, como forma de solidariedade ao povo judeu, ao caminhar por entre os condenados, ostentava a mesma estrela de David que os marcava. Dentro do Gueto, Irena Sendler elegeu como sua missão salvar os mais vulneráveis à barbárie: as crianças.

Crianças judias no Gueto de Varsóvia

Assim, pôs-se em contato com famílias e entidades de fora do Gueto que aceitassem receber e proteger os pequenos judeus que seriam retirados de forma clandestina. Ao mesmo tempo, começou a propor às famílias a idéia. A pergunta que mais escutou foi: "Pode prometer que meu filho viverá?". Irena Sendler pensava: "O que podia prometer quando nem sequer sabia se eu conseguiria sair viva do Gueto". A única certeza era que permanecer ali significaria morte certa para todos, por algo que tinha de ser feito urgentemente.


E foi assim que, ao longo de um ano e meio, sob o risco diário de ser capturada, Irena Sendler conseguir retirar cerca de 2.500 crianças judias do Gueto de Varsóvia. Para isso ela utilizou todos os meios de que dispunha: começou a recolhê-las em ambulâncias como vítimas de tifo. Depois, foram sacos, cestos de lixo, caixas de ferramentas, carregamentos de mercadorias, sacas de batata, caixões - qualquer lugar onde pudesse esconder uma criança servia para livrá-las daquela irracionalidade. Muitas vezes Irena Sendler teve que sedar os pequenos fugitivos como forma de evitar serem descobertos. Depois, treinou um cachorro para latir diante dos soldados nazistas, forma de abafar qualquer barulho que revelasse o esquema e afastar os algozes e suas rotineiras verificações.

E pensando no dia em que a Guerra terminaria, Irena Sendler manteve, por todo o tempo de seu trabalho, tal qual tesouro precioso, uma detalhada lista com as informações de todas as crianças retiradas: nome judeu, nome novo, família de origem e nova família ou instituição que as abrigava.

Irena Sendler retirou crianças do Gueto até 20 de outubro de 1943, quando foi descoberta e presa pela Gestapo. Levada para a Prisão de Pawiak, foi sistematicamente torturada e humilhada. Durante as contínuas sessões de tortura, Irena Sendler teve os ossos dos pés e das pernas quebrados e, mesmo assim, não revelou nenhum nome ou localização de crianças ou colaborador. Foi condenada à morte, mas acabou salva graças à intervenção de seus companheiros de luta: um oficial alemão, devidamente comprado pela resistência polonesa, ao lhe guiar para um "interrogatório extra", gritou em polaco - CORRA! E ela correu.

No dia seguinte seu nome constava na lista de poloneses executados, e, dada como morta, Irena Sendler pôde, com nome falso, continuar a fazer o bem possível até o fim da guerra.

Os nomes de seus pequenos judeus, ela havia enterrado em garrafas de vidro no quintal de uma vizinha, já prevendo o dia em que seria capturada. Terminada a guerra, a lista foi entregue a Adolfo Berman, primeiro presidente do Comitê de Salvação dos Judeus Sobreviventes, para que pudesse tentar encontrar as famílias e lhes entregar suas crianças. Infelizmente a maior parte das famílias tinha sucumbido nos campos nazistas, mas as identidades não se perderam.

Por conta da ocupação comunista da Polônia, a história de Irena Sendler não foi divulgada e nem era conhecida. Só foi revelada em 1999, quando quatro jovens americanas da região rural do Kansas, Estados Unidos, instigadas por um professor, começaram a pesquisar sobre a polonesa, com base em uma curta nota de jornal – “Os outros Schindler´s”. Para surpresa das estudantes, Irena Sendler estava viva e bem de saúde, com 90 anos, morando ainda na Polônia.

Estabeleceram contato, enviaram e recebera cartas, fotos, informações e documentos. Acabaram por escrever uma peça de teatro intitulada "A Vida num Pote de Vidro", que atravessou o país, alcançou o Canadá, a Europa e, finalmente, a própria Polônia. A história virou filme (O Coração Corajoso de Irena Sendler, 2009), infelizmente pouco conhecido e divulgado. Em 2001, quando houve o primeiro encontro das alunas com Irena Sendler, na Polônia, existia somente uma página na internet sobre ela; hoje são mais de 320 mil.

Em 1965, a organização Yad Vashem de Jerusalem outorgou-lhe o título de Justa entre as Nações e nomeou-a cidadã honorária de Israel, mas o prêmio não foi entregue já que o governo comunista polonês proibiu Irena Sendler de viajar. Em 1991, já sob a égide "democrática", o prêmio foi reafirmado e entregue.

Em Novembro de 2003, o presidente polonês Aleksander Kwasniewski concedeu-lhe a mais alta distinção civil da Polônia: a Ordem da Águia Branca. Em 2007, foi condecorada com a Ordem do Sorriso, prêmio da ONU – a mais importante distinção concedida àqueles que buscam o bem de crianças de todo o mundo. Ainda em 2007, Irena Sendler foi apresentada como candidata para o prêmio Nobel da Paz pelo Governo da Polônia, iniciativa do presidente Lech Kaczynski apoiada pelo Estado de Israel e pela Organização de Sobreviventes do Holocausto. O prêmio, no entanto, foi dado ao ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, por conta de um slide-show em powerpoint sobre o clima global.

Comitê do Prêmio Nobel - "Que pena... Sem ursos polares."

Irena Sendler morreu em 12 de maio de 2008, na Polônia, sem nunca ter se considerado uma heroína. Dizia somente ter feito o justo e o correto no momento necessário, segundo ensinamentos paternos baseados na bondade e na humanidade. Após salvar 2.500 crianças do Gueto de Varsóvia, e salvá-las uma segunda vez mantendo segredo de suas identidades enquanto aprisionada, nos seus últimos anos Irena Sendler esteve presa a uma cadeira de rodas, consequência da tortura e barbárie sofrida nas mãos da Gestapo!

Nenhuma honraria seria capaz de enaltecê-la o suficiente, e sem dúvida não precisou de reconhecimentos para validar sua coragem e amor. Somos nós que precisamos oferecer admiração e gratidão, pois no espelho de Irena Sendler, a despeito de todos os horrores de seu tempo, fica enaltecida a nossa própria humanidade. Lia Diskin.


13 comentários:

Fernanda disse...

Eu quero um mundo cheio de Irena's!!
Emocionante e ao mesmo tempo revoltante o não reconhecimento de ser tão iluminado.

paulo nazareno disse...

"Essa Ana Paquin é mesmo uma gostosa!" (comentário de um historiador no seu pós doutorado sobre a vida de Irena Sendler)

Anônimo disse...

que mulher linda

Anônimo disse...

Chorei quando eu recebi o e-mail.

E chorei de novo lendo o teu texto super dedicado e quase à altura (porque o que falarmos dela sempre será aquém daquilo o que ela foi, simplesmente porque ela fez o indizível, o impossível, um milagre) do que foi Irena Sendler.

E lindo o nome artístico da sua amiga que te mandou o texto, ó!

Beijíssimos Super Bocós.

Anônimo disse...

Pesoas assim não precisam de reconhecimento...

Na verdade todos nós podemos usar desse mesmo amor pelo próximo que Irena Sendler demosntrou na prática, só que dentro de nossas realidades. Gestos simples como: ser educado no trãnsito, não usar de preconceito com minorias ( mesmo que não compactuemos de seu credo ou preferências), sermos amigáveis e educados com todos a nossa volta, sermos um bom filho(a), um bom pai ou mãe...enfim, sermos melhores em cada aparente pequena atitude. Simples assim.

Bela história dessa senhora, tb não conhecia, Tanto.

W

Laila disse...

Nem preciso dizer o quanto amei o texto. Sem dúvidas não só os judeus mais o mundo precisa de muitas Irenas.

Tanto disse...

Agora vou procurar o filme da Irena Sendler para ver.

Anônimo disse...

Tua cara querer assistir ao filme! Mas essa senhora realmente merece todas as homenagens possiveis!

Parabens pela iniciativa, Tanto!

Anônimo disse...

Poe este belíssimo texto ( mas não só por ele), o blog já consta na lista de meus favoritos. Quanto ao Nobel da Paz, Iren Sendler com certeza não merecia estar junto a homenageados como Henry Kissinger, o senhor da Guerra.

Tanto disse...

Anônimo das 23:22 - minha cara, é? Já que me conhece tão bem, ajuda a encontrar o filme.

Anônimo das 12:53 - Verdade... Muitas vezes, estar fora da lista é o elogio maior.

Anônimo disse...

nao te conhe'co tao bem...infelizmente!

mas mesmo assim, acho que eh a tua cara. desculpa!

Anônimo disse...

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- Norman

Jamili disse...

E Jesus disse: Tudo o que fizerdes a um dos meus pequeninos foi a mim que o fizestes. Irena está no céu!