sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Podar ou Mutilar?

Belém, 27 de janeiro de 2010.

É engraçado andar por certas ruas de Belém e tentar imaginar o que passa pela cabeça de quem administra a cidade (ou deveria fazer isso), o local que vai se tornando parque temático do ridículo em pequenas coisas que, somadas, acabarão por defini-lo.

Rua dos Mundurucus

Tudo começou ao olhar para a árvore que teima em sobreviver justo em frente à minha casa, a sombra que o carro preto agradece nos muitos dias de sol da cidade que teima em sobreviver sob o equador: saindo para trabalhar me deparo com o serviço de poda efetuado pelo Município e, se a árvore teima em sobreviver, claramente a Administração teima em lhe destruir, poda que facilmente poderia ser mutilação, o homem que diante da necessidade de fazer conviver fios e árvores, prefere partir a corrente no elo mais fraco.


Travessa Castelo Branco

A cidade (ainda ostentamos o pomposo título de Cidade das Mangueiras?) claramente confunde o verbo Podar com Mutilar.

Avenida Conselheiro Furtado

Podar (verbo transitivo direto) é definido como cortar ramos, desbastar; aparar; tornar menos basto ou espesso; cortar, desbastar. Já mutilar (também verbo transitivo direto) é definido como privar de algum membro ou de alguma parte do corpo; cortar ou destruir qualquer parte de; truncar.

Travessa Castelo Branco

A grande diferença entre os atos representados pelos verbos é a presença de violência ou crueldade, a falta de cuidado com que se praticam.

Travessa Castelo Branco

Diante disso, pergunto: o que se faz em Belém, algumas árvores sofrendo mais do que outras, é poda ou mutilação impensada e não planejada, o serviço largado na mão de maníaco saído de canto qualquer a quem acalmam a sanha assassina com a entrega de afiado facão, escada e árvore?

Travessa Castelo Branco

E antes que me critiquem, o Cara que só sabe desconstruir a cidade em textos quase sempre negativos, um aviso: entendo que a poda tenha de ser feita, e entendo que os fios precisem estar o mais alto possível sob pena de serem diariamente furtados. O que critico não é a poda (nem os fios), mas a mutilação que se faz sob título de poda.

Travessa Castelo Branco

Adaptar quem a quem: Árvores aos fios ou fios às árvores?

Belém é marcante quando definida pela sua convivência com suas árvores (Manuel Bandeira, ao visitar Belém em 1928 escreve, no seu poema Belém do Pará, que a Cidade pomar obrigou a polícia a classificar um tipo novo de deliquente: O apedrejador de mangueiras).

Túnel de Mangueiras, Avenida Nazare, perfeita cidade

Não entendo que se prefira fazê-la marcante pelo rídiculo, espetáculo burlesco a olhos visto, qualquer meio fio da cidade.

[...] Porém me conquistar mesmo a ponto de ficar doendo no desejo, só Belém me conquistou assim. Meu único ideal de agora em diante é passar uns meses morando no Grande Hotel de Belém. O direito de sentar naquela terrasse em frente das mangueiras tapando o Teatro da Paz, sentar sem mais nada, chupitando um sorvete de cupuaçu, de açaí, você que conhece o mundo, conhece coisa melhor do que isso, Manu?

[...] Quero Belém como se quer um amor. É inconcebível o amor que Belém despertou em mim. E como já falei, sentar de linho branco depois da chuva na terrasse do Grande Hotel e tragar sorvete, sem vontade, só para agir.

(Trecho da Carta de Mário de Andrade a Manuel Bandeira, junho, 1927)
Fotos: Fernando Gurjão Sampaio

7 comentários:

Helena disse...

É fato que a poluição visual está presente na maioria das cidades. São fios de alta e baixa tensão, transformadores imensos, faixas promocionais, etc. E as árvores, coitadas, tentam sobreviver no meio desse caos.
Agora, quando há um planejamento urbano adequado, é previsto o plantio de espécies que jamais atingirão a altura dos fios. Outra opção é a implantação de tubulação subterrânea, melhor e mais cara.
Porém, nos locais onde as árvores já existem – como nas fotos, a “poda” é inevitável. E, como tu mesmo disseste, é feita por mãos inexperientes. Uma pena, mas é a única maneira delas permanecerem onde estão.

Anônimo disse...

É p(h)oda!

Anônimo disse...

O acento do "anôniminho" foi uó, mas "Tudo começou ao olhar para a árvore que teima em sobreviver justo em frente à minha casa, a sombra que o carro preto agradece nos muitos dias de sol da cidade que teima em sobreviver sob o equador: saindo para trabalhar me deparo com o serviço de poda efetuado pelo Município e, se a árvore teima em sobreviver, claramente a Administração teima em lhe destruir, poda que facilmente poderia ser mutilação, o homem que diante da necessidade de fazer conviver fios e árvores, prefere partir a corrente no elo mais fraco." ????????? Precisas de umas aulas de pontuação urgentemente!
tsc, tsc, tsc...dízima

Mari Tupiassu disse...

Que post lindo. Me emocionei muito lendo. Dor das arvorezinhas sendo mutiladas, esburacadas...

O trecho da carta então e a última foto. Me lembrou como é gostoso morar em Belém, apesar dos pesares.

Anônimo disse...

Pois é, aquela Belém cantada em bela prosa pelo Mário, cadê? Não temos mais Mario de Andrade (e nem Manoel Bandeira), derrubaram o Grande Hotel, há uma guerra declarada contra as poucas mangueiras que ainda resistem. Quanto à poda, só uma solução, que o interesse maior das empresas e a cumplicidade dos gestores não permitem: fiação subterrânea, que possa resistir a qualquer inundação e evite acidentes mortais com fios de alta tensão caindo sobre os passantes. Mas fazer o quê, se temos bispo mas ele nem está aqui, e não temos prefeito?

Yúdice Andrade disse...

Meu caro, esta foi de utilidade pública. As imagens são bem contundentes quanto ao que se prioriza na cidade: fiações horrorosas, que bem poderiam e deveriam estar por baixo da terra.
Triste Belém...

Tanto disse...

Tenho pena de Belém, amigos.