É engraçado andar por certas ruas de Belém e tentar imaginar o que passa pela cabeça de quem administra a cidade (ou deveria fazer isso), o local que vai se tornando parque temático do ridículo em pequenas coisas que, somadas, acabarão por defini-lo.
Rua dos Mundurucus
Tudo começou ao olhar para a árvore que teima em sobreviver justo em frente à minha casa, a sombra que o carro preto agradece nos muitos dias de sol da cidade que teima em sobreviver sob o equador: saindo para trabalhar me deparo com o serviço de poda efetuado pelo Município e, se a árvore teima em sobreviver, claramente a Administração teima em lhe destruir, poda que facilmente poderia ser mutilação, o homem que diante da necessidade de fazer conviver fios e árvores, prefere partir a corrente no elo mais fraco.
Podar (verbo transitivo direto) é definido como cortar ramos, desbastar; aparar; tornar menos basto ou espesso; cortar, desbastar. Já mutilar (também verbo transitivo direto) é definido como privar de algum membro ou de alguma parte do corpo; cortar ou destruir qualquer parte de; truncar.
Travessa Castelo Branco
Diante disso, pergunto: o que se faz em Belém, algumas árvores sofrendo mais do que outras, é poda ou mutilação impensada e não planejada, o serviço largado na mão de maníaco saído de canto qualquer a quem acalmam a sanha assassina com a entrega de afiado facão, escada e árvore?
E antes que me critiquem, o Cara que só sabe desconstruir a cidade em textos quase sempre negativos, um aviso: entendo que a poda tenha de ser feita, e entendo que os fios precisem estar o mais alto possível sob pena de serem diariamente furtados. O que critico não é a poda (nem os fios), mas a mutilação que se faz sob título de poda.
Travessa Castelo Branco
Adaptar quem a quem: Árvores aos fios ou fios às árvores?
Belém é marcante quando definida pela sua convivência com suas árvores (Manuel Bandeira, ao visitar Belém em 1928 escreve, no seu poema Belém do Pará, que a Cidade pomar obrigou a polícia a classificar um tipo novo de deliquente: O apedrejador de mangueiras).
Não entendo que se prefira fazê-la marcante pelo rídiculo, espetáculo burlesco a olhos visto, qualquer meio fio da cidade.
[...] Porém me conquistar mesmo a ponto de ficar doendo no desejo, só Belém me conquistou assim. Meu único ideal de agora em diante é passar uns meses morando no Grande Hotel de Belém. O direito de sentar naquela terrasse em frente das mangueiras tapando o Teatro da Paz, sentar sem mais nada, chupitando um sorvete de cupuaçu, de açaí, você que conhece o mundo, conhece coisa melhor do que isso, Manu?
[...] Quero Belém como se quer um amor. É inconcebível o amor que Belém despertou em mim. E como já falei, sentar de linho branco depois da chuva na terrasse do Grande Hotel e tragar sorvete, sem vontade, só para agir.
(Trecho da Carta de Mário de Andrade a Manuel Bandeira, junho, 1927)
Fotos: Fernando Gurjão Sampaio
7 comentários:
É fato que a poluição visual está presente na maioria das cidades. São fios de alta e baixa tensão, transformadores imensos, faixas promocionais, etc. E as árvores, coitadas, tentam sobreviver no meio desse caos.
Agora, quando há um planejamento urbano adequado, é previsto o plantio de espécies que jamais atingirão a altura dos fios. Outra opção é a implantação de tubulação subterrânea, melhor e mais cara.
Porém, nos locais onde as árvores já existem – como nas fotos, a “poda” é inevitável. E, como tu mesmo disseste, é feita por mãos inexperientes. Uma pena, mas é a única maneira delas permanecerem onde estão.
É p(h)oda!
O acento do "anôniminho" foi uó, mas "Tudo começou ao olhar para a árvore que teima em sobreviver justo em frente à minha casa, a sombra que o carro preto agradece nos muitos dias de sol da cidade que teima em sobreviver sob o equador: saindo para trabalhar me deparo com o serviço de poda efetuado pelo Município e, se a árvore teima em sobreviver, claramente a Administração teima em lhe destruir, poda que facilmente poderia ser mutilação, o homem que diante da necessidade de fazer conviver fios e árvores, prefere partir a corrente no elo mais fraco." ????????? Precisas de umas aulas de pontuação urgentemente!
tsc, tsc, tsc...dízima
Que post lindo. Me emocionei muito lendo. Dor das arvorezinhas sendo mutiladas, esburacadas...
O trecho da carta então e a última foto. Me lembrou como é gostoso morar em Belém, apesar dos pesares.
Pois é, aquela Belém cantada em bela prosa pelo Mário, cadê? Não temos mais Mario de Andrade (e nem Manoel Bandeira), derrubaram o Grande Hotel, há uma guerra declarada contra as poucas mangueiras que ainda resistem. Quanto à poda, só uma solução, que o interesse maior das empresas e a cumplicidade dos gestores não permitem: fiação subterrânea, que possa resistir a qualquer inundação e evite acidentes mortais com fios de alta tensão caindo sobre os passantes. Mas fazer o quê, se temos bispo mas ele nem está aqui, e não temos prefeito?
Meu caro, esta foi de utilidade pública. As imagens são bem contundentes quanto ao que se prioriza na cidade: fiações horrorosas, que bem poderiam e deveriam estar por baixo da terra.
Triste Belém...
Tenho pena de Belém, amigos.
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