sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Amargor na boca e um soco no estômago

Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu...
Pedaço de mim
Chico Buarque

Instintivamente liguei para minha filha. A voz dela dizendo oi me deu o conforto que precisava naquele momento. Ela não conheceu Catarina e resolvi não contar que ela havia morrido, nem deixar que percebesse minha voz de choro. Só queria ouvir a voz da minha menina e perguntar o que ela estava fazendo, se estava bem e se estava feliz. Ela disse que estava andando de bicicleta com as amigas, exatamente o que uma menina como a Cacá deveria estar fazendo nessa tarde chuvosa de 31 de dezembro de 2010.
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Morrer é algo natural. Nada é mais normal e certo do que a morte, que pela sua idéia de vida vivida é algo que 'combina' mais com adultos ou idosos, a pessoa que viveu e fez suas coisas, teve seus filhos e viajou, teve todas as suas chances e, num belo dia, partiu. Definitivamente, morte não combina com criança, com nenhuma criança...
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Eu não conheço a Cláudia e nem conheci a Catarina. Falo de conhecer assim, na vida real. Mas eu as conheci em um mundo novo e tão real quanto, o mundo da internet, justamente onde soube da doença e de toda a luta enfrentada.
Sendo bem sincero, eu não me doei o quanto desejei, nem ajudei o quanto quis... Mas eu torci mais do que pude e achava que tudo ficaria bem.
No final não ficou tudo bem. Ficar tudo bem significaria a Catarina não morrer e ela se foi. Mas muita coisa restou. Por exemplo, aprendemos a confiar uns nos outros; também aprendemos a nos mobilizar para ajudar (e percebemos que é possível); aprendemos a respeitar diferenças e conflitos por um bem maior; aprendemos o que realmente significa amor e dedicação; aprendemos sobre dor e perda; aprendemos sobre frustração.
E se eu fiz menos do que gostaria, muitos fizeram mais do que poderiam e demonstraram seu valor (e não vou citá-los pois eles sabem quem são, o que fizeram e não fizeram por glórias pessoais).
Para Cláudia, mesmo que eu fique sem palavras (como disse a Zinda Nunes), tenho algumas coisas a dizer: não sei se teria a mesma força que você, nem a mesma garra para lutar tal luta. Espero que sua força ajude nessa situação completamente inimaginável para mim, a perda de um filho que é, certamente, o pior dos pesadelos.
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Comecei a escrever isso sentindo que tinha levado um soco no estômago, sentindo um amargor que teimava em reinar na boca e com uma vontade inesperada de chorar e vomitar dor.
Mas as palavras foram saindo e, com elas, também saiu muito do ruim que sentia. Começaram a vir algumas coisas boas...
Agora, já no finalzinho desta brevidade, começo a imaginar as paragens bonitas por onde a Catarina deve estar passeando, em uma bicicleta novinha, novinha, que ela acabou de ganhar de um anjo igualzinho a ela, anjo que vai proteger, cuidar e ensinar, e eles vão brincar muito neste lugar todo novo ao qual ela agora pertence.

Anjos. Simplesmente, anjos.

2 comentários:

Thays disse...

Conheço a Claudia e conheci a Cacá bem criancinha.
A sensação que você teve é a minha também. Amargo na boca, no coração.

Certamente eu não teria a força da Claudia, só tenho uma filha, também de 16 anos.

Sorte dela que ela tem dois outros anjos agora: Anita e Marina.

Uma vai ajudar a outra a superar e transmutar. Porque é só isto o que nos resta, né?

Paz pra você.

Ida Lenir disse...

Perder é dificil. Perder alguém de quem se gosta é mais dificil ainda. Resta-nos as lembranças, seja de que mundo for. O mundo virtual, muitas vezes, se torna um canto de afeto verdadeiro, de solidariedade, de desabafo.
Bom poder fazer a catarse através da escrita. Um forma nobre de se consolar. Abraços, www.diariodeumamulherdespeitada.wordpress.com