quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ensaio sobre a surdez

Belém, 27 de julho de 2010.

Hoje acordei completamente surdo.
Vou-lhes contar como foi:
Bastou levantar a cabeça da cama e logo senti que algo estava errado. Ainda sonolento, me dirigi ao banheiro sem saber ao certo o que me afligia. Somente no banho notei, assustado, que um ouvido, o esquerdo, funcionava bem enquanto o outro, o direito (obvio!), estava tampado.
A sensação parecia essa: enquanto eu dormia, alguém havia colocado uma pequena bola de massa ou alguma espécie de gelatina que, agora, me dava a nítida impressão dos horrores da surdez.
Obvio que ninguém havia botado nada no meu ouvido. E nem poderia ser água, eu que mal havia entrado no banho ainda. Mesmo assim, ainda de toalha, pedi à Tainá que colocasse um pouco de álcool no lado tampado – lembrança amarga das dores da infância junto à piscina de meu avô. Fiquei deitado na cama por alguns segundo esperando que o álcool surtisse efeito, mas nada aconteceu.
No carro, indo deixar a Tainá, a sensação de tampamento crescia e me importunava muito. Algumas vezes cheguei mesmo a achar que se tratava de uma mosca, inseto qualquer que poderia ter feito ninho no meu ouvido durante a noite – aqui, faço uma observação: uma vez, eu pequenino, uma borboleta maluca voando de forma alucinada acabou por se chocar com minha orelha e eu, na ânsia de tirá-la, acabei por metê-la cada vez mais para dentro. O resultado: eu e meus pais, de noitinha, no Pronto Socorro da 14 fazendo lavagem na minha orelha. Moral: é horrível ter uma borboleta dentro do ouvido!
Ao chegar ao trabalho percebi que nada havia melhorado: a sensação de tampamento era incômoda e eu começava a sentir uma leve pressão no aparelho auditivo. Nessa hora eu vi meu futuro de forma clara – eu, novo ainda, completamente surdo. Me desesperei com a possibilidade aterrorizante de nunca mais poder escutar as músicas que gosto – ou mesmo as que não gosto – a voz dos que amo ou os sons que me agradam.
Liguei o computador e busquei o site da Unimed. Um dia antes meu irmão havia comentado sobre um excelente otorrino, amigo seu, que havia acabado de chegar de São Paulo e era extremamente preparado. Destino! Fui direto procurar o médico Breno Simões que descobri atender na Domingos Marreiro. Liguei: “sim, senhor! O doutor Breno está na clínica agora e poderá lhe atender” Pedi licença aos colegas e fui correndo ao encontro daquele que me daria a notícia derradeira: “é, meu amigo! Você está irremediavelmente surdo!” Enquanto eu dirigia imaginava as piores coisas, as doenças mais estranhas e devastadoras que certamente me atacavam... Pensei mesmo em como faria para me re-adaptar à nova condição... Desespero, teu nome era Fernando, eu que dirigia segurando as lágrimas do medo e angustia.
Já no consultório, após o papo educado e introdutório de sempre, sentei no local indicado e o Dr. Breno começou a me investigar. Eu não parava de falar sobre meu medo, verdadeiro pavor, a surdez da qual já não duvidava mais. Só parei quando o médico, em um sorriso estrondoso e alegre – que não posso deixar de adjetivar como tranqüilizador também – me olhou com olhos sinceros e disse: “Fernando, meu amigo! Você está surdo mesmo, mas nada que não possamos resolver. Basta retirar essa enorme rolha de cera que você, não sei como, conseguiu enfiar ouvido adentro!
Cera! Simples cera de ouvido ou ceroto, aquele troço estranho que sai das orelhas e que, em tese, as protege. Sim! Consegui entupir meu ouvido com cera de tal forma que, agora, me encontro praticamente e temporariamente surdo.
É tanta cera que o médico pediu para usar um remédio – que deve amolecê-la – para somente depois fazer uma lavagem “ouvidal” (inventei uma palavra).
Conclusões, conclusões: a Tainá, com suas coisas de mulher, resolveu colocar no banheiro um pote cheio de lindos e brancos cotonetes. E eu, que nunca os usei na vida – mas que sempre mantive meu ouvido limpinho, ok? – passei a usá-los. Obviamente, como ficou provado, EU NÃO SEI USAR COTONETES. Tanto é que me entupi por inteiro em mais puro e “escrementoso” ceroto (opa! Mais uma palavra)!
Então estou usando Cerumin, rima boa para curumin, remédio da Alcon que nada mais é do que um amolecedor de ceras e afins. O processo é um pouco penoso e bastante nojento, pelo que não o descreverei aqui (mas postarei fotos, ho ho ho).
E dentro de uma semana, quando minhas ceras estiverem moles, farei a devida limpeza e poderei, novamente, escutar os belos sons da natureza que agora me são privados.
Para terminar, algumas palavras: ouvi novamente a célebre frase – só se limpa o ouvido com o cotovelo. Nada de meter coisas ali dentro, muito menos cotonete. Limpeza? Faça com lenços umidecidos ou com uma toalha própria, tudo por fora, nada por dentro, sob pena de viver os mesmos horrores deste que vos relata os terríveis fatos.
Depois conto mais sobre minha angustiante surdez!

4 comentários:

@hildaremedeiros disse...

Nando, primeiro eu ri do inusitado da situação.
Acontece, meu miguxo lindo, que lembrei que não posso rir de ti, pois consegui fazer coisa pior. kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Tenta imaginar: mulher esperando taxi na rua, vem um motoqueiro e SE CHOCA com o carro do lado dela e passa com o pneu da MALDITA em cima do pé da distinta dama. Ouve-se um berro, seguido de gargalhadas.
Simplesmente, o motoqueiro FOI PRA CIMA da Lady aqui. Na hora, senti dor, mas a cena constrangedora e a raiva foram maiores. Empurrei o palerma pro lado e me levantei. Entrei no taxi e fui pra casa.
E la vem a dor no pé. Nada de passar. Lá fui eu pra UNIMED da Doca. Trauma me atendeu, raio X e... FRATURA NO DEDINHO.
Dedinho de pé é uma MERcaDoriA! Não tem como imobilizar direito. Passa o sábado e a dor foi amenizando. No domingo, ninguém na city. Resolvi PASSEAR. tropecei na raiz de uma mangueira na rua e soltei um cândido e nobre CARAAAAAAIIIIIOOOOOOOO!
Senti-me Terezinha! Aquela 'de Jesus' que deu uma queda e foi ao chão... A diferença? NINGUÉM me acudiu.
Cheguei em casa com a sandália na mão! E toma mais dor!
Pensei: DESSA VEZ EU ACABEI COM O PÉ INTEIRO!
Tomei o remédio e fiquei deitada o dia todo.
Na segunda, já sem aguentar a dor, agravado pelos dedos ficando roxos, lá fui de novo pra UNIMED.
Era o mesmo Trauma. Ele olhou e foi retirando o esparadrado. Senti que estava PARINDO PELO PÉ... Outro raio X.
Médico - Como tu conseguistes quebrar o outro dedo numa topada?
Eu - Outro dedo? Que dedo?
Médico - Estás com ESTE dedinho quebrado, vamos pular o do lado e QUEBRASTES O OUTRO, o DO MEIO.
Eu olhava pros dedos e fui ficando com raiva tanta que tava pra chorar. Qdo isso acontece é melhor fazer piada do fato e respondi:
'Olha, Dr., a constituição diz que eu não preciso fazer prova contra mim, mas pro senhor eu falo: PALERMICE! Essa minha mania de andar na rua olhando pro céu dá nisso!
O médico explodiu na gargalhada. Esparadrapou [sou criadora como tu] meus dedos, com exceção do dedão.
Voltei pra casa e minha sobrinha caçula estava me esperando pra ver meu 'dodói'.
Tive que escutar a seguinte frase:
- Titia Regina, teu pé tá parecendo um jabutizinho... Posso pintar o 'paradapo' de verde pra ficar igual?
Preciso dizer que meus pais, irmã e cunhado explodiram na gargalhada?
Sofro [buáááááá] até hoje com as perguntas sobre o 'DONATELO', nome que o meu CUnhado deu ao MEU jabuti pessoal.
E tudo por causa de um motoqueiro e duma raiz... Vida +ou-, né?
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Beijos, meu lindo. Fico feliz que, no teu caso, tudo não tenha passado de CERA DE ZUVIDO...
Ei, o Shrek pega a cera e faz de lápis. Tenta vê se dá certo! É ecologicamente sustentável!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Não vais conquistar minha amizade me xingando, cerotinho! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Luiza Montenegro Duarte disse...

Eu sei de tudo isso, da toalha umedecida, dos possíveis males provocados pelo cotonete, mas poxa, é tãaaaaaaao gostosa aquela coceirinha...

Tanto disse...

Hilda e Luiza,

Ontem fui ao médico e resolvi minha situação. Acreditam que tive dor de cabeça depois, pelo tanto que passei a escutar, o ouvido que já se acostumava com o silêncio.

Tanto disse...

P.s. Isso foi uma pergunta. Faltou a interrogação, ok?