terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Amarilis Tupiassu II

Aqui acaba uma série pequena (de somente dois post) com textos publicados pela minha mãe, Amarilis Tupiassu, no jornal O Liberal aos domingos.

CANTO DE MÃE E FILHA - Filhos crianças, os antevemos no futuro. Os pais sabem cair nessa ilusão. “Que serão, que profissão?” Hoje, os meus, homens, um peleja com as leis, outro, com as artes de curar. No passado, não dava para imaginar. Enquanto lhes espreitava o porvir, eles interrogavam-me sobre minhas profissões desejadas e não cumpridas. “Se não fosses professora?” Perdia-me em “hum, hum, esperem, difícil saber!” Aí, procurava anseios, quereres gorados, rebuscava-me, espremia meus sumos desejantes. “Gostarias de quê, mais que tudo?” e desfilavam profissões possíveis, afazeres nem tentados, até que, pronto! Queria ser cantora, sonho suscitado por minha mãe, talvez, por meu pai, que ensaiava cordas de um violão. Ou quem sabe o quisesse inspirada num tio nascido em ilha em frente a Belém, o tio amante de brincadeiras de pássaros, de boi e que, mal chegava à casa da “mana”, apeava dos cansaços da travessia e entoava modinhas, como dizia, de bichos e cantorias afins. Tio e sobrinhas “viajavam” nas toadas, na Catirina, é um caso, grávida, babando de desejos, a bom atormentar o Chico, obrigado a tirar a língua e as mais partes do boi para saciar a exigência da prenha.

Depois, virei cantante das redes de ninar filhos. Foi quando me descobri um cofrim de cantares antigos, herança de família. Em criança só dormia ao som das cantigas maternas, tanto cantar, que me pergunto se, naquele verdadeiro ritual de dormir, mamãe cantava para si ou para ninar sua ninhada. Não sei. Nem o sabia quando ninava meus filhos. Olho atrás e vejo-me sempre entre cânticos. Para completar o coro, convivi com amigas afeitas à música, sobretudo com duas de infinda saudade, Sylvia Pimenta e Maria Lúcia Medeiros. Quanto nos comprazíamos em gostosas cantorias! Disputávamos, Sylvia e eu, quem mais desfiava dor de cotovelo. Ela, craque, vencia, ela vindo a morrer de amar, sugada pelos turbilhões do amor de perdição. Maria Lúcia e eu tivemos até sonhos de “gaiteiras” de boca, nossas gaitas fugazes. Íamos de MPB a Jackson do Pandeiro até ela trinar jazz, blues, Ella, Billie, Cole Porter. Estes eu quieta só fruía, eu nula em inglês. Quantas vezes, em tarefas de grave responsabilidade, precisão, elaborar, corrigir provas de vestibular, por ex., quando dávamos fé, esgotadas, cadenciávamos vozes, solfejos para espairecer. Hoje, canto em palco invertido. Cantarolo a minha mãe, sua voz já sumida. Nino-lhe a mudez, ela antes cantora de suas eras de embalar nove filhos que só dormiam ao compasso de Noel, Sinhô, Donga, Pixinguinha. Amava cantar “Fascinação”, “Rosa”, músicas de roda d’outrora, pastorinhas, canções de vário som, diversa arte. A vida dá suas voltas. Hoje, a filha canta à mãe. Um fio íntimo as enlaça quando seus olhos se tocam profundos. Ela sabe bem de si, joga os jogos do silêncio e espera o tom. Canto ou cicio as músicas do seu, do nosso passado. Nas fímbrias desse encontro tão interior, implícito, sutil, a vida se agita ainda, e minha mãe canta com o olhar, modula sua voz que agora se faz de escuta. Ela ainda canta. Seus filhos o sabem. A agudeza de seu olhar o afirma. É seu/nosso cumprimento de sina, irreversíveis que somos. Indizíveis certas horas! Tão íntimo o elo materno-filial! Ela agora espera o dueto de uma só voz e olhares, escuta e reencontra-se, na memória das modinhas que canta na imaginação. Sei que se encanta com a música. Tudo é precário, mas ela canta e é feliz.

2 comentários:

Pris disse...

Liindo Nando...Idolatro a tua mãe.:)E eu que a pouco ninava a Maria, agora eu que sou ninada por ela...a nova geração das cantoras da família. :)

Pris disse...

Liindo Nando...Idolatro a tua mãe.:)E eu que a pouco ninava a Maria, agora eu que sou ninada por ela...a nova geração das cantoras da família. :)