quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Paris 8 - Perfeição

Dizem que a pior coisa é idealizar momentos ou pessoas: você faz tantos planos, imagina tantas coisas e, na hora H, quando elas não se realizam, acaba surgindo uma frustração absurda, capaz de gerar o pior sentimento de fracasso e desânimo. Ocorre que nem sempre é possível deixar de fazer tais planos ou idealizações, e vez ou outra a gente se pega imaginando como seria tal momento, o que faríamos se dessem certo e como seria bom se tudo acontecesse como previsto, tudo igual a um sonho.
Quando decidi comemorar o aniversário da Maria em Paris, com meus pais e minha irmã, imaginei logo uma festinha em algum restaurante com vista para a Torre, tudo precedido da fundamental subida ao topo que descortinaria uma vista privilegiada à minha filha. Haveria vovó e vovô, haveria a tia e seus colegas de curso, haveria cantoria de parabéns e um bolo simples e velas - além de presentes dados de coração.
Isso foi o que sonhei - e Maria incorporou de tal forma esse meu desejo, que por conta própria decidiu não ver a Torre e nem passar por perto dela até o dia 25de janeiro - aquele momento estava reservado para a ocasião especial que ela sabia que eu planejava. E a coisa ficou tão bem planejada na nossa cabeça que certa vez, andando pela beiro do Sena, acabamos dando de cara com a Torre, impávida e majestosa, visão impossível de ser evitada. Instintivamente minha moleca cobriu os olhos e me abraçou, meteu o rosto pelo meu casaco e se escondeu. Ela disse que não era aquele o momento, que aquilo só podia acontecer no dia do seu aniversário, como eu havia planejado, e saímos dali, da visão possível da giganta, para evitar o “pior”. O clima todo estava criado e só faltava torcer para que desse tudo certo... E eis que não se deve idealizar nada!
No dia 25 de janeiro, bem cedinho, acordei minha filha cantando Parabéns. Fiz mil carinhos, mil massagens e dei mil beijos e lambidas na minha cria. Ela acordou feliz e ganhou logo o primeiro presente - uns euros que vovó havia separado para comprar o grande presente, um Nintendo DS XL Amarelo, reluzente. Arrumei a mesa do café com todas as gostosuras que ela adora e sentamos todos juntos. E depois fomos nos arrumar para seguir com os planos... e se não fossem as complicações.
Saindo de casa, vovó Amarilis começou a se sentir mal por conta da gripe que havia começado no Brasil e resolveu atacar mais forte no frio francês. Mesmo assim, vovó se vestiu para sair com a neta e agüentou firme até onde pôde.
Além disso, havia a chateação de não ter notícias de minha irmã: desde que chegamos em Paris não conseguíamos falar com a Luanda. Já no aeroporto ela se separou e seguiu com os colegas do curso de francês e depois disso, as estranhezas desse mundo cheio de tecnologias, não conseguimos contato por e-mail e nem por telefone.
Havia ainda o problema da mala extraviada de minha mãe, problemão que nos obrigava a constantes paradas para compra das roupas necessárias para enfrentar a temperatura que variava entre oito e dois graus. E junto com a mala, ficou extraviado o cabo de energia do notebook, pelo que estávamos sem computador e, conseqüentemente, sem internet.
Tudo explodiu justo no dia 25 de janeiro, aquele dia reservado para as festas e comemorações, para subida na Torre e cantorias, tudo oferecido para minha filhota pelos seus dez anos. Obviamente minha mãe só piorou da gripe durante as andanças pelas ruas frias de Paris - que são impiedosas aos doentes. Também ficamos estressados e nervosos sem contatos com minha irmã – neste dia fizemos diversas paradas em busca de redes wi-fi e nenhum telefone prestava ou atendia, e nenhum endereço batia! Da mala não tínhamos nem sinal, a TAP completamente omissa e inoperante obrigando minha mãe a fazer um guarda-roupa de urgência em terras estrangeiras (desde um tudo, já que nada havia), ela que caminhava doente em busca do necessário. E ainda fomos enganados pelo vendedor da FNAC do Boulevard Saint-Michel, que empurrou um cabo de energia que simplesmente não servia no computador (e esse seria o cabo salvador com o qual poderíamos, por fim, manter contato com Luanda). Só percebemos o erro quando chegamos em casa, o que nós obrigou a voltar à FNAC no mesmo pé, com a mãe doente, com o pai stressado e sem a irmã sumida, a volta que era precisada diante da necessidade de comunicação. O homem azedo (no sentido literal) pediu mil desculpas e se dispôs a trocar o cabo, mas como a sorte some quando se precisa dela, é claro que não havia o cabo necessário naquela loja - e em nenhuma outra em Paris.
E foi assim que nos vimos - a avó doente, se sentindo muito ruim e sem mala - o avô estressado e cansado, sem notícias da filha - todos sem internet, somente com meu Iphone e suas limitações - todos cansados e com frio, meio que perdidos e sem saber o que fazer - e no meio disso uma menina maravilhosa, quieta e educada, que assistia tranqüila à sina dos seus adultos sem qualquer espécie de cobrança ou reclamação. Ela já havia comprado seu Nintendo DS XL Amarelo, lindo, mas ele estava guardado na caixa esperando o momento certo para ser aberto. E já eram quase 18 horas, no meio desse horror que devia estar sendo aquele aniversário, quando Maria se virou para mim e disse: "Papai, vamos voltar para casa e deixar a Torre para outro dia. A vovó e o vovô precisam descansar e está ficando tarde... Eu comemoro meu aniversário depois". Ouvir aquilo no meio do Boulevar Saint-Michel quase me fez chorar. Idealização, frustração e angústia, tudo sobre o que falei no início desse texto me atingiu de maneira assustadora. Meus pais não teriam condições de continuar em mais andanças, minha irmã estava incomunicável e sobrávamos nos dois, pai e filha, únicos responsáveis pelo sucesso daquele aniversário! Podia não ser como planejado, com a festa e tudo o mais, mas seria uma coisa maravilhosa, o aniversário comemorado no alto da Torre e com direito a patinação e muito carinho. “A gente vai sim, nem que só nós dois, mas a gente vai subir a Torre hoje!”.
Meus pais realmente não tinham condições – e tiveram que assumir isso: “Filho... Vamos para casa. Me sinto ruim e não tenho como continuar”, disse minha mãe. E rapidamente acertamos que iríamos até a Torre e voltaríamos a tempo de jantar juntos. E foi assim que acabamos os dois, de mãos dadas na loucura do metro de Paris, rumo ao ícone da cidade (e do país). Eu também estava cansado, mas ver o sorriso de Maria me motivou a ir até onde fosse preciso.
Descemos do metro e vínhamos pela margem do Sena, caminho justo para sair bem na frente da Torre. E quando dobramos uma esquina e a vimos, iluminada em todas as suas luzes, piscando de forma maravilhosa, Maria parou e ficou olhando, encantada. Eu já sabia o que veríamos quando dobrássemos a esquina, e fiquei só esperando a reação da pequena. E quando cheguei bem ao lado dela, só pude ver a boca aberta e os olhos mais arregalados do que nunca: “Papai, ela é linda!”. E antes que eu pudesse falar qualquer coisa, mil poses foram feitas para as mil fotos a serem mostradas para a mãe Priscilla, a avó Marta e o irmão Carlos. E fomos caminhando assim, até a Torre, dois passos e uma foto, dois passos e mais um casaco que pulava da minha mochila, dois passos e mais um cachecol...
E foi justo embaixo da Torre que piscava alucinada, eu atento procurando a fila dos ingressos, que senti a pequena me abraçar e enfiar a cara na minha barriga. E por entre os panos dos casacos, pude escutar o filete de voz que disse “Obrigado, papai, pelo melhor aniversário da minha vida”. Foi então que não consegui mais manter pose nenhuma, de pai forte e de incansável, e me ajoelhei ao lado dela e a abracei, beijei e chorei. No meio do choro, lembro de agradecer a ela por existir em minha vida, por me fazer ser alguém melhor e por me ensinar tanta coisa. Disse que se não fosse por ela, quem sabe quem eu seria? Afinal de contas, se estudei, foi por ela! Se trabalhei, foi por ela. E se o Carlos pode ter, agora, um pai que sabe ser pai, foi porque ela me ensinou tudo. Pensei em tantas coisas que enfrentamos juntos, firmes, e tantas coisas pelas quais passamos! Pensei em todos que aprendi a amar por conta dela, a menina de dez anos que mantém todos unidos e nem sabe desse poder que tem. Pensei na avó materna dela, a Marta, que virou quase uma mãe, e na mãe da Maria, a Priscilla, que hoje é minha grande amiga. Pensei no tio Felipe, o pai-pai dela, o segundo pai que por ela faz tudo e por quem tenho o maior respeito – se um dia eu não estiver mais aqui, sei o que ele será para ela! Pensei em meus pais e em tudo que fizeram pela gente quando a gente não podia muito. Também pensei na Tainá, que agora me ajuda nessa batalha diária que é criar crianças, e na minha outra criança, o Carlos, tão longe e sempre tão presente nas nossas vida! Pensei em tanta coisa e ainda chorei um bocado enroscado na melhor filha do mundo, que me carinhava a cabeça e ria da minha besteira. E pude chorar até o momento em que ela, cansada de somente ver, disse que queria subir logo e conhecer tudo, e então não pude mais chorar e porque estava muito ocupado sendo o homem mais feliz do mundo!

14 comentários:

Monsores, André disse...

Fernando,

Eu tenho orgulho de você. E de ser seu amigo.
Abraço!

Monsores, André disse...

Fernando,

Eu tenho orgulho de você. E de ser seu amigo.
Abraço!

Carla Takahashi Basto disse...

tão lindo, q as lagrimas nao m deixam escrever mais!
e parabéns Maria! :)

Anônimo disse...

Caramba, meu amigo, confesso, chorei aqui agora ;-).

A um pouco mais de 10 anos atrás, ainda lembro a madrugada que me contastes que Maria ( ainda sem esse nome escolhido ) tinha sido concebida.
Tu com todas aquelas muitas emoções comuns a um cara muito novo que recebe a notícia que vai ser pai. Fui um dos teus primeiros amigos a saber dela, antes mesmo de sabermos que era ELA, que seria Maria.

Mas de uma coisa já sabia e não lembro com que palavras falei, mas sei que te disse que essa criança seria uma benção ( um bem em ação )na tua vida.

E lá se foram 10 anos e eu aqui lendo esse teu relato e me emocionando e lembrando esse dia.

Sempre que falo para outros amigos sobre os filhos de amigos, Maria é lembrada como um bom exemplo. Inteligente,educada, sensível, esperta, engraçada, tão precoce. Tem muito de ti, em todos os aspectos, cara.

Transmita meus parabéns a Maria. Parabéns a vocês tb por terem esse presente que é ter Maria. E Maria tem um grande presente na vida que é te ter como pai...

Beijo no coração meu amigo... Aproveite Paris.

W

Anaína disse...

Chorei com o último parágrafo...
quanto mais a gente planeja, mais as coisas podem dar errado... a gente cria toda uma expectativa... mas às vezes pode ser melhor do que a gente imaginava.

Priscilla disse...

Texto lindo , Fernando. Fiquei com um nó na garganta...tudo que vc escreveu amenizou a saudade que sinto... ...SAUDADE DA MARICOTINHA! Priscilla

Maick Costa disse...

já vale chorar com esse relato? Parabéns pela família linda, amigo.

Helena disse...

Que lindo, Tanto!
Realmente idealizar momentos ou pessoas pode gerar frustração, mas as vezes a vida nos reserva surpresas de arrepiar e emocionar...
Aproveita essa cidade encantadora!
Bj, Helena.

Tanto disse...

Monsores, querido! Acho tão bonito quando você diz isso... E fico tão feliz de saber que a gente sente o mesmo, um pelo outro. Um abraço, meu bom.

Carla, Hoje vimos uma loja linda, cheia dos mais belos objetos de decoração. Comentei com a Maria que conhecia uma pessoa que ficaria louca ali... Quem será?

W, meu amigo. Sem comentários para teu comentário. Tu és parte da minha vida e não precisa de muita coisa para que me entendas. Realmente você falou isso - e tinhas toda a razão (como quase sempre! Hahahaha). Um beijo.

Anaína, choremos de emoção, de felicidade. Realmente, apesar de todos os planejamentos, foi melhor do que eu poderia esperar.

Pris, Mande um beijo a todos. Hoje tentarei ligar.

Maick, a melhor coisa é descobrir pessoas. Seja muito bem vindo, e obrigado por fazer ser bem vindo!

Helena, a cidade encantadora fica mais maravilhosa com a pequena entrelaçada ao meu braço. Obrigado.

Tainá Aires disse...

Texto lindo, meu amor. Assim como o Monsores, tenho muito orgulho de você. Obrigada por ser um pai e marido tão maravilhoso. Um beijo pra Maria linda. Te amo.

Anônimo disse...

Tudo planejado, amigo. Vocês é que não sabiam...

Chorei aqui, mas de alegria por teres a Maria.

E ela ainda é tatuadora das melhores que já vi em toda a minha parca vida. Parabéns pra ela!

Carlos Barretto  disse...

Um espetáculo de texto, que marcou a fogo meu coração de pai. Nem vou falar mais nada. Apenas voltem em paz e segurança para a "Terra Brasilis", que gera pessoas humanas como tu e Maria. Pessoas que valem o nosso sacrifício do presente, do passado e, se a energia e saúde me sobrarem, o futuro até a última gota.
Bjs aos dois!

Jane M disse...

Fiz um comentário de umas 10 páginas que sumiu , shit (nem tanto, mas era longo).
Vou tentar repetir e se ele aparecer, por favor, escolha um.

Tinha dito que vim ver o texto super comentado do twitter e que tambem me emocionei.
Vc conseguiu transmitir a emoção da Maria e a sua!
Criar filho não é facil nos moldes papai-mamãe-filhinho e nem em outros moldes qualquer. É um desafio , uma expectativa, uma certa angústia até.
O que sabemos é que queremos o melhor pra eles e pedimos a Deus é que eles tambem aceitem o que fazemos como sendo o nosso melhor, porque tenho certeza que sempre oferecemos o melhor de nós.
Enfim, parabéns para Maria!!!! Que ela continue crescendo feliz e sempre com a certeza que ela está cercada por pessoas muito especiais e que estão dando o melhor de si pra ela ser uma adulta realizada.
Bjo

Anônimo disse...

Pode incluir mais uma pessoa na lista dos orgulhosos.

E eu, manteiga, chorei desde o princípio.

Nanam deve ser mesmo muito especial!

Bocó.