quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Traficante tem direito?

Foi um verdadeiro descalabro. De repente os traficantes que eram os donos dos morros cariocas se viram em plena fuga, corrida sorrateira para se esconder e escapar da cana. Muitos foram presos, outros se entregaram. Alguns ainda estão escondidos por ali, por lá, esperando para ver o que fazer. Mas todos eles, quase sem exceção, tiveram de abandonar uma vida inteira para trás - e uma vida inteira, breve vida, de traficante, geralmente significa muitos e caros bens materiais.
Uma foto que me surpreendeu, dentre outras tantas, era assim: o morro sendo ocupado pela Polícia e uns moleques se divertindo em uma piscina bem bonita, no que seria a luxuosa casa de um traficante. Logo imaginei: mas que coisa? O mundo acabando e os filhos do traficante se divertindo. Como assim?
Somente lendo o texto pude entender: a casa realmente era de um traficante. Mas as crianças que se divertiam na piscina, essas não pertenciam ao bandido. Eram crianças da comunidade que, junto com tantas outras pessoas, aproveitaram a fuga dos chefões e resolveram desfrutar do luxo. Acontece que aproveitar, nestes dias sem leis do Rio de Janeiro, não se limitou a banhos de piscina.
Li na coluna do Ricardo Setti que inúmeras residências, que pertenceriam a membros ativos do tráfico, foram limpadas com a rapidez dos que fazem coisa errado. Móveis foram levados, eletrodoméstico foram surrupiados. Até chuveiros, torneiras e maçanetas desapareceram. E diante disso tudo, o que fez o Estado? "Pior do que os saques, porém, foi a atitude de policiais civis e militares diante do que ocorria diante de seus olhos: absoluta indiferença. Comportavam-se como se nada estivesse acontecendo, muito menos crimes. Um deles chegou a dizer a um repórter da Globo: “Ah, o pessoal viu que era casa de vagabundo [forma pela qual normalmente os policiais se referem a criminosos] e começou a pegar as coisas”. Ele estava fardado, protegido por colete à prova de balas e portava uma metralhadora. Não esboçou um só gesto de autoridade, não moveu um só músculo."
Primeiro ponto: todos têm direitos estabelecidos em lei, sejam traficantes ou não. Em fuga ou presos, mortos ou vivos, o que pertence a eles deveria ter sido protegido pela polícia. Permitir que saques ocorram, somente por terem sido perpetrados contra bens de bandidos, não está correto.
Segundo ponto: se os bens foram adquiridos por meio de práticas ilícitas, deviam ter sido preservados pelo Poder Público para que, no futuro, pudessem servir como indenizações, et cetera.
Mas agora é tarde, Inês é morta. Os bens se perderam e muito vão passar um natal mais feliz e rico. Só resta à Polícia carioca requisitar filmagens e imagens para tentar identificar os saqueadores e tomar as devidas providências. Se quiserem, claro. Se quiserem.

2 comentários:

Monsores disse...

Tanto,

Você tem razão. Deveriam proibir. O ar belicoso que deram pra essa operação trouxe um aspecto anárquico, quase de oba-oba pra um cenário que deveria ser levado a sério. Eu entendo que medidas assim são necessárias naquela região. Nasci no Estado do Rio, sei bem o que a criminalidade faz na mente das pessoas, mas daí a liberar geral, é um absurdo.

Um abraço,
André

Tanto disse...

O pior, Monsores, é ler o texto logo acima, continuação deste. Com essa bandalheira o Estado acaba perdendo muito, recursos precisos que poderiam ser usados no combate ao que agora se combate. Uma pena.