quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Autodeterminação dos Povos e o Irã



Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres - Voltaire

Não concordo com a pena de morte e, muito menos, não concordo que se mate uma pessoa por ter cometido adultério.
Porém, defendo o Princípio da Autodeterminação dos Povos, regra que garante a todo povo de um país o direito de se autogovernar, tomar suas escolhas sem intervenção externa, e de escolher como será legitimado o direito interno sem influência de qualquer outro Estado.
Ou seja: mesmo não concordando que se mate uma mulher por simples traição conjugal, ou que não concorde com a pena de morte, defendo o direito do povo iraniano de fazê-lo.
Ao que me parece, o problema não é a execução pelo crime de adultério, mas sim a execução em si.
Tanto é que no e-mail que me foi enviado pela Anistia Internacional, e que resultou neste post, há pedido de envio de apelo ao governo iraniano solicitando a comutação da pena por outra menos branda – inclusive enforcamento. A Anistia Internacional não pede, em momento algum, que seja enviado apelo requerendo perdão e conseqüente libertação da mulher.
O que devemos entender é o processo de criação do ordenamento jurídico de um país - e a importância da cultura nesse processo: no Brasil, mesmo havendo previsão na legislação penal criminalizando o jogo do bicho, muitos jogam e a maioria tolera. Isso é um traço cultural.
Da mesma forma, no Irã, a cultura determina o que é crime e como ele será punido. E não nos cabe tentar mudar isso, pois estaremos incorrendo em grave erro ao intervir na soberania de um Estado.
Lembram dos boatos e comentários sobre uma possível proposta de internacionalização da Floresta Amazônica? Lembram do receio geral de que tal fato pudesse prosperar, o que seria fatal para a soberania do Estado brasileiro? Pois bem... Lembrem também das alegações estrangeiras de que era um absurdo não cuidarmos da floresta, que permitíssemos sua gradual destruição em crime contra toda a humanidade – tudo justificativa para o que se pretendia fazer.
É mais ou menos o que acontece agora: o Presidente Lula que, em afronta à independência de um povo, em afronta às regras previstas no art. 4º da Constituição (a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: autodeterminação dos povos; não-intervenção), propõe asilo à condenada sem que o Irã tenha sido consultado, como se mandasse singela mensagem: vocês estão errados em sua decisão soberana!
E o que esperar de um governo que permitiu a histórica trapalhada em Honduras?
É mais ou menos como se o vizinho visse meu filho de castigo e, passando por cima da minha autoridade, resolvesse perdoá-lo, sem me consultar, por achar pouco o motivo da punição. Seria falta de respeito com as minhas regras e com a forma escolhida para gerir minha casa, coisa que não admito.
A pena de morte ainda é permitida em cerca de 58 países. Curiosamente, ela não é criticada com tanta intensidade quando praticada, por exemplo, nos EUA. Obviamente os crimes não se comparam e no norte das Américas ninguém é condenado por trair o marido.
Mas se for verdade minha conclusão acima, de que a discussão não é o crime em si, mas sim a pena de morte aplicada ao caso, qual a razão para que não se amplie tal discussão? Se o que se discute é a pena de morte – e lembrem que a Anistia Internacional não pede perdão, mas sim comutação da pena – por que não discutimos e criticamos a pena de morte aplicada nos Estados Unidos? Por que não solicitamos que eles também comutem suas penas por outras mais brandas e oferecemos asilo a seus condenados? A resposta é simples: os consideramos tão civilizados quanto nós e nossas culturas são parecidas. Reputamos como crimes fatos bem semelhantes e, por isso, não estranhamos tanto o que acontece por lá.
Mas cultura é cultura, ainda mais quando é milenar e define um país. Não importa se nos parece absurda ou medieval, é a cultura de um povo e, como tal, deve ser respeitada (e fico imaginando o que os iranianos devem falar quando assistem o nosso carnaval – devemos ser chamados de bárbaros para baixo).
Espero sinceramente que Sakineh Mohammadi Ashtiani seja libertada, que o fato de ter traído não seja motivo para execução ou, mesmo, prisão. Mas espero que isso ocorra por decisão única e exclusiva do governo do Irã, em franca mudança de suas regras internas, decidida por autoridade competente e não por pseudo pressão e jogos de força com segundas intenções.

19 comentários:

lygia maria disse...

entendo a questão da soberania dos povos e concordo com ela. a questão é que o irã é uma ditadura. nesse sentido, o país pode ser criticado e seus cidadãos podem, segundo o direito internacional, solicitar asilo político. usando o exemplo q colocaste, sim, eu poderia reclamar do castigo q estivesses dando ao teu filho, caso fosse muito violento e violasse o ECA. a pena de morte, nos eua, é altamente criticada por várias ONGs, e criticada por uma parcela dos americanos q se mobilizam em seu país. coisa q não pode ocorrer no irã, justamente por não ser uma democracia. o relativismo cultural é válido e deve ser valorizado. mas não podemos deixar de lado o hibridismo cultural provocado pela globalização e como isso afeta a relação entes os estados e as identidades dos cidadãos e as proprias culturas desses países. é isso. mas uma boa questão a ser colacada, pensada e debatida.

Lafayette disse...

Tudo certo. Comungo contigo com a Autodeterminação dos Povos (por isto concordo com o movimento separatista do Pará pelo povo que mora naquelas áreas a serem separadas. Inclusive, pela autodeterminação, entendo que só eles deveriam votar no plebiscito, mas isto é, por ora, outro papo). Mas, porém, todavia, contudo, entretanto, de mais a mais (*odeio esta expressão quando a leio em petição) entendo que:

a) A França agiu bem de acordo com o princípio da Autodeterminação dos Povos - ou seja, lá não se pode usar burca pois fere princípios humanos daquele povo francês;

b) Nem sempre "o querer consetudinário" se sobrepõe ao "dever ordinário" do lugar em que o caso está sendo analisado. Ontem na TL dei 2 exemplos: 1) Mutilação Vaginal e 2) Penetração de Pré-adolescente na 1º menstruação pelo pai ou outros da família. Não tenho dúvida que nestes dois casos, se cometidos no Brasil, constituem-se crimes - aqui, portanto, nem lei específica seria necessário, como se fez lá na França, mas porém, todavia, caso o fosse, teríamos que acrescer no nosso rol;

E, o mais importante, importantíssimo, fundamental, mas fundamentalíssimo (rs), caro Fernando, c) A BURCA, o APEDREJAMENTO ATÉ A MORTE, etc, não é CULTURAL do Irã, do Paquistão, do Afeganistão ou de quem quer que seja. É RELIGIOSO!

E o pior, é interpretação, deturpada, RELIGIOSA de parte de uma regra dita "divina" por homens, e o pior, estes ditos "divinos" também (olhe esta cagada. Não basta a regra ser divina, o caba que a leu e a interpretou como quis, também era DIVINO!!!).

O certo, Fernando, que nada era assim há pouco mais de 25/30 anos atrás no Irã, no Paquistão, no Afeganistão. Os EUA, sim, eles, formentaram o fundamentalismo religioso por acharem (e de, + ou - certo!) que afastariam com isto a União Soviética da parada!

Tá, ok, não podemos esquecer que muito antes de existirem os EUA e a URSS, aquela região é fundada em teocracia, que é a pior forma de se conduzir um Governo, uma Nação, um Povo, e que, com isto os homens, aí sim, historicamente, oprime as mulheres.

Aliás, este papo de oprimir as mulheres isto acontece na Religião Católica até hoje. Agora imagine numa época em que a Religião Católica era o must, o que havia de melhor na Terra e nas Estrelas, era a "verdadeira salvação", pois é, e imagine a mulher não poder participar, só o homem (como é até agora, mas que, numa deferência, deixaram elas virarem freiras, ou congênere, para "cuidarem" das coisa do padre, varrer a igreja, cozinhar, lavar batina e roupas, e, não raro, serem as primeiras a chegarem no front de guerra, para levar "a palavra"! rs).

A exclusão da mulher na Religião Católica é, mas já foi bem maior, uma tortura psicológica terrível pra quem crer em Deus e Jesus.

Fiz este contraponto só pra mostrar que o Islã não está tão só na crueldade contra as mulheres. réréré

É isto. O papo dá mais, porém, tenho que trabalhar. Até mais.

Lafayette disse...

Tudo certo. Comungo contigo com a Autodeterminação dos Povos (por isto concordo com o movimento separatista do Pará pelo povo que mora naquelas áreas a serem separadas. Inclusive, pela autodeterminação, entendo que só eles deveriam votar no plebiscito, mas isto é, por ora, outro papo). Mas, porém, todavia, contudo, entretanto, de mais a mais (*odeio esta expressão quando a leio em petição) entendo que:

a) A França agiu bem de acordo com o princípio da Autodeterminação dos Povos - ou seja, lá não se pode usar burca pois fere princípios humanos daquele povo francês;

b) Nem sempre "o querer consetudinário" se sobrepõe ao "dever ordinário" do lugar em que o caso está sendo analisado. Ontem na TL dei 2 exemplos: 1) Mutilação Vaginal e 2) Penetração de Pré-adolescente na 1º menstruação pelo pai ou outros da família. Não tenho dúvida que nestes dois casos, se cometidos no Brasil, constituem-se crimes - aqui, portanto, nem lei específica seria necessário, como se fez lá na França, mas porém, todavia, caso o fosse, teríamos que acrescer no nosso rol;

E, o mais importante, importantíssimo, fundamental, mas fundamentalíssimo (rs), caro Fernando, c) A BURCA, o APEDREJAMENTO ATÉ A MORTE, etc, não é CULTURAL do Irã, do Paquistão, do Afeganistão ou de quem quer que seja. É RELIGIOSO!

E o pior, é interpretação, deturpada, RELIGIOSA de parte de uma regra dita "divina" por homens, e o pior, estes ditos "divinos" também (olhe esta cagada. Não basta a regra ser divina, o caba que a leu e a interpretou como quis, também era DIVINO!!!).

O certo, Fernando, que nada era assim há pouco mais de 25/30 anos atrás no Irã, no Paquistão, no Afeganistão. Os EUA, sim, eles, formentaram o fundamentalismo religioso por acharem (e de, + ou - certo!) que afastariam com isto a União Soviética da parada!

Tá, ok, não podemos esquecer que muito antes de existirem os EUA e a URSS, aquela região é fundada em teocracia, que é a pior forma de se conduzir um Governo, uma Nação, um Povo, e que, com isto os homens, aí sim, historicamente, oprime as mulheres.

Aliás, este papo de oprimir as mulheres isto acontece na Religião Católica até hoje. Agora imagine numa época em que a Religião Católica era o must, o que havia de melhor na Terra e nas Estrelas, era a "verdadeira salvação", pois é, e imagine a mulher não poder participar, só o homem (como é até agora, mas que, numa deferência, deixaram elas virarem freiras, ou congênere, para "cuidarem" das coisa do padre, varrer a igreja, cozinhar, lavar batina e roupas, e, não raro, serem as primeiras a chegarem no front de guerra, para levar "a palavra"! rs).

A exclusão da mulher na Religião Católica é, mas já foi bem maior, uma tortura psicológica terrível pra quem crer em Deus e Jesus.

Fiz este contraponto só pra mostrar que o Islã não está tão só na crueldade contra as mulheres. réréré

É isto. O papo dá mais, porém, tenho que trabalhar. Até mais.

Tylon disse...

Autodeterminação dos povos é uma coisa, selvageria é outra. Não tem essa de cada país tem sua cultura, ou então a comunidade internacional deve pedir desculpas a África do Sul pela pressão pelo fim do Apartheid, assim como aos países africanos que ainda tem em suas leis a mutilação genital das mulheres. Não há cultura que que justifique a barbárie e as ditaduras devem sim sofrer sanções.

Tanto disse...

Lygia,
O Irã ser uma ditadura também está de acordo com a cultura deles. Perceba que todos os países árabes têm governos autoritários, em menor ou maior grau. Obviamente, NÃO DEFENDO DITADURAS, mas é algo que deve ser observado e dito. No mais, criticar um país é permitido a todos (e eu mesmo critico o Irã quando digo que não concordo com esse sistema jurídico deles). Usando o exemplo que eu coloquei, você mencionou "reclamar do castigo" que eu estivesse dando, mas não interferir no meu castigo. Você pode até interferir em castigo cruel que eu esteja aplicando aos meus filhos, mas dentro das tuas possibilidades legais... Esse é o problema no direito internacional - poucas possibilidades legais e efetivas para interferir em questões internas (ou você fará guerras preventivas, como a atual guerra do Iraque). Sobre a crítica à pena de morte nos EUA, obviamente existem. E no Irã também, acredite (o twitter é prova disso). Só não há crítica e tentativa de intervenção, como agora, quando se trata dos EUA. Sobre hibridismo cultural, uma observação: é válido e quase impossível de ser parado, mas devemos ter cuidado para que não afete assuntos internos de um país, de forma indevida. Um exemplo: proibição de uso de burca na França. Como forma de demonstrar sua soberania e definir o apartamento dos assuntos religiosos dos de Estado, a França proíbe o uso de burca. É cultura do povo árabe que lá reside? Sim. Afeta assuntos internos? Sim. Decisão: proibimos. Ou seja - há limites, que só podem ser definidos pelo Estado independente e soberano.

Tanto disse...

Lapha,
a) perfeito teu exemplo da burca. Acabo de usá-lo, inclusive, para mostrar o limite estabelecido entre culturas estrangeiras e norma interna de países.
b) Como digo no texto, sou contra apedrejamento, mutilação vaginal, penetração pré-adolescente e tudo mais. Mas defendo o direito deles continuarem com costumes e, se for o caso, promoverem modificações dentro do sistema legal deles.
c) Nos países árabes, atualmente, religião é cultura e tudo mais. Infelizmente. Religião é arte, lei, esporte, relação. Então, burca, apedrejamento, tudo isso é cultura (com base na religião, não importa quem decidiu - é decisão que rege o Estado deles).

Concordo contigo quando falas em deturpação - temos a mesma opinião. Mas, infelizmente, é como as coisas acontecem por lá.

Li na Veja, acho, sobre a cultura nos países árabes que, há uns 50 anos, era bem mais liberal do que na Europa. O que mudou? Justamente o que falas, acentuamento do aspecto religioso, com forte fomento dos EUA, para afastar tais países da ex-URSS.

Lafayette disse...

Amigos, no Irã o sistema de governo não é Ditadura, é pior, é Teocracia!

Outra coisa, ditadura ou governo autoritários não é cultural lá não! Amigos, os caras nos salvaram da escuridão, reintroduzindo Platão, o verdadeiro pensamento de Aristóteles e todos os outros pensadores que as Igrejas, Católicas e Protestantes queimaram por 1.000 anos!!!

Amigos, o povo árabe não é submisso culturalmente, por tradição, por costume. Eles não eram e não são assim... é a elite religiosa e econômica dominante de uns 3 séculos, e mais grave e forte, de pouco mais de 30 anos, que vem fazendo toda a cagada. Antes era só a religião, e mais recente, petróleo e ópináceos!

Repito. Burca não é cultural!

Abraços.

Tanto disse...

Tylon, concordo em gênero, número e grau contigo. Autodeterminação é uma coisa - que defendo. Selvageria (de acordo com a minha cultura) é outra. Tanto é que critico e digo não apoiar a forma de punição utilizada, assim como sou contra a maioria das regras impostas nos países árabes que diminuem pessoas ou se mostrem crudelíssimas. A comunidade internacional não deve desculpas à África do Sul por ter sido, sempre contra o Apartheid. Mas a comunidade internacional fez o correto: se mostrou contra e, pontualmente, pediu mudanças. E lembre - toda a questão relativa ao Apartheid foi resolvida de forma interna, entre os Sulafricanos, sem qualquer forma de intervenção externa. Nelson Mandela, por exemplo, passou anos e anos preso obedecendo a regra penal (injusta) que lhe era imposta. Hoje a Áfrico do Sul é exemplo de país capaz de resolver grandes questões internas de forma pacífica, o que dificilmente veremos nos países árabes.
Só para finalizar... falei acima, para a Lygia - a forma de governo autoritária também é um traço cultural dos tais países. EU NÃO CONCORDO, SOU CONTRA QUALQUER FORMA DE AUTORITARISMO E DITADURAS, mas não podemos fugir desta afirmação. É traço cultural, pode sofres sanções (até acho que deva), mas nada justifica intervenção externa.
Resumo: sou contra a punição e a pena, sou contra a forma de governo, não concordo com certo traços culturais - mas defendo o direito deles serem assim. Se eles quiserem mudar, deverá ser por movimento legal e interno.


Dylon, Lapha e Lygia, obrigado pelos comentários e voltem sempre.

Tanto disse...

Lapha, acho que já respondi esse teu segundo comentário na primeira resposta (ou respondi quase todo).

Entendo a tua opinião sobre a burca, mas será que não levas muito em conta a tua cultura? Pela nossa, realmente não é cultura. Mas é pela ótica deles?

Luiza Montenegro Duarte disse...

Fernando,

O Princípio da Autodeterminação dos Povos é verdadeiramente importante para as boas relações internacionais. Não podem, entretanto, justificar omissões.
Acredito que o que esteja mais em evidência seja a forma como a mulher será executada, que é cruel e humilhante. Impõe sofrimento demasiado e tira totalmente a dignidade da pessoa humana, princípio dos Direitos Humanos.
A característica principal dos Direitos Humanos é a sua universalidade: humanos são humanos em qualquer lugar e dignidade é dignidade em qualquer lugar. Não importa a cultura, o país, as leis. Ter uma vida minimamente digna significa, dentre outras coisas, não ser condenado a uma pena violenta e bárbara. O Brasil inclusive, não tem penas dignas, já que são justas somente no papel e a realidade é degradante até para cães, imagine para humanos.
Entendo que a comunidade internacional deve sim intervir, dentro dos limites legais. A lei de um país não pode ser desculpa para tratar as pessoas com indignidade, pois isso seria muito fácil. É so criar leis cruéis.

Tylon disse...

Concordamos em duas coisas, mas vamos à duas discordâncias:

1) O Aphartheid não caiu por obra dos sul africanos, e sim por conta da pressão internacional. Havia uma série de sanções econômicas contra a África do Sul que nem Holanda e nem Rei Unido puderam aguentar a ajuda à antiga colônia. O movimento de resistência ao regime de segregação exista há tempos, mas não havia conseguido muita coisa.

2) Em pouco mais de 500 anos de história o Brasil vive seu maior período de democracia: 25 anos. Na maior parte do tempo restante viveu sob monarquia, ditaduras e outras formas nem um pouco democráticas. Em teoria, seria um traço de nossa cultura viver sob tiranias. Não existe esse traço cultural, o que existe é opressão.

Abraço.

Tanto disse...

Luiza. Concordo, e concordei no texto, quanto à crueldade e humilhação usada para a execução. A pena de morte, em si, é cruel. Mas obviamente não há sentido em prolongar o sofrimento. Os EUA buscam, inclusive, amenizar o sofrimento, e cada vez mais eles conseguem diminuir o prolongamento da dor. Uma coisa é injeção letal, coisa de um minuto, com anestésico. Outra coisa é apedrejar uma pessoa, por horas, até que ela morra.
Sobre a universalidade dos Direito Humanos, certamente são universais. Mas a cultura, as leis, isso tudo importa sim, pelo simples fato de que relativiza o que é considerado desumano. Para os muçulmanos, cortar a mão de um ladrão é algo aceitável por conta da cultura deles. Para um brasileiro, é totalmente inaceitável (também por conta de nossa cultura).
Para eles a pena não é bárbara, eis que inserida no dia-a-dia. Para mim, é mais do que bárbara.
Quanto às penas no Brasil, realmente são muito bonitas no papel - mas tão somente ali. Afirmar que não se permitirá pena degradante e, depois, obrigar o preso viver em lugares sujos e superlotados é inaceitável. E muito se fala, e muito se cobra, mas não vejo a sociedade agindo para resolver isso de uma vez por todas. Nos acomodamos, até por uma razão cultural - presídio, para o brasileiro comum, é assim mesmo... e como dizer que a cultura não influencia?
Eu também entendo que a comunidade internacional deva intervir na questão, como fez na questão do Apartheid na África do Sul - conselhos, sugestões, ajuda, educação, exemplos. Mesmo porque não há muito mais do que isso - os limites legais dos quais falas são muito rígidos e a linha entre intervenção e atentado à soberania é bem tênue.
No mais, a lei de um pais constituído de forma soberana é lei absoluta e não nos cabe discuti-la. Cabe aos nacionais, por meio de seus mecanismos de controle e luta, efetivar as mudanças necessárias. Eu, por exemplo, considerei a norma que determinou desconto previdenciário dos aposentados injusta e cruel - assim como considero outras. Mas não quero pessoas de fora tentando mudá-la ou brigando para derrubá-la. Isso cabe aos brasileiros.

Obs.: no caso dos iranianos, realmente não há mecanismos democráticos que permitam tal mudança de forma tão facilitada. Creio que eles surgirão quando do estabelecimento da democracia no país.

Tanto disse...

Tylon. Em relação à tua discordância n.º 2, talvez a diferença seja a efetiva participação da religião na política e nos negócios do Estado. Talvez isso explique resultados diferentes para situações que, em tese, poderiam ser iguais.

Quanto à tua discordância n.º 1, vou encará-la como informação e te agradecer pelo acréscimo. Aí ele passa a ser mais um ponto de concordância.

lygia maria disse...

a cultura islâmica, em si, não é ditatorial. o uso da burca no irã, por exemplo, começou apenas depois que o aiatolá khomeini subiu ao poder em 1979 (com a ajuda dos EUA q, claro, só é democrata com as negas deles ou quando lhe convém). o livro sobre a sexualidade em diversas culturas mostrado na matéria da veja (e comentado por alguém aqui) mostra como a sexualidade era bem mais aberta no mundo islâmico do que na europa ocidental, por exemplo. os absurdos cometidos pela ditadura (ou teocracia, como seja) no irã não podem ser jsutificados por argumentos "culturalistas" pq são imposições que partiram de ordem belicista e, principalmente, econômica. ou vc tb acha que a proibição da venda de alguns livros, em cuba, é cultural? não. isso teve início lá apenas em 1959. quanto a se ter movimentos contrários à pena de morte no irã, não há comparação com o que se tem nos eua. basta só lembrar que um cineasta foi preso, justamente no irã, apenas pro criticar o regime. imagine então o raio de ação que qualquer mobvilização contra a pena de morte tem no irã. é por isso que os demais países têm o dever de ajudar (não invadir o país). isso é normal. eua deu asilo aos cubanos. a itália deu asilo aos brasieliros durante a ditadura militar no brasil. eles estavam errados? alguem poderia dizer q sistemas autoritários na américa latina era algo "cultural". quanto ao hibridismo cultural, esse termo não quer dizer pastiche. quer dizer q temos que avaliar que mudanças cutlurais em todo mundo estão acontecendo. que alguns aspectos estão se universalizando e outros se particularizando. no twitter eu critiquei a lei da frança q proibe a burca e o véu. isso pq essas mulheres já estão num país democrático. podem ou não usar se quiserem (diferente do q ocorre no irã). proibir o individuo de se vestir como bem entender é inaceitável num sistema democrático. pelo visto, "liberté, egalité, fraternité" tb é só pras negas deles.

lygia maria disse...

outra coisa. li agora tua última resposta, pro tylon. a história da europa, dos eua, e das demais colônias foi marcada pela participação efetiva da religião (católica) na política e na economia. as situações SÃO iguais. a religião - per si - não torna algo cultural. se ela é baseada na opressão e na violência simbólica constante para se manter viva, então não estamos na seara de culturas autóctones. a história recente do ocidente (há mais de 500 anos) foi baseada na interferência de uma religião na economia e na política, provocando autoritarismo. deveríamos, por isso, considerará-lo normal... cultural? não há diferença entre a tortura praticada pela inquisição, a tortura praticada no brasil na década de 70 e a tortura praticada na ditadura iraniana atualmente. o argumento "culturalista" não cabe para q ongs não se manifestem nem países realizem sanções econômicas (como foi o caso da áfrica do sul e o aphartheid).

Tanto disse...

Mas entenda, Lygia. Quando falo de interferência à soberania, não falo de críticas de ONGs ou sanções econômicas. Realmente falo de ingerência, como a proposta do Presidente Lula, que mencionei acima. COmo te disse, todos tem o direito de criticar ou rebater alguma afirmação, se acharem que devem fazer. Como te disse, eu não concordo com o que ocorre no Irã e critico abertamente. O que menciono no texto é sobre práticas que possam atingir a Soberania de um Estado. O bloqueio a Cuba, por exemplo, se mantém há anos e a soberania da ilha não parece ser atingida. Outra coisa é praticar uma guerra preventiva ou decidir que parte de um território será melhor administrado por outras nações.
A questão da religião tem muitos poréns, mas concordo contigo em grande parte dos teus argumentos. Mesmo assim, ainda acho que fatores culturais fazem com que um mesmo fato seja "interpretado" de forma diferente, em países distintos.

lygia maria disse...

mas o q o lula fez não foi uma ingerência. ele propôs asilo político. um pedido legítimo no direito internacional quando se trata de ditaduras. esse tipo de proposta ocorre, por exemplo, quando há julgamentos forjados que não seguem os preceitos dos direitos humanos fundamentais. neste link aqui dá pra ver que a questão é bem mais profunda. o próprio advogado de sakineh, e sua família, está sendo perseguidos. e hoje, a justiça do irã resolveu manter o apedrejamento. http://migre.me/12pjv a proposta de asilo para a mulher condenada feito pelo brasil em nada tem a ver com tentar gerir o estado iraniano. é apenas um recurso que pode ser utilizado quando lidamos com ditaduras.

André Costa Nunes disse...

Ave, Tanto,

Sem querer meter minha colher nesse angu de caroço ou, para ser “culturalmente correto”, nessa maniçoba gostei muito do tema proposto para discussão.

Em que pese as abordagens adjetivas dos comentaristas e, principalmente a tua gostaria de discutir o substantivo, mas isso pede uma reunião preparatória com leve toque etílico, com a permissão do Lafa, que, junto com o Lúcio Flávio são os únicos caras que conheço que acompanham conversa de botequim sem ficar chatos.

Puxaste o debate blogueiro para um degrau acima da coqueluche política do momento. Não, que esta seja desimportante, mas que é um saco, é!

Com algum humilde reparo de quem não domina o tema senti que as intervenções foram ótimas.

Do Lafa, eu sou suspeito para falar. O Tylon é muito bom, lúcido. A Luiza, que talvez seja parente de um velho amigo, Camilo, mandou bem e, a Lygia. Perigosíssima, ótima.

Se tivesse intimidade com esse pessoal daria o velho grito de guerra do Terra do Meio: largatudoeventimborapracá.

André costa nunes

Luiza Montenegro Duarte disse...

Fernando, acho que já entendi o que gerou tanta polêmica: todos aqui, incluindo você, concordam que a comunidade internacional não deve aceitar crueldades somente porque amparadas por lei. Acredito que quase todos aqui também não aprovam uma invasão, uma intervenção forçada, mas sim as expressas manifestações contrárias, que ocorrem hoje.
Não temos exemplos, nesse caso, de interferência da comunidade internacional além do razoável, desrespeitando a soberania do país, então, por isso gerou a incompreensão, já que o que se vê, em termos e críticas, é aceitável.
Em uma primeira leitura do texto, ignorando os comentários, pode ter parecido que, independente de não concordar com a pena e o modo de execução, você achava que a comunidade internacional não deveria questionar a lei do país, mesmo que sem o uso de força ou tentativa de intervenção.
No fim, todos pensávamos a mesma coisa. Mas o debate foi bom!