Para o teimoso, nada parece teimosia. Sempre com um motivo fundamentalmente cheio de razão, o teimoso finca o pé no terreno do ilógico, segue seu caminho, e não adianta que lhe digam, lhe alertem ou peçam uma simples reconsideração. Aos olhos do teimoso, sua razão é absoluta e nada é capaz de demover-lhe de seus planos. Eu, por exemplo, tenho plena noção de que sou teimoso. Mas só percebo essa característica quando, já arrependido, pondero e penso que podia ter escutado e tomado a decisão com mais calma. Escrevo tudo isso para explicar como me vi perdido, por volta de onze horas da noite de uma segunda-feira, em um trecho escuro e molhado da BR-316.
Na terça-feira, 03/05/2010, pela manhã eu teria uma audiência no município de Igarapé-Açu, longe uns 120 quilômetros de Belém. Em tese, e somente em tese, eu conseguiria percorrer essa distância em cerca de duas horas – informações que me foram passadas pelo GPS do Iphone. Mas como a audiência era cedo e eu não conhecia o caminho, optei por dormir na cidade e, com calma, acordar tranquilo e em paz. Estava decidido: após resolver uma série de pequenos problemas, pegaria a estrada ruma à terra do grande igarapé. E como quase nada sai como planejamos, os probleminhas se alongaram, mais problemas foram aparecendo, e acabei saindo de Belém às nove da noite, chuva farta por todo o canto, chuva chata que me acompanharia por todo o trajeto.
Aqui faço importante observação – o GPS me mostra o caminho mas não me dá referências. Assim, resolvi ligar para quem conhecia o caminho e me informar. Todos foram enfáticos – “Ah, amigo! Não te preocupa. Basta seguir na BR e pegar a PA-127 que fica bem ao lado do Posto de Combustível 21, depois de Castanhal. Segue reto nesta estrada do Posto 21 e, depois de uns 20 minutos, estarás em Igarapé-Açu.”
Me sentindo confiante – imaginando esse Posto 21 como algo nababesco, verdadeiro marco a servir de referência, iluminações mil na beira da estrada – seguia pela BR tranquilo, sem nem me preocupar muito com a obrigação de procurar. Passei Benevides, Santa Izabel, Castanhal e, enfim, deveria me deparar com o afamado Posto 21. No GPS vi o pontinho azul que era eu seguir reto até passar pelo lugar onde deveria estar a PA e, consequentemente, o Posto… Nada. A estrada era só breu e chuva. Mais adiante, uns 20 quilômetro, já em Santa Maria do Pará, parei. Encostei em um posto da Polícia Rodoviária Federal e pedi orientação a um desconfiado Policial. Ele me disse que tinha passado a PA, que ficava logo atrás! “Mas meu senhor… Juro que vim prestando a maior atenção, mas não vi nada. E vim tranquilo, procurando um Posto 21, o senhor conhece?“ O que daria para ele não ter feito aquela cara de pena: “Mas você não viu o Posto 21!? Ele fica bem ao lado da estrada. Achou um, achou outro“ Ciente de que havia feito besteira, me resignei e voltei. Abri as janelas me submetendo a uma molhadeira geral, a chuva que não passou desde Belém, e fiquei atento. Olhos de lince, pouca velocidade, dirigi, dirigi e nada encontrei. Será que a referência que todos me davam, o Posto 21 ,que deveria ter ao menos uma dúzia de lâmpadas, havia sido tragado pela escuridão? Pelo GPS acompanhava, tristonho, meu pontinho azul avançar a passar por onde deveria estar a estrada. Passei novamente! Mais adiante vi um grupo de caminhoneiros parados, acho que reparando o defeito em um dos veículos que seguia em comboio – “Amigos, estou perdido! Quero chegar em Igarapé-Açu mas não encontro a PA-127. Podem me ajudar?“ Dito isso, imaginem a raiva e frustração que senti quando todos, coro mais do que perfeito, responderam a uma só voz: “Do lado do Posto 21, não tem erro!“
Resolvi voltar com menos velocidade ainda, a vergonha ao imaginar não encontrar, mais uma vez, a dita estrada, e acabar novamente no posto da Polícia Rodoviária Federal, a cara de pena que me fez o Policial possivelmente transformada em cara de desprezo diante de minha incapacidade de encontrar a estrada.
Janelas abertas, chuvaral que entrava, o painel marcava 40 quilômetros/hora e a escuridão castigava meus olhos já cansados. Tenso, olhava cada palmo da estrada como se disso dependesse minha vida. De repente, não mais que de repente, no meio do breu vislumbro um prédio acanhado, nada de muito grande, nenhuma luz que pudesse sinalizar vida ou a possibilidade de informação. Decidi entrar e ver o que era e, para meu espanto, me vi no pátio de abastecimento do que devia ser o tal Posto 21. Maldição! Mil vezes maldita a imaginação humana que te faz crer no palácio iluminado à beira da estrada, as setas luminosas que indicariam o caminho. E ali estava eu, em um acanhado posto de combustível, cheio de nada e sem luz qualquer.
Menos ruim que, agora, bastava encontrar a estrada que deveria estar ali do ladinho, nada mais certo. E da fato ela estava lá, cheia de buracos, sem nenhum poste que me aluminasse a frente, a chuva que não parava de molhar o caminho e os olhos que pediam descanso. Não preciso dizer que pela curta estrada não encontrei uma placa seguer, nenhum rabisco em muro qualquer que me confirmasse estar seguindo no rumo certo. E como não tinha opções, segui.
Dentro em pouco cheguei em Igarapé-Açu, a estrada fantasma que ficou para trás, viv’alma que não vi durante todo o trajeto. O Hotel do Salles foi fácil de encontrar, um mundarel de placas que lhe fazia propaganda e me indicava o rumo certo.
Me registrei e, já no quarto, mais um susto: ”onde está meu paletó?” Irremediavelmente pessimista, achei que minha “beca” tivesse voado pelas janelas, a maior parte do caminho abertas, a desgraça de me imaginar sem roupa para o dia seguinte. Revirei tudo, me enfiei por todos os recortes, reentrâncias e buracos do carro e nada. E quando já estava prestes a voltar na estrada, a esperança do burro que acha possível encontrar a roupa perdida, me aparece o recepcionista com a farda sumida na mão, dizendo: “Doutor, o senhor esqueceu seu terno na recepção“ Alívio! Nem tudo estava perdido.
E foi deitado em minha cama, no quarto cheio de osgas brancas, que cheguei a essas conclusões. Do que adiantou ser teimoso, ir contra todos e partir no meio da noite, chuva e escuridão que me fatigaram ao ponto de, no hotel, dormir quase desmaiando. A perdição no meio da estrada desconhecida e o GPS que, de tão inteligente, se cala quando você mais precisa. De tão tenso, durante todo o caminho não pensei em minha teimosia. Mas juro que refleti um pouco quando o escuro serviu para me relaxar, os olhos que finalmente descansariam e a chuva que batia no telhado e não me molhava mais.
2 comentários:
Fale Tantinho lindo do meu coração...,
Bom, eu diria que nem tudo de pior podes tirar da tua teimosia. Afinal, vamos imaginar que estivesses atrás da tua felicidade. O que iria acontecer? Simplesmente que, a tua insistência - ou teimosia, como queiras -, teria te levado à ela. E olha, posso te dizer que a felicidade real e pura, daquelas que te fazem arrancar um sorriso escondido nos escaninhos do rosto, deve ser a mesma "dificulidade" - como diz o caboclo - para encontrarmos. Não deixe de ser teimoso. A teimosia que acaba bem, tem que ser respeitada. A teimosia apenas parar sustentar, talvez, alguma opinião errônea, aí sim, é que você tem que ponderar e analisar, após. Abraços meu caro amigo
Ok, amigo. Não deixarei de ser teimoso por nada. Isso faz parte da minha teimosia também.
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