segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Adeus Benezinho

Era engraçado ver a reverência de todos com Benezinho. Em uma das últimas vezes que o vi, na inauguração da Saraiva aqui em Belém, era fácil perceber que as pessoas se calavam quando ele chegava perto, todas elas com olhares respeitosos para aquele homem pequeno e sorridente dono de uma inteligência impar. A impressão era de que um grande astro de Hollywood entrava no recinto e todos se aquietavam como se seguissem uma regra de etiqueta velada, previamente acordada. Justamente neste ponto era engraçada a reverência: entrava o Professor Benedito Nunes (e nem vou tentar mencionar todos seus títulos), sempre com Maria Sylvia ao lado, sorrindo para todos e calmo como somente os sábios conseguem ser. No lugar do grande astro do cinema realmente surgia um homem pequeno e magro, sempre vestido de forma simples, sem qualquer vaidade. Benedito era grande e disso ninguém duvida e nem surgem, pelos cantos obscuros, vozes discordantes. Era maior ainda ao mostrar que grandeza não se relaciona com roupas, jóias ou grandes demonstrações de riquezas.
Eu não conheço o Benedito das críticas literárias ou do intrincado mundo da filosofia. Eu conheço o Benedito da casa de jardins lindos da Estrela, o Benedito que ouvia minhas piadas sem graças (como são quase todas as minhas piadas) e mesmo assim ria. Conheço o Benedito que gostava muito de chocolate e lembro a vez em que seus olhos brilharam quando lhe dei uma caixa com várias barras de Lindt. Conheço também o Benedito que era mestre na arte de ser companheiro de uma mulher, a vida dividida em curtos e proveitosos 59 anos ao lado da Maria Sylvia, ela também mestra nesta arte de ser feliz ao lado de alguém. Então para mim, além do professor Benedito, reverenciado de forma correta como gênio que era, havia algo além. Para mim havia o Benezinho, pequenino, que sempre batia na altura do meu peito quando nos abraçávamos para dizer adeus. Na casa da Estrela, onde se come muito bem, Benezinho e Maria Sylvia sempre vinham à porta nos deixar nos finais das festas.
Na última terça ele já estava doente. Pela voz da Maria Sylvia percebia-se que a coisa não era boa e ela pediu que fôssemos ao hospital em visitas que fariam bem a seu marido. No quarto frio da Beneficente ele se alegrava conversando com os amigos, a fuga merecida da rotina insossa do leito/prisão. E na terça-feira, dia em que deveria ter ido visitá-lo, deixei de ir pois tinha aula e algumas coisas para resolver pela cidade. Na correria da vida acabei sacrificando a visita ao Benezinho para não perder outros compromissos que pareciam fundamentais naquela hora. E agora, quando fundamental é a saudade, só resta me arrepender e não me culpar pelo último abraço que não dei, Benezinho que certamente riria de alguma graça sem graça, feita exclusivamente para lhe alegrar, e isso teria me feito muito feliz (e a saudade não seria menor).
O fato é que nunca esperamos o pior, sempre achamos que as situações vão se resolver da exata forma que espera nossa visão positiva e otimista do mundo. A semana passou, fui engolido pela rotina e somente recebia notícias e inquietações por telefone. Depois viajei e somente na volta, já na estrada, chegando a Belém após um final de semana incomunicável na Fazenda, recebi a ligação chorosa de minha mãe que havia perdido o mestre e amigo. No velório encontrei Maria Sylvia aparentando fortaleza, ela que sempre foi forte e se mantinha reta diante da perda de sua metade, quase 60 anos juntos.
Depois que Benezinho morre não sobra ninguém como ele por essas bandas. Em Belém, mesmo os mais inteligentes não se comparam ao homem miúdo e sorridente que hoje vi partir. Restam muitos de incomparável e invejável inteligência, claro, mas nenhum deles é tão completo quanto Benedito continuará sendo. Restam ainda aqueles que acham que ser sábio significa, também, ser rude, distante e inacessível, verdadeiro falso astro que faltou às lições de vida ofertadas pelo Professor Benedito.
Hoje, com a mão na alça do caixão, contato áspero com o aço que fazia vez de abraço carinhoso de sempre, Benezinho saiu de Santo Alexandre sob aplausos dos que lotavam a Igreja. E saiu como sempre: humilde em um caixão simples que certamente teria sido de seu gosto, sua escolha sempre serena, longe do foco ou do holofote, longe de orgulho ou vaidade, ele simples, calmo e plácido como somente os gênios conseguem ser.